sexta-feira, 29 de março de 2024

Que fazeis do mundo e da sua chama imponderável, ó homens





E então subimos aquele grande rio

e as portas do Ródão, chamadas. Era em abril,

dois dias depois da neve

e da cidade dos nevões, na serra.

E olhámos para os penhascos da beira-rio,

as oliveiras, o xisto, a cevada

as ervas de termo e as colinas.

E, junto da via férrea, os homens do país

miravam-nos como se fôssemos nós

e não eles os mortos desta terra,

homens do medo e do tempo da discórdia

que trazem para o cimo das estradas

a malícia que vai apodrecendo

seus pés neste mundo e em terras de outrem.

Que fazeis do mundo e da sua chama imponderável, ó homens,

perdidos que estais, hoje como ontem,

entre a casa e o limiar?

E evocámos, mais uma vez, esse provérbio sessouto.

E, na verdade, porque regressaremos,

após tantos anos, a este tema?

Será que a morte nos ensinou

a olhar para o homem com pavoroso êxtase?

JOÃO VÁRIO


Excerto de :
"Exemplo Relativo", 1968


***


Poeta denso e intenso, de difícil interpretação. Muito se tem falado dele mas não o suficiente porquanto é tido como pouco lido. Fala muito da morte, diz-se, e há quem diga que com razão. Quando pela primeira vez publiquei um excerto de um dos seus "exemplos", limitei-me a interrogá-lo, propondo percorrer o caminho por ele percorrido para o compreender. Mas para isso seria necessário ter o seu engenho e arte...


Ele é João Manuel Varela, de seu nome, mas também João Vário, Timóteo Tio Tiofe e Geuzim Té Didial. Foi um escritor, neurocientista, cientista e 
professor cabo-verdiano.

Estudou medicina nas universidades de Coimbra e de Lisboa e doutorou-se na universidade de Antuérpia, na Bélgica, onde foi investigador e professor de neuropatologia e neurobiologia. Ao jubilar-se, regressou à sua Mindelo natal.

Estreou-se com o livro “Horas sem carne” (1958), depois renegado. Participou em “Êxodo-fascículo de poesia” (Coimbra, 1961) e publicou “Exemplo geral” (1966) e “Exemplo relativo” (1968). Seguir-se-iam outros “exemplos” e a reunião na obra monumental “Exemplos- Livros 1-9” (2000).


***


TITINA




Noite de Mindelo - B.Léza




Bom fim-de-semana, meus amigos.
Abraços
Olinda



===

João Vário, aqui, no Xaile de Seda

Leiam:

João Vário- Todo o homem é Babel aqui (a questão da heteronímia)

Antologia do Esquecimento - "Exemplos" - aqui

14 comentários:

  1. Gastei muito do poema. Intenso, profundo. Parabéns pela escolha.
    Votos de uma Páscoa muito feliz

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  2. Bela poesia escolhida,Olinda!Hoje 6 f santa, mas já aproveito pra desejar uma linda e feliz Páscoa!
    beijos, chica

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  3. Muito gostei da poesia, querida Olinda
    Te desejo uma Feliz Páscoa
    Beijinhos
    Verena.

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  4. Sempre me apetece agradecer-lhe as revelações que nos trás aqui. Obrigado por este poema e por mais um autor.
    Um abraço.

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  5. Mindelo:) Que bem me soa...hei-de ir. O poeta, esse não conhecia. Um abraço

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  6. Forte e bonito poema, com uma exortação tão importante. Também gostei da música 🎶, Olinda.
    Uma Páscoa bem feliz para você e família.

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  7. .
    Uma Páscoa com saúde e Paz... || Desejo que todos tenhamos uma Santa e Feliz Páscoa, extensivo a todos os nossos, e vossos Familiares e Amigos. Saúde e Paz para todo o Mundo, que bem precisa.||
    .
    Fraterno Abraço

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  8. Me gusto el poema. Te mando un beso.

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  9. Belíssimo e forte poema de João Vário que me deste a conhecer,
    querida Olinda. Sim, aqui é cultura!
    Votos de uma Feliz Páscoa junto à família, querida amiga, muita paz,
    saúde e alegria!
    Beijinhos.
    🧡🙏💚

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  10. Poema descritivo, grandioso e vero. Tanto quanto conheço, a verdade espelha-se em cada verso, em cada palavra... por cada olhar havido.
    Magnífico e belíssima escolha.
    Que a Santa Páscoa te seja santificante.


    Beijo,
    SOL da Esteva

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  11. Um fascínio em cada verso , uma indagação em cada pensamento
    Não o conhecia, Olinda, mas fico rendida, Sim. Obrigada!
    Uma Santa e Feliz Páscoa!

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  12. P assagem para a vida
    A luz de Cristo Jesus
    S eja nossa guia
    C om amor por todos nós
    O amor venceu, enfim
    A vida ganha novo tom

    Abençoada Páscoa, querida amiga Olinda!
    O título do poema já antecipa toda mensagem poética. Em meio a tanta malícia... O que se pode esperar?
    Beijinhos pascais

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  13. Olá :)
    Não conheço este poeta, mas adorei o poema
    A música também muito bonita.
    Uma excelente publicação-
    Que a sua Páscoa tenha sido cheia de brisas doces **

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