terça-feira, 7 de março de 2017

Jardim do Éden

Vem-me à memória uma história. Uma história que conheço, segundo parece, há muitos anos, embora já não me lembre de quem ma contou.

Há quinhentos anos, uma caravela que ostentava as cores do Rei de Portugal contornou a curva do continente. Tinha sido privada de vento algures ao largo das ilhas de Cabo Verde, e os mantimentos, comida e água começavam a escassear. quando finalmente os ventos se apiedaram dela, impulsionaram-na para Sudeste, em direcção à costa, onde o comandante avistou uma série de portos naturais e levantou a âncora, Os marinheiros prostrados pela fome, e com os cabelos encaracolados devido ao escorbuto, remaram para terra, arrastaram-se pelas águas pouco profundas e pela areia, onde ficaram sob a sombra das árvores. 

Ali se detiveram e olharam à sua volta com incredulidade. Imagine-se! Balouçando-se diante dos seus rostos, estavam mangas suculentas, abundantes quantidades de carambolas, abacates do tamanho da cabeça de um homem. Enquanto, da extremidade dos seus elegantes caules, os ananases acenavam de forma incentivadora, despontavam batatas-doces e inhame da terra, e grandes cachos de bananas desciam até eles. Os marinheiros pensaram ter encontrado nada mais, nada menos do que o Jardim do Éden.


E, durante algum tempo, era isso que os europeus pensavam que a África era. O Paraíso. 
(Excerto: Aminatta Forna - Jardim de Mulheres, pgs 17 e 18)

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Não me esqueci que tenho pendente a continuação da descrição de alguns aspectos da minha viagem a Cabo Verde. Coisa comezinha perante a magnitude das viagens dos descobrimentos que aqui se aflora, do tempo em que homens mal preparados em equipamentos e desconhecendo quase tudo arrostaram com perigos enormes para cumprirem um destino, fosse ele qual fosse, bem como objectivos que muitos deles desconheciam. O mundo que iam descobrindo, muito diferente do seu, levavam-nos de deslumbramento em deslumbramento, não isento de sofrimento como sabemos, ultrapassando aquilo que algum dia pudessem ter imaginado.

A região que a autora tem em mente chama-se Serra Leoa, nome dado por Pêro de Sintra que, ao serviço do Infante D. Henrique na exploração da costa ocidental africana, ali aportara em 1462. Um pormenor muito interessante que importa registar aqui é que numa terra com 16 etnias a língua franca é o KRIO, mistura do inglês e de algumas línguas nativas. Por aqui se vê o destino que essa terra levou depois, no que se refere à potência que lá se implantou.

Numa época em que a Inglaterra e França ainda se ocupavam em discutir as suas linhas sucessórias e a delimitar o território que lhes competia (guerra dos cem anos, 1337-1453) Portugal abria caminhos nunca dantes percorridos, para o mal dos seus naturais, alterando para sempre a face do mundo. Com a Espanha, através do Tratado de Tordesilhas (1494) divide o mundo descoberto e por descobrir em duas partes. Depois...depois França, Inglaterra e Holanda lançaram-se na recolha dos louros.

Voltando a Serra Leoa, esta transformar-se-ia num importante centro de comércio transatlântico de escravos até 1792.

Voltarei com mais um excerto do livro desta autora.

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Imagem: Net   

4 comentários:

  1. Minha querida amiga Olinda
    Adorei essa descrição do "Jardim do Éden".
    Talvez por ter passado sete inesquecíveis anos em África - repartidos pelos actuais países Angola, Moçambique e Cabo Verde - entendo bem o encantamento
    que deve ter sido para os pobres marinheiros a chegada àquelas terras por Deus abençoadas.
    Compreendo bem a tua expressão " para o mal dos seus naturais" já que é caso para pensar se eles não seriam mais felizes se tivessem continuado a ser ignorados pelo "homem branco"...
    A verdade é que a curiosidade do Homem o levou a descobrir novos mundos; apenas essas descobertas deveriam ter sido acompanhadas de um muito maior respeito por que lá habitava...

    Ficarei à espera da continuação da descrição da tua viagem a Cabo Verde, onde passei dois anos dos mais felizes da minha vida.

    Votos de uma semana muito feliz.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  2. Mais do que a beleza da partilha, apreciei esse (teu) sentir, tão ufano quanto saudoso, que capto por detrás dela.
    Cá estarei para saber das tuas andanças...
    Bj, Olinda :)

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  3. Não me importava nada de visitar!

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  4. Gostei sobremaneira desta postagem,
    estimada Olinda.
    Beijinhos.
    ~~~~~

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