segunda-feira, 28 de abril de 2014

Do quadro revolucionário ao protocolo institucional

No dizer de Pierre Goubert, as revoluções perturbam as próprias bases do governo e da legislação, reclassificam os grupos sociais, revelam homens novos e frequentemente jovens, deslocam pelo menos em parte a propriedade e renovam sensivelmente as ideias, as mentalidades e as paixões.

Isto dito num contexto de análise de uma outra revolução, num outro tempo e espaço geográfico, mas que vem ao encontro das especificidades do ambiente vivido na sequência da Revolução de Abril de 1974, durante o chamado Prec, processo revolucionário em curso, período conturbado com acções como a reforma agrária, nacionalizações, saneamentos, movimentos populares que culminaria no golpe militar de 25 de Novembro de 1975. Nem sempre imperara o bom senso e sabemos que muitos acabariam por abandonar o país por terem ficado sem os seus bens e sofrido lamentáveis reveses.



A calma foi voltando, entretanto. Em 1976 foi aprovada a nossa Lei Fundamental, a Constituição que veio substituir a de 1933, com uma nova visão sobre a sociedade. O Estado de direito afirmou-se, funcionando em pleno através das suas instituições. 

Assim sendo, esbatido o inicial fulgor revolucionário e, tendo como referência as comemorações oficiais relativas à Revolução de Abril de 1974, estas já não acontecem nas ruas nem nas praças, nem em tribunas improvisadas, com vozes inflamadas e discursos apaixonados. É lá dentro, no hemi-ciclo parlamentar que tudo acontece, obedecendo a protocolos, através das vozes dos representantes que elegemos, na presença de auditório convidado para o efeito. Tudo muito direitinho e organizadinhho.



Mas cá fora também tivemos a nossa comemoração assinalando a data que tantas mudanças operou, quiçá mais espontânea embora não tão festiva como gostaríamos que fosse. Muito tempo se passou já e, como sabemos, o tempo não perdoa. Emocionou-me ver aquelas cabeças grisalhas, militares e populares anónimos, agora na casa dos sessenta e setenta ou um pouco mais. Imaginei-os há quatro décadas, jovens de 20 e tal anos, uns tomando decisões cruciais e outros pulando, gritando e cantando, dando vivas a uma revolução, aliás, a uma situação cujo alcance não percebiam ainda muito bem.



Neste momento, a geração sobreviva, perante a crise financeira e de valores que atravessamos, ainda procura a antiga chama de modo a alimentar rasgos de patriotismo. Ouvi um comentador dizer, num dos canais de tv, nas vésperas do dia 25: Nós, os que temos agora 40 anos, somos os filhos daquela madrugada... E gostei. Que esta geração e as vindouras, filhos dos filhos dos filhos daquela madrugada, possam receber em suas mãos, amorosamente, o testemunho em direcção à longa caminhada que está por fazer.

*****

Voltarei, na terça ou quarta, com o meu último post relacionado com a etiqueta Leituras de Abril. Desta feita trarei Almeida Santos, em Quase Memórias.

Tenham um bom fim de semana.

Abraço

Olinda


Nota: Por motivos técnicos não pude publicar este post no sábado. Então, os meus votos vão agora para um belíssimo início de semana. :)

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Ouvir: Filhos da madrugada, de Zeca Afonso

Referência a Pierre Goubert, in: História Concisa de França, Vol.II, pg.7
Imagens retiradas da internet 

13 comentários:

  1. Em todas as evoluções acontecem coisas despropositadas e algumas até muito graves.
    O principio foi bom e as regras nasceram claras. Os filhos da revolução cresceram com liberdade e de casas fartas sem dar valor aos sacrifícios vividos pela maioria dos portugueses.
    Talvez por isso um dia lhe chamaram = PIEGAS

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  2. Não tenho dúvidas que o Prec foi necessário mas aqui e ali excederam-se as ambições e criaram-se falsas expectativas baseadas em clichés formatados por uma visão utópica do mundo, fruto de muitos anos de ditadura. O 25 de Novembro foi útil no sentido de refrear tais ambições e expectativas...e veja-se que daí para cá o país desenvolveu-se e muito, contudo sabe-se, porque a história assim o diz, o poder corrompe e vicia, por isso assistimos a duas décadas de tráfico de influências e crimes de colarinho branco difíceis de julgar e de provar porque quem manda foi gerando leis na dimensão das suas necessidades proteccionistas...hoje, passados 40 anos volta a emergir a necessidade de criar um contra-poder, ou seja um novo 25 de qualquer mês, porque a vida assim o exige e a miséria social que ultimamente o próprio poder criou será o combustível para uma nova geração de pensadores e políticos, gerados fora das "jotas" que são os actuais políticos formatados.
    Por um novo 25 de....sempre!

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  3. ❤ J'adore cette publication !!!
    MERCI Olinda !

    GROSSES BISES d'Asie pour toi, et bonne journée !
    (^‿^)❀

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  4. Ontem estava a ler uma notícia e a pensar que, se é habitual dizer-se que precisamos de outro 25 de Abril, o que era preciso mesmo era outro 1º de Maio, com o retrocesso incrível que está a acontecer nos direitos dos trabalhadores!
    Beijinhos

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  5. Gostei de ler este seu texto. Eu também estive no Carmo.
    Mas com o actual Governo qualquer movimento do povo é ignorado...
    São cegos, surdos e mudos...E para eles o povo só conta para o "esmifrarem"...
    Bj.
    Irene Alves

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  6. E foi, Olinda, durante esse Prec que eu e a minha família nos vimos forçados a ir para o Brasil. Os desmandos da época assim o ditaram. Na multinacional onde trabalhava começaram os tumulto e os empregados a quererem tomar conta da fábrica. Um dia resolveram mesmo não deixar o patrão entrar no que era dele; nessa altura eu já tinha abalado. Para teres uma ideia, nessa época essa fábrica tinha um berçário onde as mães podiam ir para amamentarem os filhos. O patrão era o primeiro a chegar ao trabalho e o último a sair; trabalhava imenso e não merecia o que lhe fizeram. Eu era a sua secretária. e não podia atrasar um minuto, pois quando chegava ao emprego já ele tinha perguntado por mim várias vezes. Não tenho queixa e achava-o um patrão exemplar. Era Holandês e o que foi obrigado a fazer, foi largar tudo e voltar ao seu país. Escusado será dizer que a fábrica não se aguentou. Hoje vejo com tristeza um bloco de apartamentos no seu lugar. Quando se deu o 25 de Abril estudava no Porto a terminar o curso, mas a alegria dessa liberdade, para muitos, pouco depois se tornou em grande tristeza, pois não havia empregos, fábricas fecharam e o remédio foi deixar a Pátria. Para mim até foi bom, pois no Brasil a gente não se sente emigrante, pela lingua e também pela cultura que tem, como é normal muito da nossa, mas para muitos foi uma época igual à de agora, muito desemprego,e fome. Restou-nos o que de mais precioso essa data nos trouxe, a liberdade de expressão; essa, penso, ninguém nos tira. Bem...penso....certeza, não tenho nenhuma.
    Beijinhos, Olinda e muito obrigada pela bela exposição dos factos interessantíssimos da nossa história. Até sempre, amiga.
    Emília

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  7. Não estive no país e , portanto, não sei como correram as coisas embora visse umas imagens na televisão do hotel.

    Lamento muito que as gerações actuais , além de massacradas plo bando do Poder, não se preocupem como deveriam com política mo sentido mais nobre do termo...mas isso lhes cairá em cima e em cheio e , depois, talvez seja tarde demais.

    Querida Olinda, abraço fraterno

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  8. Gostava de partilhar deste entusiasmo.
    Beijo

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  9. O 25 de Abril institucional é um faz de conta...
    Prefiro o da rua, que é mais genuíno.
    Bom resto de semana, querida amiga Olinda.
    E bom feriado.
    Beijo.

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  10. Querida Olinda
    É lamentável que as espectativas relativamente ao 25 de Abril tenham ido, na sua maioria, por água abaixo! O que vivemos hoje em dia não corresponde ao que se esperava. Infelizmente, quem esteve, está e, provavelmente, estará, frente ao destino da nação, só olhou para o seu próprio umbigo... e cada vez se torna mais difícil "dar a volta".
    As pessoas estão muito fartas, é certo, mas ao mesmo tempo mostram-se amorfas, sem reacção... O pior será para os nossos filhos e netos, que irão sentir na pele as verdadeiras dificuldades, que ainda estão para vir...

    Minha querida, obrigada pelas tuas palavras, sempre tão carinhosas, na minha «CASA».
    BEM HAJAS!

    Um óptimo 1º.de Maio, e um excelente Dia da Mãe.
    Beijinhos

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  11. Não sei que dizer.....Hoje vai dar ao mesmo, quando mandam
    os jovens ir para fora.......Descaramento não falta.
    Bom 1º de Maio
    Beijo

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