Ia a passar, hoje, por volta do meio-dia, vi a Dª Celeste à varanda do seu primeiro andar. Fiz-lhe adeus e ela disse: Dª Olinda quer vir cá a casa um bocadinho? -Sim, e quando lhe dá jeito? -Pode ser à tarde? Sim, com certeza. Continuei o meu caminho para casa e às tantas senti um baque dentro de mim... e comecei a repreender-me intimamente. Então, não era para já lá ter ido? Todos os dias digo, Tenho de ir à Dª Celeste; Tenho de ir à Dª Celeste...E todos os dias é porque isto, porque aquilo, e os dias vão passando. Ela não é uma pessoa qualquer, de se cumprimentar na rua com um bom dia e pronto. É a pessoa que, a pedido de outra pessoa sua amiga, também minha amiga, me ajudou imenso com a miúda quando vinham trazê-la do colégio, que não tinha na altura sistema de prolongamentos, e ficava com ela até eu chegar. Seriam uns quinze, vinte minutos, mas os suficientes para me deixar aflita caso os transportes se atrasassem.
Cheguei à casa da Dª Celeste por volta das 17h30. Previa que a conversa ia ser um tanto dolorosa e já verão porquê. Veio abrir-me a porta, a coxear um pouco, um tanto curvada, e levou-me para a varanda de trás onde ela costumava costurar. Mostrou-me três pares calças de uma vizinha às quais ia levantar as bainhas.- Ainda costura, Dª Celeste? - Ai filha, isto ainda faço. Sabe? Tenho os braços fortes. As dores nas pernas é que não me deixam. Tenho ido a uma rapariga aqui em frente que é fisioterapeuta, mas agora já me custa descer as escadas. Mas ela já me disse para não me preocupar, ela vem à noitinha cá a casa e faz-me os exercícios e as massagens.
Ia falando do seu dia-a-dia com vivacidade mas, na realidade, o que ela queria era falar da amiga que refiro acima. Ela faz-me muita falta, sabe? Ela vinha de manhã, tinha a chave, dizia: "Ó Celeste já está acordada, menina? O João fez café, venha daí. Tenho umas torradinhas quentes, com manteiguinha, uma delícia!" E lá íamos para o segundo andar, para a casa dela...E era assim, muito minha amiga. E muito amiga das filhas, dos netos, estava sempre disponível... Quando me queixava das minhas mazelas dizia-me: "O que quer, já não é uma menina, tem uma bonita idade, 93 anos. E está muito bem." E quem havia de dizer que ela iria antes de mim. Tão nova...
Uma quebra na voz. Tossica um pouco. Diz que, naqueles dias, a princípio a voz não lhe saía da garganta, que se sentia e sente muito enervada e que tem caído bastante dentro de casa. E eu conforto-a, sentindo e comungando da sua solidão. E é tanta que quando lhe disse que vou passar a visitá-la mais amiúde ela ficou contente e disse que, realmente, precisa de companhia. Devo dizer que tem filhos e netos amorosos que lhe dão muito apoio, mas ela própria reconhece que eles têm a sua própria vida e que não podem estar sempre ao pé dela, em todos as horas do dia.
A vida a cumprir o seu ciclo.
A vida a cumprir o seu ciclo.
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Há muitas D. Celestes a sofrer de solidão...
ResponderEliminarE fazer-lhes um pouco de companhia é uma atitude de enorme caridade.
Gostei do texto, faz-nos pensar nesta vida...
Olinda, um bom fim de semana.
Beijo.
E há tantas Dª Celestes por aí. Quando a velhice chega o que mais atormenta as pessoas é a solidão. Um dia ouvi um médico dizer que se morre mais de solidão do que de doenças.
ResponderEliminarAbraço e bom fim-de-semana
Boa noite, Olinda! Gostei muito desse texto, amiga, quantas pessoas vivem nessa solidão, criaram suas famílias, seus filhos e de repente vem a 'síndrome do ninho vazio' como chamamos aqui. E não sabem o que irão fazer de suas tristes vidas. E qualquer migalha dada de solidariedade, de um abraço, de um pouco de afeto uma vez que outra essas pessoas se satisfazem. Bota tristeza nisso!
ResponderEliminarÉ um texto que nos leva muito a refletirmos sobre o que fazemos de nossas vidas, ou o que fizemos! tudo para os outros e nada para nós, pois sobre nossas emoções e sentimentos futuros a gente também precisa se preocupar, não é só com finanças, com planos de saúde, o emocional cobra, e muito.
Beijo, querida.
Querida Olinda é impossivel não ficarmos emocionados com o caso da Da Celeste! Todos conhecemos pessoas nessa situação e outras vivendo, não só na solidão, mas também com doenças mais graves e algumas já sem lucidez. Perante tudo isto é inevitável que não pensemos no futuro e nos preocupemos com ele, deixando muitas vezes de viver o presente como gostariamos. Diz-se que o que importa é o " aqui e o agora " que o passado morreu e que o futuro é uma grande incerteza, mas não é bem assim; essa incerteza do futuro é que nos leva a pensar muito nele e a prepararmo-nos para a velhice, quer financeiamente, quer a nivel mental. Nunca pensava muito na velhice, mas depois que vi a situação em que o meu pai ficou e vejo agora a da minha mãe, comecei a preocupar-me muito mais. O que teria sido a vida do meu pai se ele não tivesse vivido o presente sempre a pensar no futuro? E o que seria agora a vida da minha mãe se não tivesse condições para ter cuidadoras e assim também não sofrer tanta solidão? Sabes, Olinda, temos sim de pensar no dia de amanhã e com muito cuidado, pois não sabemos quando a vida nos interrompe a caminhada Muito obrigada, pelo texto tão oportuno que nos leva a reflectir nas voltas da vida a cumprir o seu ciclo. Beijinhos e tudo de bom, querida amiga
ResponderEliminarEmilia
É inevitável que pensemos no futuro -assim deve ser!!! Beijinhos, Olinda
EliminarEmilia
UM texto tão bonito e interessante. Obrigada por partilhar:))
ResponderEliminarHoje:-Quero-te tanto...Quero-te, porque sim. [Poetizando e Encantando]
Bjos
Votos de uma óptima Sexta - Feira
delicado e sensivel quadro da vida moderna, muito bem (d)escrito, onde perpassa subtil e inquieta amargura de quem bem sabe a generosidade conforta como bálsamo. mas nada mais pode!...
ResponderEliminar.. e, no entanto, não podemos, conformar-nos!
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gostei muito, amiga Olinda
abraço
O que conta da Dª Celeste emocionou-me muito. Conheço tanta gente assim… Às vezes penso que devíamos dar mais atenção às pessoas de idade que tantas vezes só nos querem contar como resistem ao passar dos dias…
ResponderEliminarGosto da sua forma de narrar. Um bom fim de semana.
Um beijo, minha Amiga Olinda.
Minha amiga, tantas Donas Celestes que existem...e acabam tão sós...um texto para ler e meditar. Adorei. Beijinhos
ResponderEliminarUm bocadinho de atenção com o próximo é nota alta no que respeita ao nosso sentido de humanidade. Hoje vivi uma cena semelhante. Talvez a conte. São cenas do quotidiano em que damos e recebemos. É que "fica sempre um pouquinho de perfume nas mãos que oferecem rosas."
ResponderEliminarBeijos, Olinda.
Fiquei comovida...
ResponderEliminarPrecisava de um caso assim para cumprir uma hora de voluntariado.
Fazia-me melhor a mim.
Beijinho
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Quem acompanha idosos mais isolados de perto sabe o quanto gostam e precisam de companhia, por isso o que a Olinda fez foi um bonito gesto que todos nós podemos e devemos ter para com quem, sendo idoso, vive assim. É um texto que faz refletir, pois todos nós caminhamos para lá.
ResponderEliminarBeijo!