sábado, 11 de janeiro de 2014

Navegavam sem o mapa que faziam

A única vez que uma viagem de avião me deu a sensação de navegação foi quando fui a Macau. No avião uma pessoa é empacotada de um lado para o outro. Mas nessa viagem muito comprida eu lembro-me de, depois de passarmos o deserto e vermos aqueles poços de petróleo a arder, descermos na Arábia com imenso calor,-especialmente para mim que vinha de Londres...-de repente ter a sensação de "navegação".
E escrevi as Navegações por causa disso e um pouco porque quando eu ia no avião e ouvi aquelas vozes celestiais que há nos aviões dizerem: "Estamos a sobrevoar a costa do Vietname". E eu fui para o andar de cima (o avião tinha dois andares), espreitei e estava uma manhã radiosa: era a entrada na Ásia! Um céu azul com umas nuvens que depois aparecem no poema como as "garças", eram nuvens esgarçadas. Via-se a costa do Vietname, uma costa de verdura espessa com uma longa praia a bordar a verdura, e depois no mar havia três ilhas de coral azul. O azul das ilhas, quase roxo, depois a laguna azul mais claro, depois o azul do mar e o azul do céu; tinha-se a impressão de que as ilhas eram os olhos azuis do mar. Era uma beleza inacreditável e eu pensei "O que terá sido chegar aqui desprevenido?"- quer dizer dobrar um cabo, e não se sabe se do outro lado está um abismo, um deserto ou uma ilha paradisíaca. *Sophia








                     VI

Navegavam sem o mapa que faziam
(Atrás deixando conluios e conversas)

Os homens sábios tinham concluído
Que só podia haver o já sabido:
Para a frente era só o inavegável
Sob o calor de um sol inabitável

Indecifrada escrita de outros astros
No silêncio das zonas nebulosas
Trémula a bússola tacteava espaços

Depois surgiram as costas luminosas
Silêncios e palmares frescor ardente
E o brilho do visível frente a frente

In: Navegações,1983

Sophia de Mello Breyner Andresen
           (1919-2004)

****

*Sophia -Citação aqui
Ver Análise Obra Poética da autora
Imagem - Internet

7 comentários:

  1. Uma viagem acordada com desejo de beber cada letra da paisagem.
    O poema esta perfeitamente enquadrado na paisagem.
    Como será...e...o que haverá lá mais para diante...???

    ResponderEliminar
  2. Dois belíssimos textos!

    Boa notícia ontem: irá para o Panteão.

    Esperemos que Aristides Sousa Mendes também vá.

    Querida Olinda, bom fim de semana para si

    ResponderEliminar
  3. Bom dia Olinda ,obrigada por sua visita no meu cantinho ,um lindo domingo para vc ,bjs.
    http://crismandarini.blogspot.com.br/

    ResponderEliminar
  4. Sofia tem razão! Depois de voarmos ou até de embarcarmos, nos dias de hoje é que podemos ter uma leve ideia do que " penaram os nossos navegadores. Se tivessem 1/3 dos meios que hoje há, onde teriam chegado os nossos bravos homens? Bem...muitas e muitas vidas se teriam poupado, pois muita gente sucumbiu às tempestades, à fome e e à doençass. Parabéns, Olinda pela bela homenagem que estás a fazer à Sophia de Mello Breyner. Será que não merece também ir para o panteão? Adoro o Eusébio, acho-o merecedor de ir para o panteão, mas, como diz a São, o nosso Aristides não o merecerá também? E tantos outros....Quanto a isto, acho que está a faltar uma coisa, perguntar à família do Eusébio, porque se fosse eu preferia que o meu familiar ficasse no cemitério que escolheu. Ali todos o podem visitar à hora que quiserem e ficará da mesma maneira eterno naqueles que gostam dele. O Panteão só turistas visitam e e a maioria do povo português não foi lá uma única vez uma vez. Acho que o próprio Eusébio preferiria ficar junto do povo, na simplicidade da campa onde foi sepultado e onde melhor pode receber as manifestações de carinho do povo . Beijinhos, amiga e uma excelente semana
    Emília

    ResponderEliminar
  5. Gostaria de partilhar contigo a minha postagem de hoje, dia 14/01/14, no meu blog A CASA DA MARIQUINHAS/
    Desde já o meu “Bem hajas”!
    Beijinhos
    Mariazita
    (Link para o meu blog principal)

    ResponderEliminar
  6. Eu li essa postagem algumas vezes, e admito que viajei com a viagem da Sophia, encostei meu rosto na janela do avião e com ela vislumbrei o Vietnã que ela viu... Desenhei o mapa com as mesmas linhas da emoção. Saí contemplando os rios, as paisagens, a geografia.
    Um texto que me remeteu ao livro da Marguerite Duras, O Amante... Por se passar no mesmo cenário.

    Sophia é sempre oportuna e muita emoção!

    Beijos, amiga e obrigada mais uma vez por tão belo texto!


    Às vezes o blogger nos prega cada peça... E

    ResponderEliminar
  7. O texto nos coloca dentro desse avião, saboreando as emoções belamente descritas por ela.
    De certa forma, há sempre descobertas para um atento olhar. Bjs.

    ResponderEliminar