quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Bilinguismo ou diglossia?

Dizia-me há dias um amigo que o Crioulo é a língua do coração, a língua de casa, a língua materna, aquela em que se dizem coisas doces, coisas de entranha. Achei interessantíssima essa expressão e, pelo que sei, realmente no quotidiano é a língua que expressa todo um mundo de sentimentos, emoções e preocupações pelas coisas da vida. Nas letras poéticas, depois musicadas, dolentes como a Morna, mexidas como a Coladera e outras, encontramos todo esse sentir e, apercebendo-nos do seu significado, não haverá  forma mais doce de dizer: eu amo-te muito do que 'm krebo tcheu (grafia livre), acrescentou ele. De resto, em Eugénio Tavares encontramos esse manancial de letras e músicas que marcaram uma época e que continuam a fazer eco nos corações dos cabo-verdianos.



É como nos faz sentir esta Senhora, grande linguista cabo-verdiana, Dulce Almada Duarte, falecida no passado mês de Agosto, a quem fui buscar o título desta publicação, da sua obra Bilinguismo ou Diglossia? Tive a oportunidade de referir o seu trabalho aqui, no que diz respeito ao ALUPECquando falei da tradução de algumas passagens das obras de Camões e de Álvaro de Campos para o Crioulo Cabo-verdiano, por José Luiz Tavares, com a matriz do crioulo santiaguense, mas seguindo as bases do mencionado Alfabeto, já aprovado. 

Na referida publicação assinalei, superficialmente embora, a situação do Cabo-Verdiano como língua, mas ainda com um estatuto que não possibilitaria a sua escrita e o ensino efectivo nas escolas. Da sua utilização oficial poder-se-á dizer que têm aparecido alguns trabalhos vertidos em crioulo e li que foi ou vai ser traduzida a Constituição da República. (Conseguimos visualizar a dificuldade que não será a sua leitura sem as ferramentas de aprendizagem bem oleadas). Por outro lado, surgem discursos políticos e algumas intervenções públicas em crioulo e também há professores que, por vezes, explicam matérias nessa língua. Mas, no geral, a Língua Portuguesa é adoptada como língua de trabalho e do Ensino escolar.

Será isso suficiente para considerarmos que estamos perante uma sociedade bilingue, em que duas línguas convivem e dispõem das mesmas oportunidades de aprendizagem, de expansão, de estudo? Essa a grande questão. Dulce Almada Duarte, discípula de Baltasar Lopes da Silva, pioneiro no estudo do Crioulo, trabalhou para que esse reconhecimento fosse ou seja efectivado. De ler este artigo* de Manuel Veiga, linguista, que presidiu à Comissão Nacional para a padronização do Alfabeto da Língua Cabo-verdiana, versando sobre o assunto e que descansa os que pensam que a sistematização do Crioulo irá sufocar o Português, língua muito amada por todos.

É enorme o legado de Dulce Almada Duarte, e todos esperamos que o mesmo seja prestigiado na medida da sua grande dedicação e talento.


Em sua homenagem, o meu querido HUMBERTONA, e o seu violão reverberando saudades, como só ele:





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Ver:

Esquina do Tempo - BRITO-SEMEDO

"O bilinguismo oficial cabo-verdiano..."

* Cabo Verde: da Diglossia à Construção do Bilinguismo-
em Pdf na Net



21 comentários:

  1. Maravilhoso violão de Humbertona. Brasileiro, entendi pouco do assunto, pesquisei no google o que é diglossia. Mas amei a expressão "coisas de entranha" e entendo bem a noção de que é preciso um lugar, uma língua, um meio próprio para dizer coisas assim.

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  2. Começou por se definir uma natural da Macaronésia,
    agora assume-se definitivamente.
    Que posso eu dizer? Que adoro o som maravilhoso
    deste violão, que a música de Cabo Verde sempre me
    emocionou, que acho graça ao crioulo, embora não o
    entenda. Tudo combina bem com o meu sangue. Srrsss...
    Tudo do melhor para Cabo Verde e sua cultura.
    Abraço grande, querida Amiga.
    ~~~

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  3. Nunca tinha ouvido falar em Diglossia, pelo que tive de ir pesquisar,
    Muito interessante o post.
    Abraço

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  4. Gostei do que li embora o meu conhecimento do crioulo venha apenas da música!

    Abraço

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  5. muito interessantes as questões que coloca no seu texto
    que apreciei, amiga Olinda

    de uma forma simplista e um pouco esquemática, julgo poder dizer-se que a Língua (falada) é a forma de expressão mais genuína, que aliada a outras formas de "linguagem e de expressão cultural (a música, as danças, as "tradições", culinária, etc) conferem "identidade" e expressividade a um Povo.

    por outro lado, a escrita será determinada fundamentalmente pelas necessidade, de comunicação "externa" (diplomacia, comércio, turismo, afirmação cultural, etc.)

    é conhecida a vitalidade do criolo e da cultura caboverdeana que se deseja se afirme cada vez mais. mas não posso evitar a pergunta: será que os "tempos" correm a favor da identidade cultural dos povos?

    ou, pelo contrário, a "globalização" arrasa as especificidades culturais de cada povo?

    peço desculpa se me "estendi", excessivamente

    abraço

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  6. Sempre belíssimos apontamentos culturais que aqui nos deixas. Obrigada!

    Bom fim-de-semana1
    Beijinhos.

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  7. Querida Olinda, um assunto interessantissimo que me levou a fazer uma pequena investigação, pois também não conhecia a palavra Diglossia. Não entendo muito deste assunto, mas concordo com o Manuel quando diz que a lingua falada é a expressão mais genuina da identidade cultural de um povo e é natural que os cabo verdianos lutem para que a sua lingua seja mais considerada, havendo, penso a necessidade de que o português continue para que o pais possa progredir nos aspectos que o Manuel especifica, por exemplo. No nosso caso, temos o inglês como lingua obrigatória nas escolas, mas ha um grande exagero na sua aplicação; por toda a cidade há nomes em inglês, quer seja de lojas, de eventos, de comidas, etc. Uma vez uma amiga minha disse-me que estava a sentir-se ignorante no seu proprio país por não saber inglês. E o que dizer de colégios portugueses privados cujas aulas são dadas em Inglês? Sou obrigada, Olinda a concordar com o que o Manel diz quanto à globalização, embora sejamos nós os culpados. Podes cer, evito usar termos em Inglês, dado que a nossa língua portuguesa tem-nos em grande abundância e variedade. Nagda contra a que saibamos outras línguas, que elas sejam ensinadas nas escolas, mas...a nossa tem que estar em primeiro lugar. Orgulho-me que o Português saiba falar várias linguas, mas, acho que o exagero está a tomar conta do país no emprego de palavras estrangeiras. Olinda, obrigada, pelas boas informações que aqui nos trazes, informações que precisam de mais investigação da minha parte. Que me deculpe o Manuel pela minha intromissão no seu comentário. Beijinho, querida Amiga e bom fim de semana
    Emilia

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    1. amiga Emília,

      na convicção de que a nossa amiga Olinda não se vai opor a que eu venha, mais uma vez, ocupar espaço no seu belo Xaile de Seda, quero agradecer-lhe, Emília, a gentileza das suas referências às minhas palavras no esclarecido e fundado comentário, que a minha amiga produziu.

      muito obrigado, a ambas.

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    2. Tenho a certeza que a nossa amiga não se importa com esta " conversinha " entre nós, Manuel e por isso aproveito para te agradecer a simpatia de teres cá vindo .esclarecer que a minha referência às tuas palavras não te aborreceu; também tinha a certeza que não. Os amigos não se apoquentam com pequenas coisas, não é verdade? Obrigada! Um beijinho
      Emilia

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  8. Oi, Olinda. Eu já havia escrito, em alguma outra oportunidade, e agora repito: cada vez que passo por aqui, pelo teu blog, aprendo algo que para mim acaba sendo valioso. Não tenho tanta profundidade sobre a cultura cabo-verdiana, da música conhecia mais Cesária Évora e Mayra Andrade (que conheci através de uma cantora jovem brasileira), e mais recentemente conheci um pouco do trabalho das batucadeiras de Cabo Verde através do mais recente álbum da Madonna. É bom saber Dulce Almada Duarte, através de tuas palavras pude ter a consciência de que foi uma grande mulher. O vídeo tem imagens bonitas com uma música igualmente bonita. Um abraço.

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  9. Oi Olinda
    Um texto valoroso que me fez investigar o significado do termo diglossia que eu não conhecia e claro pude agregar esse conhecimento ao saber
    Leitura muito interessante
    Beijinhos e um feliz domingo

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  10. É preciso amar a língua como se ama a casa e as pequenas coisas. O crioulo é doce, é língua do coração, aqui tratada com o carinho e a elevação que merece. Comovente, querida Olinda.
    Amei este violão que reverbera saudades, como só ele...
    Este post é de intensa projeção cultural. É a defesa da identidade de um povo.

    Beijos, minha amiga.

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  11. Sempre muito interessantes e que nos acrescentam, estes seus textos :))

    Hoje:-Procuro na solidão. |Poetizando e Encantando|

    Bjos
    Votos de uma óptima Segunda-Feira.

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  12. Muito cultural e didáctico este seu texto, minha querida Amiga Olinda. Não conheço o livro de Dulce Almada Duarte e fiquei cheia de curiosidade no tema Bilinguismo ou Diglossia? Obrigada. Adorei a música.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  13. A música encanta todos....,mas as imagens
    surpreenderam-me.
    Obrigado pela visita ao 'Palavras'
    Beijo

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  14. Querida Olinda, faço meu o comentário o da nossa querida Emília.
    Aqui, quando se entrava no segundo grau, o inglês já fazia parte obrigatório do currículo, e no meu tempo o francês também fazia, colégio de freiras era assim. Lembro que tive uma professora que explicava a gramática da língua francesa em francês. Dá para entender isso? O que tive de fazer foi um curso da língua francesa, por fora. Quase me matei! Hoje vemos o inglês tomar conta de tudo, não só na informatização como em lugares que não se faz necessário. Mas assim é. A expressão do nosso povo é o português com seus inúmeros sotaques, do Rio Grande do Sul (o gaúcho com expressões em Dicionário) ao sotaque e expressões nordestinas, que me embaralha toda. Mas nosso amigo Manuel Veiga diz muito bem: "por outro lado, a escrita será determinada fundamentalmente pelas necessidade, de comunicação "externa" (diplomacia, comércio, turismo, afirmação cultural, etc.)"
    Por isso está aí o inglês, dominando o mundo na diplomacia, turismo e todoa a informática, etc.
    Gostei muito do texto o qual proporcionou esse bate-papo bem interessante.
    Beijinho, minha amiga, valeu muito essa postagem.
    Uma boa semana.

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    1. Desculpa Olinda, mais esta intromissão, mas o assunto deu para este debate, o que, penso, é muito bom. Começo por agradecer à Tais a simpatia e dizer-lhe que no meu tempo ( não sei o teu, Olinda e nem o do Manuel..) começava-se uma lingua estrangeira pelo Francês e só no actual 7o ano se iniciava o Inglês. Agora esta lingua já começa no 1o ano de escolariedade, mas já há infantários que a ensinam e aqui em Portugal já há para bebés; sei disso porque uma amiga da minha filha está num desses projectos e convidou -a para o integrar. Acho um absurdo, mas está assim! Beijinhos, Tais, Olinda e a todos os que passaram por aqui. Gosto muito de trocar ideias destas. Boa noite
      Emilia

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  15. A língua faz parte da soberania de qualquer país. E o povo, como soberano, irá confirmar, ou não, se no futuro as duas línguas irão conviver saudavelmente. No entanto, há que considerar a influência de outros factores sociais, tais como as relações comerciais, culturais, turísticas, etc.
    O texto é magnífico, gostei de ler.
    Olinda, continuação de boa semana.
    Beijo.

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  16. Meus amigos

    Agradeço a vossa vinda e os comentários que me deixastes a propósito de "Bilinguismo ou diglossia?", no que diz respeito a Cabo Verde.

    Com o vosso contributo trouxestes temas afins que deram azo a uma bela e espontânea troca de ideias entre comentadores, tão ao meu gosto e que este Xaile abençoa. :)

    Beijos e abraços.

    Olinda

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  17. Para mim, o Crioulo, sempre foi o intimismo da linguagem falada. Daí os constrangimentos (naturais) na sua construção escrita.




    Beijo
    SOL

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