quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Peregrinos da Eternidade

Os Cristãos rondam ao longo dos séculos as terras do califado de Córdova. Aguentam de quando em quando as expedições punitivas dos Muçulmanos, às quais ripostam sempre que podem. No começo, podem pouco. O Islão constitui por estes dias, na Hispânia como fora dela, uma civilização poderosa, refinada e culta, uma espécie de tesouro encerrado num escrutínio refulgente, que os resistentes contemplam como alcateias cobiçosas. Comparados com os inimigos, os Cristãos não passam, durante grande parte deste combate  multissecular, de seres bisonhos e grosseiros, quase todos iletrados, enfermos da sonolência intelectual que neles provoca a ignorância supersticiosa. Ao invés, no Al-Andaluz, em redor da estrela que é Córdova prosperam outras cidades magníficas, onde abundam as mesquitas e os palácios esplendorosos, onde se guarda e germina o saber em bibliotecas, universidades e salões literários, onde se edificam hospitais e banhos públicos, onde se rasgam passeios marginados de correntezas murmurantes e de verduras cheias de viço que estimulam o galope aventureiro das ideias e dos sentidos.



Não aconteceu sempre assim. Durante os avanços iniciais os Muçulmanos evidenciaram apenas uma cultura singela e prática - a dos seus desertos de origem. Mas à medida que progridem nas conquistas apropriam-se por toda a parte do que há de melhor e mais elaborado nos países que se lhes rendem. Descobrem saberes antigos - de egípcios, de sumérios, de fenícios, de hebreus. Apoderam-se de sapiências gregas, persas, indianas, chinesas, bizantinas. Saqueiam, pesquisam, compram, traduzem, estudam, difundem. Absorvem conhecimentos, transformam-nos e emprestam-lhes, como no Al-Andaluz, uma feição peculiar, inconfundível, que modelará para sempre o espaço e as pessoas. E o que passa a brilhar na Hispânia islâmica é uma civilização que se revê, orgulhosa, numa activíssima  multidão de filósofos e médicos, de matemáticos e físicos, de astrónomos e músicos, de historiadores e arquitectos, de geógrafos e químicos, de prosadores e, sobretudo, de talentosos poetas, que exaltam em palavras eternas a guerra santa, a natureza, a mulher, o amor, a vida.


Este é um excerto de 'Peregrinos da Eternidade', de José Bento Duarte, que aborda a História da Península Ibérica, na Idade Média, de uma forma quase romanceada mas, sem pecar em relação aos dados históricos. Nele ficamos a saber de muitos episódios que a História dita oficial não nos conta. Das intrigas entre as cortes dos reinos em presença, isto é, de Portugal, de Castela, de Aragão, e, concomitantemente, nas suas relações e alianças com a Inglaterra e França, bem como do seu envolvimento nas guerras da reconquista cristã. E, ainda, da própria maneira de ser dos monarcas, da sua ética ou falta dela.

Da presença dos árabes quase que não se ouve falar nos nossos dias. Nos dias do Califado de Córdova (929-1031), Al-Andaluz, ou seja, a Península Ibérica, beneficiou de momentos esplendorosos como, aliás, nos é referido acima. Com a entrada dos árabes na Ibéria em 711 e a sua permanência até 1492, ano em que se deu a queda do reino de Granada, compreendo até que ponto o enraízamento já se tinha instalado e vislumbro o sofrimento daqueles que se sentiam parte integrante da terra, situação que, como é natural, se arrastou no tempo. Em 'A Mão de Fátima', de Ildefonse Falcones, (li-o em tempos), que decorre já no Sec.XVI, vemos como o personagem principal se debate perante o dilema/conflito entre os cristãos e os muçulmanos. Que lado escolher se se traz nas veias e no íntimo a marca dos dois lados?

Cruzamento de culturas que faz de nós uns eternos peregrinos. 

  
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Em tempo:

Meus amigos

O meu agradecimento pela vossa presença e comentários sobre o tema, o que veio valorizar a intenção posta na feitura deste texto, com o valioso contributo dos autores acima citados.

De sublinhar, estas informações e impressões que a São nos trouxe:


Li o livro em castelhano e dediquei-lhe um post. Também gostei muito do primeiro livro dele, que foca a construção de Santa Maria del Mar, em Barcelona.

Parece impossível como se fala exclusivamente da expulsão dos judeus e se esquece que em três dias os mouros foram obrigados a deixar tudo para trás, embarcados para o Norte de África e lá abandonados.

Toda a Ibéria tem marcas árabes e Alhambra (em Granada) e a Mesquita de Córdoba são fascinantes e belíssimas.

Carlos V afirmou ser criminosa a intervenção cristã no templo e eu concordo plenamente.

A interioridade e a sobriedade da Mesquita são afrontadas pela sobrecarregada exuberância e exterioridade da igreja católica lá implantada.

No entanto, a delicadeza e a beleza dos palácios nazarís de Alhambra também têm que se confrontar com o pesado palácio , símbolo da sua soberba, que o mesmo imperador lá mandou construir com o imposto especial que lançou sobre os mouros. Felizmente teve o bom senso de não destruir nada.

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Abraços

Olinda

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Em caracteres pretos, excerto de:
Peregrinos da Eternidade (crónicas ibéricas medievais) - José Bento Duarte
Pgs 51 e 52
Ver considerações sobre 'A Mão de Fátima', em http://www.lendonasentrelinhas.com.br
Imagens:internet

9 comentários:

  1. Parece que é a sina dos portugueses,
    um continuar constante de peregrinação
    sempre em busca de algo.
    Desejo que esteja bem.
    Bj.
    Irene Alves

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  2. Peregrinos sim, rumo ao amor, aprendendo ainda,
    Conheço a mesquita de Córdoba/Espanha e é impressionante.

    Bjos

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  3. Conheço por dentro esta mesquita
    Excelente

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  4. OI OLINDA!
    ACHEI MUITO INTERESSANTE TEU POST, ENRIQUECIDO PELAS IMAGENS. GOSTO MUITO DA HISTÓRIA DOS PAÍSES, CADA UMA COM SUAS PARTICULARIDADES PRINCIPALMENTE POR HAVER SE DADO EM ÉPOCAS DAS QUAIS SÓ SABEMOS ATRAVÉS DOS LIVROS, MAS, FICO SEMPRE A PENSAR NO QUE IRIA NO CORAÇÃO DE QUEM LUTAVA POR SEU PAÍS, COLOCANDO SUA VIDA A SERVIÇO DE UM MONARCA PARA O QUAL NEM SEMPRE ESTAVAM EM PRIMEIRO LUGAR OS INTERESSES COLETIVOS, COMO, ALIÁS, AINDA HOJE ACONTECE.
    MUITO LEGAL TEU POST.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  5. A mesquita de Córdoba é uma jóia da arte árabe.
    Peregrinos somos todos nós. Cada um acredita no mesmo Deus mas com nomes diferentes.
    Precisamos de ser mais tolerantes e não andar a fazer guerras com as outras religiões.
    Deus é só um e pede-nos amor, respeito e tolerância.

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  6. Nesse antes de Natal agradeço todo carinho ,
    que recebi no decorrer desse ano.
    Não vou poder dar todas as garantias de estar
    aqui no próximo ano.
    POR ISSO QUERO VER SE CONSIGO CONVIVER O MAXIMO
    COM TODOS ,
    QUE DEDICOU SEU CARINHO , QUE POR MIM JAMAIS SERÁ ESQUECIDO.
    lOGO NO INICIO DO ANO TERÁ UMA COMEMORAÇÃO
    NO MEU BLOG.
    A MUITO TENHO PASSADO POR DIFÍCEIS MOMENTOS
    ACREDITE MESMO ASSIM FIZ DE TUDO
    PARA ESTAR PRESENTE PELO MENOS NAS POSTAGENS.
    HOJE VENHO TE ABRAÇAR TUDO ISSO SERÁ FEITO ATÉ
    A DATA DESSA COMEMORAÇÃO.
    QUERO , QUE SAIBA VOCÊ FOI E É IMPORTANTE DEMAIS PARA MIM.
    UM FINAL DE SEMANA
    NA PAZ E NA LUZ DE JESUS.
    VAMOS LUTAR POR UM MUNDO
    MELHOR NEM QUE SEJA EU E VOCÊ.
    CARINHOSAMENTE ,EVANIR.

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  7. Fiquei com vontade de ler o livro!
    Beijinhos ;)

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  8. Gostaria muito de ler o livro, vou tentar encontrá-lo no Brasil. A Mesquita de Córdoba só conheço por fora. Mas conheço muito de Granada, já passei um tempo lá, e para mim um dos grandes monumentos da cultura árabe, nesta cidade, é Alhambra, tanto durante o dia, como à noite.
    De fato, somos todos peregrinos.

    Beijo!

    ;))

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  9. Li o livro em castelhano e dediquei-lhe um post. Também gostei muito do primeiro livro dele , que foca a construção de Santa Maria del Mar, em Barcelona.

    Parece impossível como se fala exclusivamente da expulsão dos judeus e se esquece que em três dias os mouros foram obrigados a deixar tudo para trás, embarcados para o Norte de África e lá abandonados.

    Toda a Ibéria tem marcas árabes e Alhambra (em Granada) e a Mesquita de Córdoba são fascinantes e belíssimas.

    Carlos V afirmou ser criminosa a intervenção cristã no templo e eu concordo plenamente.

    A interioridade e a sobriedade da Mesquita são afrontadas pela sobrecarregada exuberância e exterioridade da igreja católica lá implantada.

    No entanto, a delicadeza e a beleza dos palácios nazarís de Alhambra também têm que se confrontar com o pesado palácio , símbolo da sua soberba, que o mesmo imperador lá mandou construir com o imposto especial que lançou sobre os mouros. Felizmente teve o bom senso de não destruir nada.


    Obrigada pelo post, amiga, e abraço grande

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