domingo, 24 de março de 2019

Companheiros

quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho

e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados

deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros

mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça

por ora
basta-me o arco-íris

em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço
companheiros



Mia Couto, pseudónimo de António Emílio Leite Couto, escritor moçambicano internacionalmente conhecido, lido e traduzido, nasceu na Beira em 1955.

A cidade da Beira, por vezes em conversa, é confundida com as nossas Beiras. Mas a raiz é de cá e, depois da independência de Moçambique, conservou essa designação. Fora originalmente fundada pelos portugueses em 1887, sendo-lhe atribuído o nome de um rio local, Chiveve. Em 1907, recebera a visita do Príncipe da Beira, Dom Luís Filipe portador do decreto real que a elevava à categoria de cidade. Tradicionalmente, o príncipe herdeiro de Portugal detinha o título de Príncipe da Beiraprovíncia histórica de Portugal.
Nesse aspecto, rezam as crónicas:
Talvez por ser a maior província de Portugal, no século XVII, foi transformada num principado honorífico, cujo titular era, inicialmente, a filha mais velha do Monarca e, depois, o Príncipe herdeiro da coroa de Portugal.

=====
Poema: daqui
Beira - Moçambique
Beira - Portugal

11 comentários:

  1. "...andei sempre
    sobre meus pés
    e doeu-me
    às vezes
    viver..."
    Querida Olinda, parabéns pela escolha do poema e do poeta-escritor moçambicano.
    Com Moçambique (o meu país do coração) atingido por uma catástrofe terrível e a cidade da Beira severamente destruída, mando um apertado abraço para o povo moçambicano.
    Para ti, minha amiga, fica aqui um beijo.

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  2. Inconfundível a poesia de Mia Couto numa transversalidade humana num convite à reflexão. Admiro-o demais.
    beijinho, Olinda!

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  3. Aprecio muito ler Mia Couto, quer em prosa, quer em verso.
    Tem poemas e contos impressionantes.

    Por isso, tenho a postagem pronta para publicar amanhã
    com poemas dele... (Coincidências ou afinidades?!)

    Foi um prazer, Amiga.
    Abraço afetuoso.
    ~~~

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  4. Gostei muito desta publicação. Parabéns. Adorei saber (coisas que desconhecia)

    Bjos
    Votos de um óptimo Domingo.

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  5. Quem me dera também poder "escrever-me de homens/e calçar-me de Terra"...

    um "portentoso" Poeta e Escritor, o Mia Couto! este sim, Olinda.

    abraço

    (grato pela atenção que te merece o Manuel Maria ...)

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  6. Pois, é verdade, em relação ao Manuel Maria - curiosíssima quanto ao "Esquerdino" e ao "Canhoto". Sei que tenho o "take" 12 à minha espera e, depois de o ler, talvez, já se me faça alguma luz.

    Abraço

    Olinda

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  7. Que belíssima escolha, esta. Mia Couto deixa-me sem palavras. É magnífico este poema! Queria pertencer aos "Companheiros" a quem ele o dedica.
    Uma boa semana, minha Amiga Olinda.
    Um beijo.

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  8. Que poema, amiga! Gosto muito de Mia Couto. Belíssima escolha!
    Companheiros...

    (...) e quando ficar sem mim
    não terei escrito
    senão por vós
    irmãos de um sonho
    por vós
    que não sereis derrotados

    Uma ótima semana, Olinda, e grata por partilhar tão lindo poema.
    Beijo!

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  9. E a Primavera chegou para alegria de todos nós, com o seu florido e chilrear das aves contentes com o sol que tem aparecido. Mas, bastaram uns poucos raios deste nosso astro rei para que aqui a Norte já deflagrassem alguns incendios, ou por descuido, ou por crime, o certo é que constatamos que nada se aprende com as desgraças do verão passado. Por aqui a falta de água aflige-nos e por tantos oitros lugares, furiosa, ela carrega tudo na sua frente , matando e desabrigando aqueles que já não tinham um abrigo digno desse nome. Pena que a natureza se vingue naqueles que mais a respeitam e naqueles que menos proveito dela tiram, porque há os ganaciosos que tudo querem. É doloroso ver o que está a acontecer em Moçambique e vai demorar muito para que alguma luz ilumine o caminho dos que conseguiram sobreviver. Olinda, obrigada por teres lembrado aqui o povo irmão e também por teres partilhado este magnifico poema de Mia Couto que desconhecia, mas que me comoveu por a ele ter associado a cidade da Beira e o pouco que resta dela. As informações que nos dás são também preciosas. Um beijinho, querida Amiga e que consigas levar os teus dias para a frente, com saúde e sorrisos, apesar das desgraças.
    Emilia

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  10. De Mia Couto o que conheço é a prosa. Sei que tem poesia, mas ainda não fui ler! Portanto tive o primeiro contacto com a sua poesia através deste poema! E gostei muito! É um poema bem solidário e humano! O que mais aprecio em Mia Couto, na sua personalidade, é a sua humanidade, o seu calor, e, na escrita, a forma como cria palavras!
    O post está ótimo!
    Bom final de dia !

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  11. Mia Couto transmite, em sua criatividade literária, a beleza e a imensidão das terras de África. Cruza o espaço esta luta: "hei-de inventar um verso que vos faça justiça". E a poesia ocupa, assim, um lugar sublime.

    Excelente e oportuna publicação!

    Beijo,querida Olinda.

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