sábado, 25 de abril de 2015

Poema do Homem Só





Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
 Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem
 Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.
 Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
 Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
 Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
António Gedeão


Palavras extraídas do discurso de Urbano Tavares Rodrigues, intitulado: António Gedeão: Decifrador do mundo, alquimista do sonhoaqui:
Como sábio, como alquimista – dos minérios e do verbo – vem António Gedeão, com Movimento Perpétuo, em 1956; com Teatro do Mundo, em 1958; com Máquina de Fogo, em 1961, superar o verdadeiro abismo que existia (e afinal continua a existir, salvo raras excepções) entre esses dois domínios. Os seus poemas lírico-didácticos, de constatação das coisas, de explicação dos fenómenos conseguem a fusão das duas atitudes habitualmente separadas; a sua viva inteligência, a sua palavra serena penetram a mecânica do mundo físico e criam os seus correlatos no jardim das ideias e das sensações.

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Meu amigos, desejo-vos um excelente DIA DA LIBERDADE.
Abraço
Olinda

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A imagem foi retirada daqui

12 comentários:

  1. Olá, Olinda.
    Ser só, irremediavelmente só, depois de esgotar-se enquanto se doou por inteiro.
    A solidão triste e calada, tão espalhada por aí.

    bj amg

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  2. ~
    ~~ Também aprecio, sobremaneira, a poesia de AG. ~~

    ~ ~ ~ Abraço muito amigo, Olinda.~ ~ ~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  3. Olá Olinda
    A grande dor de está completamente só quando se doou por inteiro
    A veracidade das palavras na profundidade de uma grande e dolorida solidão
    E que a liberdade não seja apenas a comemoração de uma data. Que seja de fato efetiva para todos
    Um abençoado final de semana querida amiga Olinda
    Beijos

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  4. Por vezes sós

    mas nunca isolados

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  5. ჱ‿

    Bom fim de semana
    com tudo de bom!!!
    Beijinhos.
    ჱ╮
    ه°ჱ~

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  6. Um excelente poema.
    Uma boa escolha para comemorar Abril e a Revolução.
    Um abraço

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  7. O alerta não se esgotou.....tem de continuar..
    25/4 sempre
    Beijo

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  8. António Gedeão, poeta que muito aprecio; Urbano deu-me a honra de ser meu amigo.

    Um forte abraço , amiga e VIVA ABRIL !

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  9. Um poema muito intenso de um poeta que eu admiro António Gedeão.
    Desejando que a amiga se encontre bem.
    Bj.
    Irene Alves

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  10. Somos sós no sentir, nas memórias, no viver. Por mais que nos relacionemos, nos doemos, recebamos... é lá no íntimo que tudo percebemos. Sós. Uma grande poeta e belíssimos versos. Creio que a liberdade é uma utopia. Bjs.

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  11. Apoiemo-nos uns aos outros, não ignoremos os sinais dos outros.
    Beijinhos, boa semana :)

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  12. Os "sentires" do Professor/Poeta, são um legado que a todos toca.
    Comovidamente fico.
    Grato pela escolha, Olinda.


    Beijos


    SOL

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