quinta-feira, 6 de junho de 2019

Ngungunyane ou as Areias do Imperador - I

No pós-independência houve tendência para transformá-lo num herói nacional. Mas o povo não o terá reconhecido como tal. Estava fresca na memória dos descendentes daqueles que sofreram os castigos e as invasões, a sanha hegemónica que comandava os actos do Imperador de Gaza, no Sul de Moçambique.

Vários foram os povos que sucumbiram sob o  jugo da sua ambição desmedida. Diz-se que Mouzinho de Albuquerque lhe deu a mão numa altura em que, talvez, já não estivesse na sua pujança plena. 

Nos bancos da escola aprendemos que ele foi vencido e trazido para os Açores onde morreu. Os seus restos mortais foram trasladados para Moçambique mas também se desconfia que o esquife imperial apenas contivesse torrões de areia.



Ungulani Ba Ka Kosa, nome tsonga de Francisco Esaú Cossa, com a competência que a sua formação académica, como historiador, lhe confere e com a sua sensibilidade para assunto dessa importância, como romancista, traça em Ualalapi, 1987, a figura desse homem violento e cruel, um tirano para o seu povo bem como para os povos submetidos. Completa a sua narrativa, num só volume, com As Mulheres do Imperador, na qual conta a vida das mulheres que o acompanharam no exílio, secundarizadas e condenadas ao isolamento.

Deixo aqui os nomes das sete mulheres de Ngungunyane para que constem da nossa memória, aqui, e nos solidarizemos com elas, em espírito – Phatina, Malhalha, Namatuco, Lhésipe, Fussi, Muzamussi e Dabondi. O imperador foi mantido nos Açores até à sua morte, em 1906. As mulheres foram forçadas a deixar os Açores e enviadas para novo exílio, São Tomé, onde viveram até 1911, altura em que, apenas quatro, conseguiram voltar para Moçambique, após quinze anos. 


Mas, o que era Moçambique? Para essas mulheres  apenas existia o Império de Gaza, para o bem e para o mal. Nada no seu imaginário lhes falava dessa pátria que viria a povoar os sonhos e os anelos de José Craveirinha. Com efeito, de forma abrangente e concreta, ele estendia a sua preocupação sobre o território que ia do Rovuma ao Incomati:


A comunidade de território aparece em Craveirinha como o elemento fundamental de identificação nacional (...): Machava e Ilha de Moçambique, Gaza e Zambézia, Manhiça e Mussoril, Guijá e Mocímboa do Rovuma, Norte, Centro e Sul reaparecem frequentemente a delimitar poeticamente a unidade entre povos que o colonialismo procurava dividir, e a fazer surgir como um todo coeso a imagem de um país de homens escravos: 

“Arroz de Gaza apodreceu nos armazéns 
na Zambézia a seca rebentou barrigas negras
na Manhiça milho sobrou nos celeiros
e nem um milho para cem bocas no Mussoril.
No Guijá deu muita mexoeira
mas nem um grão de mexoeira
nem ao menos um grão em Mocímboa do Rovuma
Ai a passividade animal!”

                                                                                       
                                                                                            Concluo este tema no próximo post ...

Post 2 - Ngungunyane e as Areias do Imperador II
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-Excerto em itálico: Literatura moçambicana em questão- Fátima Mendonça - aqui
-Xibugo/Chibugo - José Craveirinha - aqui

Leia, se lhe interessar:
As Mulheres do Imperador: Entrelaces de Histórias e Estórias – por Carmen L. Tindó Secco

Gungunhana - O controverso imperador de Gaza - aqui

Imagem de mulher: daqui

12 comentários:

  1. Frequentava eu a escola primária e a figura era-me de uma curiosidade muito grande. Depois o tempo passou, as políticas mudaram e os olhares também.
    Fico-te grata por este «post» esclarecedor e rigoroso.
    Homenagem às mulheres de Moçambique!
    Cá estarei para ler a continuação.
    Beijinho

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  2. Boa Noite de paz, querida amiga Olinda!
    Gosto de ver sua dedicação a assuntos de grande relevância para a história geral.
    Muito bom passar por aqui e aprender certos detalhes significativos.
    Tenha dias abençoados!
    Bjm carinhoso e fraterno de paa e bem

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  3. é um privilégio, amiga Olinda, poder usufruir dos seus estudos e investigações que alargam o saber sobre a cultura africana

    do presente texto, retenho, sobretudo, a sua sentida homenagem às mulheres africanas, vítimas de atavismo cultural e do poder arbitrário.

    infelizmente não apenas em África - onde prevalece o poder arbitrário (e não apenas poder político) a crueldade reina, inclusivé, nossa própria sociedade´
    bem haja por trazer mais uma vez o tema
    e com inteligência se insurgir sobre a "passividade animal!”, de que fala o poeta moçambicano!

    abraço

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  4. Sabemos pouco (pelo menos eu) sobre a História das antigas colónias portuguesas. Este post, por isso, enriquece o nosso conhecimento. Mas sabe a pouco e, assim, ainda bem que tem continuação.
    Olinda, um bom fim de semana.
    Beijo.

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  5. Adoro Moçambique e tudo que a ele se refere.
    Abraço e bom fim-de-semana

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  6. Desde menina, nunca mais ouvi falar deste monarca e o que soube era deveras diminuto, não fazia ideia da existência deste império de origem zulu, a sul de Moçambique.
    Estive a informar-me, que acto feio foi essa guerra! Os portugueses num obscurantismo impressionante, ensinando às crianças tais ''feitos heróicos''... Afinal, páginas negras da nossa história...
    Agradeço o conhecimento, Olinda.
    Tudo bom.
    Abraço, Amiga.
    ~~~

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  7. Já na "Primária" me arrepiava "saber" que a crueldade de Gungunhana não foi só para com os inimigos. Doía-me que o próprio Povo lhe era submisso tão só por medo. Mouzinho terá feito como dizia a História de então ou outra verdade haverá? Submeter povos aos desígnios dos conquistadores era prática corrente e sempre em nome Divino para benefício material, económico e escravo. Pode ser que eu não esteja certo, mas a História e as Histórias apenas estão de acordo com o tempo em que são contadas.
    Gostei de ler esta parte.


    Beijo
    SOL

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  8. Olá, Olinda!
    Adorei esta publicação e já estou esperando a II parte.
    Pensava eu que sabia alguma coisa sobre Gungunhana mas afinal sabia pouco e esse pouco deturpava a realidade. Obrigada Olinda, por tanto pesquisares e compartilhares.
    Vou tentar encontrar o livro da Carmen Secco.
    (Tenho andada afastada do teu Xaile. Razões, acredita que não há. Aconteceu! Vou voltar para buscar conhecimento nas muitas publicações que "saltei".)
    Beijo querida amiga, bom domingo.

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  9. Adorei a publicação.
    Uma bela homenagem para estas mulheres de Moçambique.
    Obrigada pela partilha tão importante e enriquecedora.
    Fico a aguardar a continuação
    Beijinhos Olinda

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  10. Boa tarde de Domingo, querida amiga olinda!
    Referenciei seu nome e blog Aqui:

    http://www.escritosdalma.com.br/2019/06/luminosas-aguas.html?m=1

    Tenha uma semana abencoada!
    Bjm carinhoso e. Fraterno de paz e bem.

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  11. Conhecia esse nome, querida Olinda, mas pouco sabia de tudo o que aqui nos contas. O Xaile de seda macia, não só aconchega, como informa e eu fico à espera de mais. Moçambique precisa que se lembrem dele e tu estás a fazê-lo muito bem. Obrigada, Amiga e um bom feriado. Beijinhos
    Emília

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