SAUDADES TRÁGICO-MARÍTIMAS
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além...
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além...
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
São meus Avós rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de além, de além...
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de além, de além...
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Naufraguei cem vezes já...
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
– olhos de esposa e mãe -
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
– E sozinho me fui pela praia além...
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
– olhos de esposa e mãe -
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
– E sozinho me fui pela praia além...
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Escuto em mim, – oiço a grita
da rude gente aflita:
– Senhor Deus, misericórdia!
– Virgem Mãe, misericórdia!
Doidos de fome e de terror varados,
gritamos nossos pecados,
e sai de cada boca rouca e louca
a confissão!
– Senhor Deus, misericórdia!
– Misericórdia, Virgem Mãe!
e o vento geme
no bulcão
sem astros;
anoitecemos sem leme,
amanhecemos sem mastros!
E o mar e o céu, sem fim, além...
da rude gente aflita:
– Senhor Deus, misericórdia!
– Virgem Mãe, misericórdia!
Doidos de fome e de terror varados,
gritamos nossos pecados,
e sai de cada boca rouca e louca
a confissão!
– Senhor Deus, misericórdia!
– Misericórdia, Virgem Mãe!
e o vento geme
no bulcão
sem astros;
anoitecemos sem leme,
amanhecemos sem mastros!
E o mar e o céu, sem fim, além...
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Ah! Deus por certo conhece
minha voz que se ergue, branca e sozinha,
– flor de angústia a subir aos céus varados
p'la dor da ladainha!
Transido, o clamor da prece
do mesmo sangue nos veio
Deus conhece os meus olhos alongados;
onde o mar e o céu deixaram
um pouco de vago anseio
nesse mistério longo do seu halo...
Rezam em mim os outros que rezaram,
e choraram também;
há um pranto português, e eu sei chorá-lo
com lágrimas de além...
minha voz que se ergue, branca e sozinha,
– flor de angústia a subir aos céus varados
p'la dor da ladainha!
Transido, o clamor da prece
do mesmo sangue nos veio
Deus conhece os meus olhos alongados;
onde o mar e o céu deixaram
um pouco de vago anseio
nesse mistério longo do seu halo...
Rezam em mim os outros que rezaram,
e choraram também;
há um pranto português, e eu sei chorá-lo
com lágrimas de além...
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Ó meu amor, repara
nos meus olhos, na sua mágoa clara!
Ainda é de além
o meu olhar de amor
e o meu beijo também.
Se sou triste, é de outrora a minha pena,
de longe a minha dor
e a minha ansiedade.
Vês como te amo, vês?
Meu sangue é português,
minha pele é morena,
minha graça a Saudade,
meus olhos longos de escutar sem fim
o além, em mim...
nos meus olhos, na sua mágoa clara!
Ainda é de além
o meu olhar de amor
e o meu beijo também.
Se sou triste, é de outrora a minha pena,
de longe a minha dor
e a minha ansiedade.
Vês como te amo, vês?
Meu sangue é português,
minha pele é morena,
minha graça a Saudade,
meus olhos longos de escutar sem fim
o além, em mim...
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar
1878-1946
Imagem:net
Não conhecia o autor, pelo menos não me lembrava, mas já me informei...
ResponderEliminarUma linda Ode ao mar.
Beijinho
Belo este mar
ResponderEliminarBj
Afonso Lopes Vieira faleceu no ano em que eu nasci, no entanto ainda não está
ResponderEliminaresquecido e isso é muito importante. Este poema aqui inserido por si é mtº- bom
e demonstra a sua qualidade de poeta e de sentir.
Gostei muito.
Bj.
Irene Alves e desejo esteja bem.
Dizer que o poema é espetacular, não chega nem perto do que ele me causou.
ResponderEliminarUma ode, sobretudo, à ancestralidade e todas as memórias que foram construídas ao longo da vida inteira. O poema canta, conta e encanta (com) os sentimentos do mundo, em especial, a saudade, essa que é parte intrínseca da nossa identidade.
Mais um belíssimo poema para a nossa coleção, Olinda, obrigada pela apresentação!
Estive afastada, como percebeste, mas aos poucos estou retornando. Grata por estares sempre no Canto, és de uma delicadeza rara e necessária para essa continuidade de humanidade que tanto ansiamos.
Um beijo, amiga!
Bom divulgar poetas que foram colocados numa prateleira do tempo! É um poeta maior que anda eclipsado neste rumor triste.
ResponderEliminarQuerida, Olinda, sempre tão cuidadosa e criteriosa! Obrigada pela presença e pela partilha.
Beijinho de boa noite.
Um espetáculo de poema envolve nosso coração
ResponderEliminarcomove nossa alma.
Um abençoado final de semana beijos,Evanir.
Poesia que faz pensar...
ResponderEliminarQue faz sentir...
Gostei de me ver pensando
De me ver sentindo...
Querida Olinda, partilhei no facebook, porque acho que , numa nação com nove séculos de História e que parece estar a agonizar, é bom relembrar o nosso maior feito:Os Descobrimentos.
ResponderEliminarBem haja!
Afonso Lopes Vieira
ResponderEliminarTão bem me lembro e quanto admirei os poetas, pois eu dizia...não sou poeta, mas os admiro muito...e era muito pequena e ainda não sabia que vinha a escrever poesia!
Agradeço a sua presença e palavras nos "7degraus"
Mª. luísa
p.s."Palavras e Caminhos" com capa de um artista plástico de nome Carlos Canhão, muito conhecido, ainda se encontra no prelo.
Um escritor obrigatório.
ResponderEliminarObrigado pela partilha, já que não o lia há anos...
Olinda, querida amiga, tem uma boa semana.
Beijo.
O mar chora em todos nós, pois foi completamente esquecido o caminho que ele nos proporcionou para irmos tão longe nos nossos feitos.; deu muito...tirou muito também. É assim o mar, às vezes benevolente, meigo e calmo, outras furioso causando tristeza, por vezes grande sofrimento.
ResponderEliminarMas agora " há um pranto português " um pranto de ansiedade...de saudade ;" "anoitecemos sem leme...amanhecemos sem mastro nesta nau desgovernada em que se transformou o nosso Portugal e o continua a chorar no ritmo do nosso sangue, o Mar.
Não me lembrava já deste autor. Obrigada Olinda por avivares as nossas memórias e por teres aqui trazido um poema tão belo. Beijinho e até sempre
Emília
É bom recordar Afonso Lopes Vieira e sobretudo fazê-lo com este belo poema.
ResponderEliminarUm abraço e uma boa semana
Boa tarde querida amiga
ResponderEliminarAmizade é um laço fraterno que vai se conquistando pouco a pouco.
Amizade é um elo de Amor que vai se fortalecendo dia apôs dia.
Amizade requer uma sabedoria toda própria, para que ela cresça e amadureça.
Amizade é um sentimento de Amor que é perseverante nela mesma.
Amizade é um sentimento fraterno entre duas ou mais pessoas, que fazem de um todo para fazer os seus amigos felizes.
Muitas vezes deixam de fazer a sua própria vontade para fazer a do seu querido amigo, só para o ver com um lindo sorriso em seus lábios, que na transparência de seu olhar, sentem que este sorriso vem do fundo de seu coração.
Obrigada por sua amizade.
Por sua linda presença lá meu cantinho!
Por seus amáveis comentários.
Obrigada de todo o coração
Uma linda tarde para você
Abraço amigo!
Maria Alice
Querida Olinda, que lindo poema!! Sei que tenho andado desaparecida, mas nos últimos tempos a minha relação com a bloglândia é muito no «toca-e-foge»! O tempo não estica! Mas muito obrigada pelas palavras que me vai deixando no meu «canto». E que frescura se respira por aqui no Xaile com céu azul e as flores do meu casamento!! :) Bjs
ResponderEliminar