domingo, 26 de janeiro de 2014

a ilha, o luar e a solidão





Sobre a cidade espantada de luar
Boia o cansaço dos homens sem futuro.

Da rua estreita
Onde as casas são escuras como túneis
Sobe uma voz marítima, familiar
Cantando uma canção de condenados.

O mar fica a dois passos.
Na areia cintilante
Palpita o coração dos pescadores.

Aquela moça franzina
Que se entregou ao mundo num ano de grande fome
Vai mansamente debruçar-se à beira-mar
Olhando as águas, olhando os mastros, olhando o céu...

A lua cresce
É cada vez maior...

A voz quente e marítima
Flutua
Insistente e rouca de álcool.

E o som
Dolente
Dum cansado violão
Tomba
Na noite longa
Dolorosamente.

Aguinaldo Fonseca

(1922-2014)



Do meu "No Reino de Caliban I", ed.1975, página 161, retirei este poema de Aguinaldo Brito Fonseca, poeta cabo-verdiano, falecido ante-ontem. E é donde também retiro alguns elementos bibliográgicos:
O seu nome despertou certa atenção quando, ainda sem livro publicado, lhe foi atribuído o prémio de poesia num concurso do Diário Popular. Está representado em: Antologia da poesia negra de expressão portuguesa, Paris, 1958; Estrada Larga, selecção de textos e poesia do suplemento "Cultura e Arte" de o Comercio do Porto, Porto, s/d (1962); amostra de poesia in Estudos Ultramarinos, nº 3, Lisboa, 1959; Modernos poetas cabo-verdianos, Praia, 1961; Poetas e contistas africanos, São Paulo, 1963; Modern Poetry From Africa, Penguim African Library, 3/6, 1963, 1963; Antologia da terra portuguesa - Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor, Lisboa, s/d (1963?); Literatura africana de expressão portuguesa, vol. 1,poesia, Argel, 1967; La poésie africaine d'expression portugaise, Paris, 1969; Poesia africana di revolta, Bari, Itália, 1969.
Publicou: Linha do horizonte, Casa dos estudantes do Império, Lisboa, 1951.

***

Tenho um motivo para fazer esta lista. É para que conste. Ele tem sido referido, juntamente com a notícia do seu falecimento, como 'o poeta esquecido'.

Assim, nos próximos dias trarei mais alguns poemas da sua autoria, os quais transcreverei a partir da obra acima citada.

Convido-vos a acompanharem-me nesta leitura.

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Abraço

Olinda


5 comentários:

  1. Um poema muito visual, denso e doloroso.
    Beijinhos, Olinda, bom domingo!

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  2. Estupendo poema, realmente.

    Obrigada, pois eu nem sequer o nome do poeta conheci senão na hora da sua morte.

    Que esteja em paz!

    Bom resto de domimgo

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  3. Oi Olinda!! Vou amar ler os poemas do Aguinaldo!! Esse que partilhaste é bem bonito!! Ele,com toda a certeza,foi um excelente poeta,acredita que sim!! Desejo-te uma semana super perfeita,muitos beijinhos,fica com deus e até breve!! http://musiquinhasdajoaninha.blogspot.pt

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  4. Enquanto lia o poema, transportei-me para Cabo Verde, caminhei outra vez por suas ruas, encantando-me com tudo que revia. Que imenso sentimento redivivo, grata por esse momento!

    Beijo!

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