sábado, 19 de maio de 2012

Flagelados do Vento-Leste

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!
A nosso favor
não houve campanhas de solidariedade
não se abriram os lares para nos abrigar
e não houve braços estendidos fraternamente 

           para nós

Somos os flagelados do Vento-Leste!


O mar transmitiu-nos a sua perseverança
Aprendemos com o vento o bailar na desgraça
As cabras ensinaram-nos a comer pedras 

           para não perecermos

Somos os flagelados do Vento-Leste!


Morremos e ressuscitamos todos os anos
      para desespero dos que nos impedem 

                   a caminhada
Teimosamente continuamos de pé
       num desafio aos deuses e aos homens
E as estiagens já não nos metem medo
     porque descobrimos a origem das coisas
                  (quando pudermos!...)

Somos os flagelados do Vento-Leste!

Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos


E as vozes solidárias que temos sempre 

                  escutado
São apenas
                   as vozes do mar
que nos salgou o sangue
                   as vozes do vento
que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
      e as vozes das nossas montanhas
estranha e silenciosamente musicais

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!

(Claridade - 1962)

Ovídio Martins
Cabo Verde

Poema retirado de
No reino de Caliban





6 comentários:

  1. E nós, por cá

    da nortada!

    Bjsss

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  2. Amiga, quando comevei a ler pensei que iria ser sobre os flagelados do sofrido Nordeste brasileiro.

    Obrigada por me dar a conhecer e tomei a licença de partilhar.

    Um abraço

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    1. Eu que te agradeço o facto de o partilhares. A ideia é mesmo essa, divulgar os poetas e os prosadores que se servem da língua portuguesa como meio de comunicação.

      E tão bem o faz, Ovídio Martins, não é?

      Bj

      Olinda

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  3. Não conhecia este poeta, mas o poema é maravilhoso.
    Vou tentar conhecer melhor Ovídio Martins
    Um abraço e bom fim de semana

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    1. Olá, Elvira

      Acho que vai gostar dele.Este poema é interventivo e denunciador da situação das ilhas, pelas secas contínuas e a ausência de medidas para colmatar as carências alimentares e outras. De referir que este poema vem na sequência do romance do 'claridoso' Manuel Lopes, 'Os Flagelados do Vento-Leste'.

      Bj

      Olinda

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