_Cortaram-te? - perguntou o homem.
_Não - disse ela. _Fui sempre assim.
Ele examinou-a de perto. Coçou a cabeça. Havia ali uma chaga aberta. Disse:
_Não comas iúca, nem graviolas, nem nenhuma fruta que se rache ao amanhecer. Curar-te-ei. Deita-te na rede e descansa.
Ela obedeceu. Com paciência tomou as mezinhas de ervas e deixou que lhe aplicassem as pomadas e os unguentos. Tinha de cerrar os dentes para não rir quando ele dizia:
_Não te preocupes.
O jogo agradava-lhe, se bem que começasse já a sentir-se cansada de viver sem comer e estendida numa rede. A lembrança das frutas fazia-lhe nascer água na boca.
Uma tarde, o homem chegou correndo através da floresta. Dava saltos de euforia e gritava:
_Encontrei-o! Encontrei-o!
Tinha acabado de ver o macaco cuidando da macaca na copa duma árvore.
_É assim - disse o homem, aproximando-se da mulher.
Quando terminou o demorado abraço, um aroma espesso, de flores e frutas, invadiu o ar. Dos corpos, que estavam deitados juntos, desprendiam-se vapores e fulgores nunca vistos, e era tal a sua formosura que morriam de vergonha os sóis e os deuses.
*
[59]Referência bibliográfica
D'Ans, André Marcel, La verdadera Biblia de los cashinahua, Lima, Mosca Azul, 1975
D'Ans, André Marcel, La verdadera Biblia de los cashinahua, Lima, Mosca Azul, 1975
in: Memória do Fogo I - Os Nascimentos,
De Eduardo Vale Ano, pgs 31-32
Numa Trilogia intitulada "Memória do Fogo", Eduardo Galeano procura devolver à história o alento, a liberdade e a palavra. Ao longo dos séculos, a América Latina não sofreu apenas o despojo do ouro e da prata, do nitrato e da borracha, do cobre e do petróleo: sofreu também a usurpação da memória.
Eu não sou historiador. Sou um escritor que quis contribuir para o resgate da memória sequestrada de toda a América, sobretudo da América Latina,...
quis conversar com ela, partilhar os seus segredos, perguntar-lhe de que diversos barros nasceu, de que actos de amor e de violação provém.
(...) p. 9
A explicação e visualização do mundo através de lendas e mitos desde a formação do continente, mas também do impacto dos conquistadores sobre os conquistados...
Um trabalho de investigação de grande fôlego.
*
Boa quarta-feira, meus amigos.
Abraços
Olinda
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Paisagem: Amazónia
Haja grande fôlego!
ResponderEliminarNão havia lido ainda o texto, mas o final dele é de realmente causar vexames a quem ama pela metade ou pouco:
"....o demorado abraço...
... estavam deitados juntos...
morriam de vergonha os sóis e os deuses"
A expressão do Amor é de causar, como disse acima com outras palavras, até inveja e outros...
Ele é delírio extasiante.
É fruta fresca com mel...
Não deveria ser prepotente dominação...
Olá, querida amiga Olinda!
Um post e tanto... parabéns pela abordagem do tema. Gosto de sentir o que leio, Amiga.
O Amor é infinito em palavras e definições bem como em sentidos.
Tenha dias abençoados e amorosos junto aos seus!
Beijinhos
Hermoso relato. Te mando un beso.
ResponderEliminarDescobrir a natureza pela própria natureza é um ato libertador de tocante humanidade.
ResponderEliminarAbraço telúrico.
Juvenal Nunes
Um conto divertido. Parabéns
ResponderEliminarCumprimentos poéticos
Muito interessante, Olinda. Pensando bem, o primeiro homem e a primeira mulher tiveram de aprender de alguma forma o " acto amoroso " e nada melhor do que através dos macacos de onde, creio eu, evoluimos. Pena que não tenhamos também seguido o exemplo deles no que respeita à convivência em sociedade; não consta que alguma vez eles tivessem provocado guerras e " matado por nada " infelizmente, mesmo hoje, os povos da selva amazónica são despojados de tudo e estão a ser dizimados pela ambição do homem ; já não são os colonizadores de outros tempos que os despojaram do ouro e outros materiais preciosos, mas podemos considerar que são usurpadores tantas vezes terriveis que matam muitos dos que tentam proteger esses povos e essa floresta tão necessária ao planeta. É certo que o povo também precisa de explorar as riquezas lá existentes, mas na justa medida, com equilibrio, para que as comunidades que deram origem à América do Sul feita de um povo " nascido de diversos barros ", continuem nas suas terras, trabalhando-a de maneira sustentável, ao mesmo tempo que protegem esse paraíso que é a Amazónia. Tiraram-lhes tudo e deram-lhes as doenças que antes nunca tiveram e que estão a acabar com eles. Gostei muito deste post e, como sempre digo, saio daqui mais sábia. Obrigada, querida Amiga e os meus votos de boa disposição e saúde para todos. Beijinhos
ResponderEliminarEmilia
Belo texto de Galeano! Linda leitura! beijos, ótimo dia! chica
ResponderEliminarReparem logo para onde o homem olhou, rsrssr
ResponderEliminarSerá que reparou que a rapariga não tinha barba (no rosto) como ele?
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Quarta feira com Saúde, Paz, e Amor.
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Boa tarde. Que publicação tão interessante e que curioso o texto reproduzido. Muito obrigado.
ResponderEliminarUm abraço.
O conto é interessante , melhor ainda é o uruguaio Eduardo Galeano com sua boa literatura e sua anáilse ética e a histórica dos 'nascimentos' do mundo. Quando queremos delirar um pouquinho e falarmos num mundo possível citamos a 'utopia Galeano' e seus muitos livros tipo 'As veias abertas da América Latina'. Obrigada,Olívia pela ótima publicação que nos faz voltar ao tempo e praticar saudavelmente a tal utopia de Galeano.
ResponderEliminarUm abraço e boa semana
Foi um prazer ler "O AMOR" com um cunho virginal.
ResponderEliminarMuito grata , querida Olinda.
Um beijo.
Muito obrigado Olinda por este momento.
ResponderEliminarMomento de amor, de inclusão, de partilha e aprendizagem.
Deixo meu kandando e vou mais enriquecido.