sem sofrimento, com o morto sorriso do homem
que compreendeu. Também o sol se move longínquo
avermelhando as praias. Virá o dia em que o deus
já não saberá onde eram as praias de outrora.
Acorda-se uma manhã em que o Verão morreu,
e nos olhos tumultuam ainda esplendores
como ontem e no ouvido os fragores do sol
feito sangue. A cor do mundo mudou.
A montanha já não toca o céu; as nuvens
já não se amontoam como frutos; na água
já não transparece um seixo. O corpo dum homem
curva-se pensativo onde um deus respirava.
O grande sol acabou, e o cheiro da terra
e a rua livre, colorida de gente
que ignorava a morte. Não se morre de Verão.
Se alguém desaparecia, havia o jovem deus
que vivia por todos e ignorava a morte.
Nele a tristeza era uma sombra de nuvens.
O seu passo pasmava a terra.
Agora pesa
o cansaço sobre todos os membros do homem,
sem sofrimento: o calmo cansaço da madrugada
que abre um dia de chuva. As praias sombreadas
não conhecem o jovem a quem outrora bastava
que as olhasse. Nem o mar do ar revive
na respiração. Cerram-se os lábios do homem
resignados, para sorrir frente à terra.
Cesare Pavese,
que compreendeu. Também o sol se move longínquo
avermelhando as praias. Virá o dia em que o deus
já não saberá onde eram as praias de outrora.
Acorda-se uma manhã em que o Verão morreu,
e nos olhos tumultuam ainda esplendores
como ontem e no ouvido os fragores do sol
feito sangue. A cor do mundo mudou.
A montanha já não toca o céu; as nuvens
já não se amontoam como frutos; na água
já não transparece um seixo. O corpo dum homem
curva-se pensativo onde um deus respirava.
O grande sol acabou, e o cheiro da terra
e a rua livre, colorida de gente
que ignorava a morte. Não se morre de Verão.
Se alguém desaparecia, havia o jovem deus
que vivia por todos e ignorava a morte.
Nele a tristeza era uma sombra de nuvens.
O seu passo pasmava a terra.
Agora pesa
o cansaço sobre todos os membros do homem,
sem sofrimento: o calmo cansaço da madrugada
que abre um dia de chuva. As praias sombreadas
não conhecem o jovem a quem outrora bastava
que as olhasse. Nem o mar do ar revive
na respiração. Cerram-se os lábios do homem
resignados, para sorrir frente à terra.
Cesare Pavese,
(1908-1950)
Combatente antifascista, o que lhe valeu três anos de prisão no sul da Itália. Nessa época, iniciou o seu diário "O Ofício de Viver", título original "Il Mestiere di Vivere", uma autocritica revelada em reflexões sobre a sua arte, seus processos criativos e sobre o sentido da existência. mais
Cesare não terá encontrado as respostas que almejava e a vontade de "sorrir frente à terra" não terá sido suficiente. Suicidou-se em 1950.
Mas aproveitemos a alegria e o convite de Luís Miguel
e rumemos ao Sul
para uns dias descontraídos, ao Sol.
Abraços.
=====
Poema: Citador
in 'Trabalhar Cansa'
Tradução de Carlos Leite
Tradução de Carlos Leite
Linda poesia e triste fim do poeta! Ótimo domingo! bjs, chica
ResponderEliminarObrigada, Chica, pela visita e comentário.
EliminarBom resto de semana.
Beijo
Olinda
Poeticamente sublime de ler.
ResponderEliminar.
Um domingo feliz
Abraço
Tem razão, Ricardo.
EliminarDe ler e reler. Encontramos, em cada verso,
motivo de reflexão.
Abraço
Olinda
Pavese, uno de los artistas más brillante de su generación. Siempre lúcido, supo definirse cabalmente: “Mi parte pública la he hecho (lo que podía). He trabajado, he dado poesía a los hombres, he compartido las penas de muchos.”
ResponderEliminarSaludos.
Olá, Tristán
EliminarDe conformidade com as suas escolhas, Pavese soube definir-se cabalmente, o que se pode ver pela citação que nos trouxe e que veio enriquecer este post.
Grata pelo seu comentário.
Abraço
Olinda
Uma pena o final da vida do poeta. Obrigada pela partilha, gosto muito da mensagem que o poema me transmite. E, leva a pensar na possibilidade do contrário, do homem redescobrir o deus dentro de si. :) Beijinhos, uma excelente semana!
ResponderEliminarOlá, Raquel
EliminarSeres complexos que somos e mesmo demonstrando clarividência, nem sempre ela é suficiente para nos livrar dos nossos fantasmas.
Adorei o seu comentário.
Bom resto de semana.
Beijo
Olinda
Gostei de encontrar aqui Cesare Pavese, poeta que tanto admiro.
ResponderEliminarEste começo tem tanto de belo como de utópico: "Virá o dia em que o jovem deus será um homem, sem sofrimento, com o morto sorriso do homem que compreendeu."
E como estávamos a precisar agora que isso acontecesse na realidade não no mito. Como precisamos da "rua livre, colorida de gente que ignorava a morte".
Há poetas assim que têm a lucidez de ver mais à frente...
Uma boa semana com muita saúde, minha Amiga Olinda.
Um beijo.
Querida Graça
EliminarBelo e utópico, sim. Como os todos os mitos, traz a carga simbólica do maravilhoso e do que se desejaria que acontecesse e que, ao mesmo tempo, parece inatingível.
Obrigada pelo belo comentário, minha querida amiga.
Beijo
Olinda
Os versos trazem um inconformismo digno de aplausos. Uma luta com sentido, dada sua vivência. Do outro lado, você nos trouxe Luís Miguel, em vídeo encantador. Bjs.
ResponderEliminarQuerida Marilene
EliminarDiz bem. Um inconformismo interventivo de que nos dá conta a própria vida do Poeta.
"Luís Miguel", um cantor que encantou gerações.
Beijo
Olinda
"O corpo dum homem
ResponderEliminarcurva-se pensativo onde um deus respirava..."
talvez a História seja um desfile de mitos
talvez, sem mitos, a vida humana seja insuportável
talvez nunca nos resignemos perante os mitos que morreram
talvez...
a questão, porém, é quando se lhes descobrem os pés de barro
ou quando se degradam em "pequenos deuses caseiros"
de que fala Sidónio Muralha num poema conhecido...
gostei muito, Olinda, de encontrar Pavese neste espaço
de cultura e bom gosto...
Boas Férias.
"Pequenos deuses caseiros", grande Poema.
EliminarE a interpretação musicada de Manuel Freire, imperdível.
Grata por recordar, aqui, Sidónio Muralha.
Abraço.
Olinda
Uma poesia tão bonita Olinda.
ResponderEliminarQue triste o fim desse poeta.
Um ótimo mês de setembro pra você minha amiga.
Um beijo!
Olá, querida Smareis
EliminarContente por vê-la aqui.
Também lhe desejo dias aprazíveis.
Beijo
Olinda
Boa tarde de muita paz, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarTenho sentido sua falta. Está tudo bem, amiga?
"O grande sol acabou, e o cheiro da terra
e a rua livre, colorida de gente
que ignorava a morte. "
Parece a realidade de muitos que ignoram a Pandemia.
Tenha dias abençoados!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem
Querida Rosélia
EliminarEstive uns dias de férias. Pouquinhos. :)
Tem razão minha amiga. A Pandemia aí está,
não foi vencida ainda, embora muitos, pelo seu
comportamento descuidado, dêem a ideia que
sim.
Bom resto de semana.
Beijo
Olinda
Comecei por vibrar com o vídeo. Quem se esquece?
ResponderEliminarE o poema de Pavese absorve-nos, como se cada verso "pasmasse a terra". Desmonta os deslumbramentos e sucumbe perante a adversidade. É um poeta de assombros, que belisca "nossa vã filosofia".
Gostei imenso, mas a tragédia entristece.
Beijos e saúde, querida amiga Olinda.
Querida Teresa
EliminarEncontro no seu comentário a essência das palavras deste Poeta que, na verdade, nos assombra com a sua lucidez eivada de uma fragilidade que sentimos nossa.
É bem verdade:
"A cor do mundo mudou.
A montanha já não toca o céu; as nuvens
já não se amontoam como frutos; na água
já não transparece um seixo."
E essa mudança não é de agora. A cada geração pasmamo-nos perante as transformações que se operam no mundo e nas nossas percepções.
Bom fim de semana, minha amiga.
Beijinhos
Olinda
Este trabalho de Cesare Pavese deixa transparecer a imagem do HOMEM pleno de convicções e dos sentimentos que as suportam. Uma delícia para a actualidade que não está distante e"[...] Virá o dia em que o jovem deus será um homem [...]".
ResponderEliminarBeijo
SOL
Olá, Sol da Esteva
EliminarSim, convicções que envolvem a própria vida. E mesmo assim chegou o momento em que elas não foram esteio suficiente para segurá-la. Complexidades do ser humano.
Grata pela presença e comentário, meu amigo.
Abraço
Olinda
Este poema de Cesare Pavese, afigura-se como um presságio.
ResponderEliminarNa verdade o Mundo, o Homem, vem-se transformando num labirinto desvairado de uma consciência louca com sede de paz e tranquilidade. E esta ideia atravessa de forma transversal todo o poema!
Virá um jovem deus?
Um abraço Olinda e bom descanso!
A.S.
Virá um jovem deus? Pertinente questão, caro A.S.
EliminarÉ realmente uma esperança que acalentamos no nosso íntimo. Mas, se por um lado nada fazemos, muitas vezes, para tentar resolver problemas sociais e políticos que nos assoberbam, por outro desejamos a vinda de um salvador que facilite a nossa caminhada neste mundo.
Grata pelo excelente comentário, meu amigo.
Abraço
Olinda
O poema transcrito revela a presença constante da morte, que parece ser uma obsessão para o autor. Quando o grande sol acaba, acaba, inevitavelmente, a vida humana.
ResponderEliminarJuvenal Nunes
Olá, Juvenal
EliminarExcelente comentário que eu muito agradeço.
Abraço
Olinda