Em passo leve e estugado percorro o empedrado em direcção à praça estrela, hoje muito descaracterizada. Passo-lhe ao lado rumo ao mar. Livro-me de um passeio bizarro que acaba abruptamente a um bom metro de altura, desemboco na rua do plurim de peixe, já fechado. Rapazes, cá fora, oferecem ainda pratos cheios de peixe: freguesa, seis é só cem escudos. Mulheres de cócoras, de saias entaladas entre as pernas, pesam a olho o conteúdo dos cestos e fazem o preço: é banana, é feijão, é peixe fresco que não pode ficar para amanhã. Pequenos tomates sopesados na palma da mão, é cinquenta. Grupinhos aqui e ali sem pressas, tagarelando.
Não paro mas reduzo o passo, fujo de umas quantas pedras soltas da calçada que um vereador distraído há muito esqueceu. Passo pelo velho cais bem guardado pela águia, testemunha estática de tantos desembarques enjoados ainda na minha impúbere idade. Vou pela marginal e uma aragem oferece-me resistência, ajeito a camisola à volta das ancas, pois não está frio. Já regressam pessoas em traje de desporto da sua caminhada à beira-mar.
Chego à lajinha e descubro o banco de pedra à minha espera. Coloco as mãos na nuca, espreguiço-me interiormente. A brisa brinca com os meus cabelos, embora presos. Chega até mim o som de vozes de jovens na praia jogando à bola e atirando-se à água, num mar um tanto revolto.
Abstraio-me concentrada em mim e então sinto o toque quase físico, vivo, real, mas contraditoriamente etéreo, coisa sublime, vivida noutro plano, sinto o coração estalar em ondas de alvoroço e oiço joe dassin na sua canção eterna ...il y un an, il y un siècle, il y une eternité ...
fragmentos desencontrados trespassam-me, já não oiço o mar nem os miúdos, a brisa aquieta-se, sinto aquele arquétipo de antanho que se dilui ...
deixando acesa a fogueira do mundo das emoções.
deixando acesa a fogueira do mundo das emoções.
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imagem -foto minha
A fogueira das emoções reacende a fogueira das recordações!
ResponderEliminarAbraço
Fantástica publicação :))
ResponderEliminarBjos
Votos de um óptimo Domingo.
um texto muito belo, visual, diria quase "físico"!
ResponderEliminarquem me dera ter o talento de Eric Rommer e ser-me permitido filmar a cena!
reconheça, amiga Olinda, que o texto permite uma excelente "extrapolação" cinematográfica...
abraço
Um passeio no presente que leva a sensações e memórias do passado.
ResponderEliminarUm texto maravilhoso!
Beijinhos
Maria
Divagar Sobre Tudo um Pouco
O munda das emoções aqui recordado como se de uma reportagem fotográfica e sensível se tratasse. É como se descobrisse "o banco de pedra à minha espera".
ResponderEliminarMagnífico, minha Amiga Olinda!
Uma boa semana.
Um beijo.
Marés renascidas
ResponderEliminarBj
Sempre encontramos um" banco à nossa espera " para que nele sentemos para descansar ou simplesmente pensar..recordar...reflectir. Não é o mesmo banco de outros tempo, naquela praça que também já só na lembrança existe, mas não importa..na nossa mente ele continua o mesmo e nos recebe com carinho para juntos reflectirmos nas transformações que o tempo causou, na calçada, no banco, na praça e em nós mesmos; só o mar continua igual, umas vezes beijando a areia suavemente, outras batendo forte nos rochedos, como que espumando de raiva pelo tanto que que lhe roubamos. E assim ficamos nós absortos nos nossos pensamentos, deixando vir todas as lembranças, com a certeza de que pode passar um ano, um século, uma eternidade que o tempo continuará a passar no seu ritmo, levando com ele vidas, vivências, momentos que deixarão em todos nós muitas saudades e só saudades, nada mais. . Lindo texto, este teu, querida amiga! Obrigada! Tudo de bom para ti e para os teus, especialmente saúde. Beijinhos
ResponderEliminarEmilia
Escrever quando o coração estala é a grande ideia. Que alvoroço, amiga Olinda! E Joe Dassin e Carminho atiçam a fogueira. Quanta emoção resvala num banco de pedra da lajinha!
ResponderEliminarAmei.
Beijos.