quinta-feira, 3 de abril de 2014

Ninguém esperava por mim




Pátria, lugar imaginário onde habitam os estrangeiros. A luz da madrugada, num dia de Outono, pôs diante do olhar a realidade: casas, ruas, os táxis cruzando nas rotundas. Num café, depois, envolve o espírito a consciência do reencontro. O passado e o presente fundem-se no coração e uma alegria infantil invade o corpo do exilado. As cores do país. Vistas da janela do autocarro que corre pelas planícies. O ocre das casas ficou para trás. O ouvido, atento, ávido de palavras (as conversas dos companheiros de viagem). O desejo de falar começa a perturbar a tranquilidade sonolenta do viajante, aquele que depois de longa ausência voltou ao país. O que é um país, além de ser a terra matinal fumegando, além de ser a meta única, o ponto de regresso de todas as fugas? O alarido das ruas da cidade, uma música reconhecida. Não era disso que nos lembrávamos. Voltar aos caminhos antigos traz a emoção inesperada. Ninguém esperava por mim. Sozinho fui devagar, um sorriso inocente brilhava nos meus lábios. Muitas vezes, depois, percorri, entre as colinas, as estradas que levam de cidade a cidade. E por momentos, na divagação dos pensamentos, apareciam os rostos esquecidos, a memória dos mortos, as perguntas. Por que partimos senão para conhecer a ácida alegria do retorno ao país da infância, imaginário? Ninguém esperava por nós, além da mãe que nervosamente ouvia os passos na areia do caminho repetidas vezes, muito tempo antes da nossa chegada. Como a um estranho invade-nos a antiga paisagem da vida. Sentimentos, surpresas. Perplexos, não sabemos que dizer; nem o que sentimos pode ser explicado. Depois adormecemos de cansaço na cama antiga, com um sorriso na boca serena, como se tivéssemos encontrado a paz da morte.


In: 'Nunca mais se apagam as imagens' pg 151, Fenda Edições, Lda.


O título deste excerto é, na verdade, 'Ninguém esperava'. Tomei a liberdade de completá-lo baseando-me numa das suas passagens.



Compõem este livro as seguintes partes: 'Entre Árvores e Casas', 'Cimos Brancos, Cimos Áridos', 'Bilhetes Postais', 'Longe de Casa' e 'Com uma Chávena de Chá na Mão'. 

Retirei o texto acima transcrito de 'Longe de Casa'.

Em nota prévia o autor diz-nos: Dos cinco livros que constituem este volume, o primeiro, Entre Árvores e Casas, foi publicado anteriormente com o título O T de TU (Edições Fenda, Coimbra, 1981); introduzi ligeiras modificações nesta reedição. Os outros quatro livros são inéditos, embora alguns dos poemas que os compõem tenham já sido antes publicados em revistas.

Imagem do autor :
Sons da Escrita em 'Primeiro Programa do Ciclo João Camilo (15 de Fevereiro de 2008) 

8 comentários:

  1. ✿•̃‿•̃✿

    Coucou et merci pour ce beau partage Olinda !
    GROS BISOUS d'Asie

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  2. Um texto encantador. Senti-me viajante e também residente.
    As viagens acontecem nos que partem e nos que regressam.
    Uma leitura muito agradável.

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  3. Resumindo o lindo texto : Ninguém apaga a SAUDADE!

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  4. Muito bom!
    Quando penso se o nacionalismo fará algum sentido, penso exactamente no sentido deste texto!
    Beijinhos
    P.S. Espero que aquilo tenha saído bem ;)

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  5. O texto que escolheu é transparente nos sentimentos que envolvem um retorno à Pátria. Por mais que se sofra por ou em um país, ele sempre morará em nossos corações. Bjs.

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  6. Um texto de um "ex exilado", é sempre um texto verdadeiro e triste. Este, além de verdadeiro e triste também é belo. Conheci alguns exilados: ficam "marcados" para sempre, em seus sentimentos, o que nos comovem quando lemos os seus escritos, como esse, de João Camilo, que você compartilha conosco, querida Emília.
    Tenha um ótimo domingo,amiga.
    Um beijo,
    da Lúcia.

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  7. Querida Olinda,
    uma excelente partilha. Ando com vontade de o ler há tempos...

    Beijinho e uma boa semana

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  8. Querida Olinda, obrigada por me dar a conhecer alguém que me despertou interesse de o conhecer melhor.

    Bem haja!

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