terça-feira, 24 de novembro de 2015

Coisas da vida

Hoje pretendia gizar uma pequena reflexão sobre a direita e a esquerda, a sua origem e evolução, se para isso me bafejassem o engenho e a arte. Mas, aconteceu uma coisa que me perturbou bastante, numa das minhas ocupações.



A meio de uma reunião, quando decorria o coffee break, o senhor José, de 80 anos, dirigiu-se-me e disse: Esta data, 24, é penosa para mim. Nem queria sair de casa e depois pensei que, talvez, aqui, ouvindo as pessoas e falando eu também, possa, não esquecer porque é impossível, ter porventura uns momentos menos dolorosos. Sabe? À noite é mais difícil. Dou voltas e mais voltas na cama, acabando por me levantar por já não poder mais, com a cabeça a estalar, com alfinetadas no coração. Há quatro meses faleceu-me um filho, de doença grave, no meio do maior sofrimento. Nós, a minha mulher e eu muitas vezes rogámos a Deus para que passasse aquele sofrimento para nós, e nos levasse. Ele tinha 51 anos. Não é normal um pai enterrar o próprio filho. É contra-natura. Temos outro filho. Ele tem 39 anos. Ele é casado. Tem 2 filhos. Mas, reside na Austrália. Falamos com ele todos os dias, mas sentimos a sua falta. Gostaríamos de poder ver os nossos netos a crescer, ter reuniões de família, nas festas, em especial no Natal. Nem sempre é possível eles estarem presentes.

O senhor José é bastante participativo mas comedido, não dizendo mais do aquilo que deve dizer. Por isso, fiquei admiradíssima quando ele começou a falar comigo, mormente, sobre este assunto. Mal consigo avaliar a dor que lhe vai no peito, de magnitude tal que o levou a desabafar com uma quase estranha, desabafo que recolhi no meu coração. Perder um filho é das maiores provações que a vida nos pode reservar. Senti-me tão incapaz perante essa dor, sem forças nem palavras para o consolar. E admirei a sua coragem, a coragem de continuar, procurando não soçobrar perante essa desdita.

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Nota:O nome é fictício mas o que aqui fica escrito é real, um dos momentos mais emotivos que já vivi. E aconteceu hoje. 

Imagem:Pixabay  

10 comentários:

  1. Dez anos atrás, vivi esse problema na família quando morreu um primo com 30 anos de cancro na cabeça. O meu tio nunca recuperou dessa dor, até à sua morte seis anos depois.
    Um abraço

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  2. Olinda, que tristeza grande a que aqui descreve. Uma vez morreu aos cinquenta e poucos um colega meu que era uma alegria, uma força da natureza. Não conseguíamos perceber uma coisa assim. Quando fui à capela, não entrei, fiquei à porta. A capela estava cheia. De repente ouvi um choro, quase pareciam urros. Olhei e, de susto, recuei. Ao lado do senhor de mais idade estava um homem mais jovem igual ao meu colega quando tinha uns anos a menos. Um amigo que estava comigo disse-me: 'Não te avisei. O filho é igual a ele'. Fiquei impressionada. Mas, sobretudo, fiquei numa tristeza incrível porque o senhor, com a voz presa mas a querer gritar dizia: 'Porque não morri eu? Um filho não devia morrer antes do pai. Porque é que ele me morreu?'. Até hoje os gritos roucos e presos do senhor não me saem da cabeça. Dor maior não pode haver.

    Um abraço, Olinda. Percebo muito bem que se sinta impressionada.

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  3. Olá Olinda,
    Tanta tristeza. Tanto amor. Tanta dor.
    Obrigada pelo abanão. Estava a precisar dele.
    Abraço.

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  4. Bom dia, só quem passa passa pela dor como a do SR. José sabe dar o devido valor, nunca passei por uma situação coma do Sr. José, mas posso calcular o grande sofrimento.
    AG

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  5. Olá Olinda
    Quanta dor deve sentir um pai ao sepultar um filho.
    Passamos por muitas perdas mas é muito difícil encontrar palavras para confortar um coração sangrando pela dor da perda. E você querida foi a escolhida para partilhar junto daquele coração o grande sofrimento do Sr José. Deus operando aquele momento de interação e confiança
    Um grande beijo querida

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  6. A morte de um filho é a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa. Porque, como diz o seu amigo, é contranatura.
    Espero que ele morra apenas depois dos 130 anos e que o outro filho não morra antes. Sei que é difícil, mas merecia morrer muito mais tarde que o normal.
    Olinda, tenha um bom fim de semana.
    Abraço.

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  7. ~ ~ ~
    ~~ Sinto muito, pelo senhor.
    ~ Sim, deve ser a dor mais atroz...
    Ainda bem que a teve para o escutar.
    A vida não devia ser complicada para
    ~~ quem dela se anda a despedir...

    - Fez muito bem desabafar conosco.
    ~ Momentos de leitura muito belos...

    ~~~ Beijinhos amigos, ~~~~~~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  8. A dor da perda é muito forte. Por mais que se reconheça o sofrimento vivido por quem parte, o conforto não chega. O desabafo dele, certamente, lhe fez bem. Só mesmo com fé é que se
    pode entender os desígnios divinos. Bjs.

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  9. Dolorosíssimo, nem quero pensar, sobretudo numa idade dessas!
    A presença da Olinda naquele momento em que precisava de falar, e o seu contacto regular e agradável, o perguntar como está, um sorriso, já o vai ajudar de alguma forma :)
    Beijinhos

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