quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

-Pedra rio vento casa// Pranto dia canto alento// Espaço raiz e água// Ó minha pátria e meu centro

Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor.
E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia. E a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética. Vemos que no teatro grego o tema da justiça é a própria respiração das palavras... 
* Sophia






Pátria

Por um país de pedra e vento duro 
Por um país de luz perfeita e clara 
Pelo negro da terra e pelo branco do muro 

Pelos rostos de silêncio e de paciência 
Que a miséria longamente desenhou 
Rente aos ossos com toda a exactidão 
Dum longo relatório irrecusável 

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento 

E pela limpidez das tão amadas 
Palavras sempre ditas com paixão 
Pela cor e pelo peso das palavras 
Pelo concreto silêncio limpo das palavras 
Donde se erguem as coisas nomeadas 
Pela nudez das palavras deslumbradas 

- Pedra  rio  vento  casa 
Pranto  dia  canto  alento 
Espaço  raiz  e água 
Ó minha pátria** e meu centro 

Me dói a lua me soluça o mar 
E o exílio se inscreve em pleno tempo 


In Livro VI-III-As Grades

Sophia de Mello Breyner Andresen
            (1919-2004)

****

Uma leitura de Grades - Helena Conceição Langrouva


...Grades, de Sophia de Mello Breyner Andresen, uma breve antologia publicada em 1971 (1) , numa fase de pleno esgotamento do povo Português, em Portugal e na guerra colonial de África. Sophia exprime, sobretudo, o tempo de opressão, agonia, morte, alienação, renúncia e exílio, as formas de injustiça, a marginalidade, a sua busca de Justiça e de Verdade. Alguns poemas exprimem também a tomada de consciência da crise da sociedade contemporânea em geral...ler mais   


*Citação-aqui
** Em 'Uma leitura de Grades-Helena Conceição Langrouva', este verso apresenta-se assim: Ó meu país e meu centro.

Ver Análise Obra Poética da autora
Imagem - Internet



19 comentários:

  1. E que mais dizer do que aqui foi dito neste poema... será desnecessário ou mesmo inconveniente.
    Este é o meu país, o mar e a sua gente.

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  2. Parabéns , um excelente post este seu.

    Infelizmente, se vivesse, Sophia teria mais do que motivos para escrever poemas do meso género, de luta e de tristeza.

    Abraço, querida Olinda

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  3. Curioso
    estava a reler a 2ªedição aumentada de 1970 da Morais Editora

    Sophia sempre

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  4. Há que tocar na ferida, para ver se os
    visados arrepiam caminho....
    Beijo

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  5. UM FINAL DE SEMANA
    NA PAZ E NA LUZ DE JESUS.
    VAMOS LUTAR POR UM MUNDO
    MELHOR NEM QUE SEJA EU E VOCÊ.
    QUERO QUE SAIBA VOCÊ FOI
    E É IMPORTANTE DEMAIS PARA MIM.
    CARINHOSAMENTE ,EVANIR.

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  6. Minha querida

    Que estes poemas fiquem na nossa memória e que os poetas continuem a gritar as injustiças.

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

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  7. Sinto grande prazer em ler os que deixaram legado tão rico. Infelizmente, a maioria já nos deixou e muitos sem o devido reconhecimento em vida. Bjs.

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  8. Sophia me intimida, ao mesmo tempo que me fascina a forma como se entrega ao verso, ao poema; e como tudo em sua escrita está para além do sentimento primievo da existência....

    Beijo, amiga, tenhas um ótimo domingo!

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  9. As palavras, por mais ditas com paixão, nem sempre entram em corações duros.
    Beijinhos, bom domingo!

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  10. Muito bom esse poema pátria da Sophia Mello,eu sempre a admirei como grande escritora que ela foi,já li muitas histórias infantis escritas por ela. Desejo-te uma semana espectacular e que o mês de janeiro te continue a trazer imensa alegria. Muitos beijinhos,fica com deus e até breve!! http://musiquinhasdajoaninha.blogspot.pt

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  11. Hoje nada direi, porque nada é um tudo
    que reinará no meu silêncio...
    e silêncio é de ouro aqui
    onde reina tanto tesouro...

    Mas deixo um abraço e beijo (o)Linda
    pela partilha boa, que nunca finda!

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  12. Minha querida Olinda
    O facto de me ter ausentado por três dias originou um certo atraso na minha retribuição e agradecimento às pessoas que, tão gentilmente, me visitaram.
    Ainda estou a tempo de dizer: Obrigada? :)
    Fiquei feliz por teres gostado de me ler. O que dá mais prazer a quem gosta de escrever (para além da escrita em si…) é saber que “alguém” gostou.
    Concordo contigo. Para uma relação dar certo não basta haver atracção física, ou bom entendimento sexual, é preciso MUITO mais do que isso. Por isso o meu conto se chama “Ilusão” :)

    Sobre Sophia... dizer o quê? Que é sempre uma boa escolha, sem dúvida.
    Por alguma razão foi a primeira mulher portuguesa a receber o Prémio Camões, em 1999, que, como sabes, é o maior prémio literário da Língua Portuguesa.
    Num contexto completamente diferente, também gosto muito de ler -e tenho lido - (faz parte da minha biblioteca), o filho, Miguel Sousa Tavares.

    Uma semana feliz, minha querida.
    Beijinhos

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  13. Querida amiga

    Belas palavras.
    Para mim,
    a poesia é ao mesmo tempo
    o carinho que afaga o filho,
    ou a espada que denuncia o injusto.

    Cada dia um sonho.
    É o que desejo aos que ocupam
    o meu coração.

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  14. E cada um de nós pode " perseguir o real " e com ele escrever um poema, um poema em que cada verso seja " uma moral "...um dever; " uma busca atenta". Não é obrigação dos poetas cantar as glórias da Pátria... chorar as injustiças nessa mesma pátria...clamar por uma Pátria mais igual e fraterna. Como cidadãos temos o dever de o fazer e se não formos

    capazes de fazer um simples verso a" partir do ar, do mar e da luz" temos necessariamente de fazer " uma busca atenta " com um grande " espírito de verdade" para para que um dia possamos encontrar a" relação justa" do homem com o homem. Se
    ficamos.espantados com " o esplendor do mundo " temos que ficar espantados com as misérias desta nossa sociedade e perante elas não devemos ficar calados. E se Sophia ficou espantada com "pleno esgotamento do povo Português, na década de 70 " por motivos sérios e que causou dor em muitas famílias, temos agora também um povo português cansado...triste e sem esperanças. Já cá não temos a Sopia, mas estamos todos nós e se nos faltar coragem para agir, para ajudar, para contribuirmos de alguma forma para um sorriso no rosto de muitos que conhecemos, então basta lermos um poema desta Grande Senhora e de certeza que ficaremos cientes de que " a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de " todos nós e não só dos poetas.Tenho gostado muito de conhecer a obra de Sophia o que muito te agradeço, Olinda. Se não fosse o Xaile de Seda, confesso, muito pouco saberia desta grande escritora. Obrigada amiga! Um beijinho e até sempre.

    Emília

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  15. Sophia era realmente iluminada!
    Beijinhos, boa semana!

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  16. Querida amiga
    Mais uma linda semana recomeçou
    Mais uma vez o sol brilhou
    Para nos abraçar com sua cor
    Sobre cada flor
    Fazendo com que tudo fique mais belo e colorido.
    Trazendo a alegria para viver a nossa vida com mais serenidade e alegria.
    Desejo a você minha paz e alegria para seu coração.
    Abraço amigo
    Maria Alice

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  17. Este post tem a força de um hino, a que o título e o poema de Sophia inflamam, irradiando uma força necessária!

    Beijo, querida Olinda.

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  18. Minha querida amiga Olinda
    Se a memória me não falha... hoje és pequenina, ou melhor, o teu filhote "Xaile" é que é...
    Estou certa?
    Se sim... recebe um abraço do tamanho do mundo! Três anos merecem-no bem, especialmente se a qualidade é como a que encontramos neste encantador recanto.
    Que este dia - 22 de Janeiro - possa ser festejado vezes sem conta.

    Parabéns!
    Beijinhos com todo o carinho

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