domingo, 20 de setembro de 2020

A casa em que nasci, Marianinha



«A casa em que nasci, Marianinha,
está voltada a Su-sueste
e tem à frente um cipreste
de atalaia à seara e vinha.

Casa já antiga, descaiada,
se o Sol lhe bate na fachada,
inunda-se a varanda de alegria;
tia Rita fia na roca
e dos buraquinhos da alvenaria
salta pardal com pardaloca.

À velha chaminé é um regalo
ver o fumo subir, fazer halo.
No montado, ouvem-se anhos balir
e derretem-se lantejoulas a luzir,
trouxe-as a Primavera no regaço
e espalhou-as pelo tojo, urze, sargaço,
sem desprezar trigal, jardim,
rampas, refúgio de erva ruim.

Manhã cedo, rompe a cantata,
nas árvores de fruto e pela mata.
─ Sol, Sol! ─ trauteiam os pardais,
tordos, melros e verdiais.
─ Sol, Sol! ─ pede o tuinho na balsa
e o auricu que apagou o candil na salsa.

E o Sol ergue-se por detrás dos montes,
e lá vem, sem olhar a vias nem pontes,
triunfal, contente como um ás,
com sua capa de arcebispo primaz.

Quem não ouve decerto sente
que vem salvando: ─ Olá, boa gente,
pássaros a voar e no ninho,
fonte, e tu a ladrar, cãozinho,
para que abram e nos deixem entrar.

Olá, meu amigo carvalho,
à minha espera no festo da colina,
e, no almarge, o carneiro do chocalho,
o cabrito, a cabrinha e até o chibo,
ronda-vos o lobo, mas sopro a neblina,
e vai mais longe buscar o cibo.
Salve, amigos, haja fartura e alegria! (…)» 
(ler poema completo aqui )

Aquilino Ribeiro 
  (1885-1963)


Aquilino Ribeiro, (Tabosa do Carregal, 13/9/1885 – Lisboa, 27/5/1963) Romancista, folhetinista, contista, novelista, professor, director da Seara Nova (1921), fundador e presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores (1956).


Sobre as "Terras do Demo", diz o Autor:

"...Chamei-lhe assim porque a vida ali é dura, pobrinha, castigada pelo meio natural, sobrecarregada pelo fisco mercê de antigos e inconsiderados erros e abusos, porque em poucas terras como esta é sensível o fadário da existência." aqui

Boa semana, meus amigos.



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Poema - in O livro de Marianinha (1967) - Livro dedicado à neta, Mariana aqui
Imagem - Fundação Aquilino Ribeiro - clique e leia mais sobre a vida de Aquilino Ribeiro 


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NOTA:
Por iniciativa da respectiva Junta de Freguesia, a 4.ª edição de Alvalade Capital da Leitura é dedicada a Lídia Jorge, que este ano celebra 40 anos de vida literária.
A autora de "O Dia dos Prodígios" (1980) será homenageada entre hoje (21) e o próximo dia 26...
Leia mais, clicando em "Da Literatura".


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22 comentários:

  1. Olá:- Aquilino Ribeiro, um enorme poeta.
    .
    Um domingo feliz
    Abraço

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  2. Amiga Olinda,
    O “Romance da Raposa”, de: “Aquilino Gomes Ribeiro” (década de 1920), foi um dos bons livros que li e tenho um exemplar.
    Bela lembrança deste autor.
    Um abraço e cuide-se!!!

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  3. Bom dia. Fantástica a sua escolha! Obrigada
    -
    Vagueávamos nas ondas do mar
    -
    Beijos, e um excelente fim de semana.

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  4. Gostei de ler!Linda poesia! Bela partilha! beijos, chica

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  5. Há tanto tempo que não lia este poema!
    Aquilino Ribeiro um dos grandes da nossa Literatura!

    Abraço

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  6. Eu li "O livro da Marianinha". Uma ternura dedicada à neta. Este poema a exultar a Natureza que tanto nos maravilha, até faz bem ler.
    Um grande beijo minha Amiga Olinda.

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  7. Até faz bem ler, como diz a amiga Graça.
    Aquilino Ribeiro faz falta na nossa praça com poemas que recordam ternuras e cenários de infância.

    Em boa hora, querida Olinda.

    Beijo, amiga.

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  8. Adorei sentir toda esta ternura pela Marianinha e pela exaltação airosa desta natureza que é um milagre de Deus.
    Um abraço de Luz

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  9. Bom dia nobre amiga , Olinda.
    Grandiosa exaltação à natureza, pelo menos em versos há quem não a maltrate.
    Uma excelente escolha para compartilhar, não conhecia o autor, gostei@

    Votos de uma ótima semana.


    Bjss

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  10. Li alguns livros dele, mas poesia é a primeira vez.

    Grato abraço, boa semana

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  11. Não conhecia Aquilino, enquanto poeta, mas gostei do poema.
    Parabéns à Lídia Jorge pelos 40 anos de escrita.

    Peço desculpa por este copy e past, mas penso que os amigos merecem uma explicação para a minha ausência. O meu pc estava constantemente a encerrar-se. Como ainda estava dentro da garantia foi para a Worten. Depois de duas semanas telefonaram-me para o ir buscar, disseram que o computador lá nunca encerrou, e que o problema devia estar na tomada em casa. Chamei um eletricista que testou a tomada e disse que não havia qualquer problema na mesma. O que é certo é que o computador continua a desligar-se. Esta manhã aproveitei o filho estar de folga para o levar de novo para a loja. Agora estou com o portátil do filho quem me emprestou para que possa programar as postagens para alguns dias até ver se resolvo o problema.

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  12. Terno e belo. Um poema visual, pois com sua leitura vamos caminhando por todos os espaços que descreveu e que são um canto à natureza. Gostei muito. Bjs.

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  13. Aquilino Ribeiro, pela sua obra e pela sua personalidade
    é um para mim um escritor de referência...

    e as "Terras do Demo" um "lugar mítico" que o escritor descreve assim:
    "sem dúvida nunca Cristo ali rompeu as sandálias, passou el-rei a caçar ou os apóstolos da Igualdade em propaganda (...)

    que me perdoem os ossos de Aquilino a ousadia de pretender levar essas (anti)míticas "Terras do Demo" para o romance que procuro escrever e que a minha amiga me tem concedido o privilégio de comentar no meu blog.

    feliz, portanto, Olinda, pelo prazer de encontrar o Aquilino, a decorar este elegante Xaile de Seda.

    abraço

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  14. Considero Aquilino o melhor cultor de prosa poética que Portugal já produziu. Aqui enveredou mesmo pelo versejar, tocado que foi pelo afeto avoengo que a neta lhe despertou.
    Saudações poéticas.
    Juvenal Nunes

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  15. Alguém já disse, mas eu volto a dizer!
    É uma pena manter tão "escondida" a poesia do Aquilino!
    A sua poesia descritiva é um puro assombro!...
    Grato Olinda por trazer o Aquilino às páginas do Xaile de Seda.

    Grande abraço!
    A.S.

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  16. Só escolhe o melhor da poesia quem nela trabalhou , quem com ela se identifica .
    Aqui , o nosso Aquilino Ribeiro inteiro, trazendo tanta nostalgia !
    Assim o senti ,mas tanto !
    Obrigada pelo bom gosto
    Beijinho, Olinda ,

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  17. Querida Olinda
    Voltei da minha segunda e última fase de férias deste ano.
    Felizmente correu tudo muito bem, visitei sítios maravilhosos, e constatei, uma vez mais, aquilo que sabia de sobra – Portugal é um país LINDO!
    Mas… acabou-se o que era doce ��. No próximo ano haverá mais, assim o espero, e talvez que em condições mais favoráveis.
    Regresso, pois, e confesso que com muito prazer, ao vosso convívio.

    Sabes, amiga? Acho que estou a ficar velhota... �� É que cada vez gosto mais dos escritores/poetas mais antigos (isto sem qualquer desprimor para os contemporâneos, que fique bem claro!)
    Então este poema não é uma verdadeira delícia? Eu não o conhecia, confesso, mas li-o e reli-o porque acho-o maravilhoso.
    Obrigada por mo teres dado a conhecer.

    Espero que esteja tudo bem contigo e com a tua família. Abraços para todos.

    Continuação de boa semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  18. Conheço tão pouco da obra de Aquilino Ribeiro, Amiga!!! Que vergonha!!! Este poema é de uma ternura tão grande que só poderia ter sido escrito para uma netinha; é assim que nos sentimos em relação aos netos, uma ternura só. Nasci e vivi numa aldeia, como sabes e, embora a minha casa não fosse exactamente como esta, entrei em muitas que assim eram; no entanto, na minha também havia a grande chaminé na cozinha que nem sempre conseguia levar o fumo todo para fora e a pouca luz que havia ficava ainda mais fraquinha; sou do tempo em que o candeeiro de petróleo ou a vela de cera eram a iluminação possivel. As coisas foram evoluindo e a chaminé lá continuou, mas já não precisava de trabalhar, pois o lume na lareira foi, com muito sacrificio, substituido pelo fogão a gás e os candeeiros e vilas pela lampadas eléctricas, mas, claro, despidadas de qualquer roupagem; nuas e com uma luz fraquinha, mas a suficiente para alegrar as nossas vidas, principalmente nas noites frias. Não posso dizer que a minha aldeia fosse uma terra do " demo " , mas as vidas lá vividas eram tão dificeis, mas tão dificeis que posso dizer que eram mesmo vidas do " demo" de tão miseráveis que eram. Sabes, Olinda, lembro que o termo " salvar " era muito usado pelas pessoas daquele tempo, em vez de cumprimentar ou saudar e não havia ninguém que não salvasse quem por ele passasse; hoje está tudo diferente, na minha aldeia e, felizmente , as vidas não são mais do " demo"; a minha casa lá continua e a grande chaminé também...também continua a minha tristeza quando a olho assim, de pé, solitária, sem aquele " salve amigos", tantas vezes ouvido por nós: pessoas queridas, vizinhos sempre prontos a ajudar, entravam sorridentes por aquele portãozinho, livre de ferrolhos, mesmo quando chegava a noite. Continual lá, o portãozinho...
    Olinda, querida Amiga, obrigada por me teres dado a conhecer este belo poema e assim ter viajado atrás no tempo, um tempo que para mim, felizmente, não foi " do demo ". Espero que estejam todos bem de SAÚDE e deixo-te um abraço enorme, carregadinho de amizade
    Emilia

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  19. Bom dia de muita paz outonal, querida amiga Olinda!
    Lendo com calma seu post, recordei-me da casa onde nasci e residi até a maioridade.
    O poema do autor que escolheu e uma reminiscências poéticamente bem colocada.
    Também morei em lugar pequeno na infância e adolescência.
    A casa que meu pai construiu ainda resiste, ainda que totalmente diferente.
    Não tenho boas lembranças de um tempo para cá.
    Tenha dias abençoados e felizes!
    Bjm carinhoso e fraterno

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  20. OI OLINDA!
    UM POETA MARAVILHOSO EM SUA FORMA PECULIAR DE FAZER POESIA.
    ABRÇS

    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  21. Gostei de recordar Aquilino, agora em poesia muito bucólica e interessante.

    Venho agradecer o carinho que me dedicou pelo meu aniversário.
    Abraço grande, querida amiga.
    ~~~~

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