quarta-feira, 16 de abril de 2014

A poesia é uma forma de resistência? Sempre, por definição? Ou apenas em determinados contextos - sociais, políticos, culturais? Como pode a poesia resistir e a quê?

Estas perguntas foram colocadas num inquérito a poetas do Brasil, Espanha e Portugal. Do nosso lado são 23 os inquiridos, com muitos nomes sonoros, já conhecidos nossos: 

A.M.Pires Cabral; Adília Lopes; Alberto Pimenta; Armando Silva Carvalho; Daniel Jonas; Diogo Vaz Pinto; Fernando Guimarães; Fernando Pinto do Amaral; Gastão Cruz; Herberto Helder; Inês Lourenço; José Luís Barreto Guimarães; José Emílio-Nelson; José Miguel Silva; José Tolentino Mendonça; Luís Quintais; Manuel António Pina; Manuel de Freitas; Manuel Gusmão; Margarida Vale de Gato; Nuno Júdice; Rui Lage; Vasco Graça Moura.

De entre as respostas escolho a de Armando da Silva Carvalho por um motivo: ele vai buscar Bernardo Soares para documentar o seu discurso, o qual, por sua vez, inspirou um trabalho intitulado, "O Riso Agudo dos Cínicos": Desassossego e Ironia, em Armando Silva Carvalho, da autoria de Joana Matos Frias, Universidade do Porto, em que a autora, a partir de uma reflexão sobre a resposta do poeta à questão “A poesia é uma forma de resistência?” e sobre o seu dictum “O texto não faz nem refaz o mundo”, procura reconstituir na sua obra poética, desde o inaugural Lírica Consumível (1965), os princípios elementares que presidem ao exercício da “expressão desassossegada”, da retórica da ironia e da textualidade paródica que têm singularizado o discurso do poeta no panorama da literatura portuguesa contemporânea.

Da resposta ao inquérito, de Armando da Silva Carvalho, deixo aqui este excerto: 


A RESISTÊNCIA COM BERNARDO SOARES

(...)

A vossa pergunta optou por relativizar a resistência: ela será mais uma atitude a concorrer no trabalho poético. Ou seja, os contextos e a sua diversidade podem levar o autor ( por razões de ética, civismo, ou simplesmente cultura) a subordinar-se a um valor suposta e temporariamente mais alto: a resistência.

E no entanto, o menos que me posso pedir enquanto faço versos, me atolo no magma verbal ou nos dias que escorrem por mim e à minha frente, é que não me faltem aquelas das palavras que sempre me acompanharam na expressão desassossegada da escrita e provocada pela experiência do ser e do existir, pela visão absurda do meu mundo, dos outros, de todos; pela partilha do mal pela ausência do bem, do justo pelo injusto (sem nunca chegar a saber, no fundo, dos dois, afinal o quem é quem no texto), pela impotência frente ao terror, à carnificina, à estupidez imposta a nível mundial e tantos outros lugares cativos e sabidos neste palco global, nesta corrida cada vez mais acelerada a caminho da catástrofe.
    
 E tudo, enquanto vou ficando cada vez mais a sós comigo, guiado pela intuição, essa bússola nos descampados da alma, no dizer de Bernardo Soares, um dos auto-demitidos da vida e que cultivava o ódio à acção como uma flor de estufa.

E é disto, da consciência disto, que surge a resistência, que não tem tempos mortos, nem ocasiões propícias. E talvez com ela surja, como hipótese, a sempre desejada beleza do texto, no seu suposto, frágil, absoluto.

Mas como pode resistir o pobre do poema?

Pela simples razão da sua existência. Não tem outros alicerces. Existência igual a resistência. Se isso, além de se traduzir numa convulsão, inovação, seja o que for, em termos textuais, ganhar também peso na balança da realidade social, da política, do mundo, será já outra história acumulada. Um conjunto de palavras não é nenhuma bomba, o mais que pode ser é um panfleto, um manifesto, uma denúncia, e isto em casos extremos de inflamação contestatária. O pobre do poema, o meu, sempre desconfiou dos travestimentos da fuga em direcção ao nada. Se acaso o deixarem ainda circular, e mais dia menos dia possivelmente não deixam, ele na sua mesquinha, ridícula expressão de singularidade ameaçada, afirmará que resiste contra a sua própria negação. Que no fundo não é mais que a negação da liberdade e da vida.

Porque a história da poesia foi sempre o resistir. Em primeiro lugar, ao próprio acto conformado de resistir textualmente. Depois, ao de resistir ao pai, à mãe, à pátria, ao ferro de engomar padronizado das formas, conteúdos e teorias. O de resistir ao poder da palavra que rebaixa e aprisiona. O de resistir ao definitivo reino do consumismo global, não já ao das coisas, mas também o das almas, do espírito, da singularidade do ser. O de resistir às mais sofisticadas redes de repescar o que vai da mente até aos corpos: o tutano dessa viva e desalterada criatura que é o homem, em processo inexorável de desnaturação. 

E para terminar, peço aos jovens, que passais os dias de hoje a poetar, que olheis essa aventura ou gesta do grande capital contemporâneo. Nunca o sinistro económico se alçou tão despudoramente soberano sobre as nossas cabeças: novas, velhas, pobres, remediadas, mais ou menos inocentes. Aí, nessa aventura, por certo original na forma de destruir economias, países e pessoas, podeis descobrir a epopeia que falta aos tempos do presente mundial. De que estais (estamos) à espera?   

Peniche, Janeiro de 2012


****

Igualmente interessantes são as respostas dos outros poetas. Assim, convido-vos, meus amigos, a acederem ao link associado à palavra inquérito no início do presente post. Creio que gostarão de entrar nesse universo mental, privilegiado, que é o da criação poética e a sua incidência no mundo real, no que a estes poetas diz respeito.

Para provocar a vossa curiosidade insiro aqui estas palavras de Manuel António Pina, entretanto falecido:

(...)


"Como pode resistir a poesia?", pergunta-se: dizendo, por exemplo, coisas como "a Terra é azul como uma laranja", "os pássaros são os primeiros pensamentos da manhã", "a filha da manhã, Aurora de róseos dedos", "tapeçaria de homens" (uma batalha), etc.. "E a quê?": ao jornalismo, à televisão, à publicidade, ao linguajar da prosa de entretenimento e a todos os tipos de linguajares e idiolectos que parasitam e empobrecem a língua: o politiquês, o economês, o eduquês, a língua de pau do Direito e das ciências sociais, a língua de manteiga dos negócios e da diplomacia, concebida para enganar, e por aí adiante.


Assim sucedendo, a poesia já é forma de resistência "política" e "social".

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17 comentários:

  1. (^‿^)❀

    Coucou et MERCI pour ce beau partage chère Olinda !
    SUPERBE !

    GROSSES BISES D'ASIE
    bonne journée

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  2. Gostei de ler as respostas.
    Muito interessantes mesmo.
    Obrigado pela partilha.
    Olinda, querida amiga, tem uma boa Páscoa.
    Beijo.

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  3. Excelente post este seu, minha amiga. Sim, a poesia muita vez foi uma forma de
    resistência e ainda hoje o é. Vou ler, noutro momento com mais calma este seu post,
    porque agora não estou com muito tempo. Mas fá-lo-ei.
    Amiga desejo a si e sua Família a melhor Páscoa possível.
    Um beijinho
    Irene Alves

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  4. Cá, hoje em dia, parece já não ser necessário resistir. A maioria, como sempre, vai na ondulação da corrente. Os outros, quase sempre e como sempre, são praticamente afogados pela onda!
    Beijinhos, boa Páscoa ;)

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  5. A poesia não quer salvar o mundo

    só ajudar

    ...e já é tanto

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  6. Olá.

    Passeando por aqui, para desejar-te um período Pascal com: alegria, saúde paz, e muita reflexão.
    A Família, continua e continuará, sendo a sustentação deste grande arco humano, que chamamos de relacionamentos.
    Um abraço fraterno.

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  7. Penso que sim, tal como, por exemplo, a música e o teatro.
    Beijinhos e feliz Páscoa!

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  8. A poesia é uma forma de resistir como um olhar, um gesto, um silêncio também o podem ser...

    Minha querida amiga, que a sua Páscoa seja radiosa e feliz, junto aos seus

    Abraço grande

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  9. Como sempre, querida Olinda, uma edição rigorosa e atenta. É bom visitar a qualidade.

    A poesia é essa voz humana que buscará sempre o justo, o bom e o belo.

    Beijo grande

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  10. Mas este post dava para uma enorme mesa redonda ! Maravilhoso! E este debater de ideias e já em si a importância da poesia na resistência , no inconformismo, da injustiça .
    Boa Páscoa Olinda
    Bjis

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  11. Ela é um caminho de beleza percorrido com diferentes propostas. Há aqueles que nela encontram a possibilidade de se insurgir contra tudo que assola a humanidade. E mesmo que os anos passem, essas palavras ficam gravadas. São um estímulo à busca de providências, razão de várias ocorrências de censura, tatuadas na história. Uma postagem que muito me agradou.
    Desejo-lhe uma adocicada e iluminada Páscoa. Bjs.

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  12. Páscoa é dizer sim ao amor e a vida.
    É investir na fraternidade,
    é lutar por um mundo melhor,
    é vivenciar a solidariedade.
    Que a alegria da Páscoa invada o
    eu coração e o daqueles a quem ama,
    irradiando luz para iluminar e fazer
    brilhar o mundo em que vivemos,
    enchendo-o de amor, saúde e paz.
    Espero que fique em nossos corações,
    para sempre, as marcas da nossa.
    Amizade.
    Um beijo carinhoso ,
    Evanir..

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  13. Sempre. Denunciando. Só ao amor é que ele renuncia a resistir. Porque o Amor é, em si, a mais completa, profunda, subversiva e radical forma de resistência. ;-)

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  14. Minha querida

    Hoje passando para desejar uma Feliz Páscoa , plena de amor e paz, junto de todos que te são queridos.

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

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  15. (^‿^)❀

    MERCI pour ta gentille visite sur mon petit blog chère Olinda

    GROS BISOUS d'ASIE vers le Portugal
    Joyeuses fêtes de Pâques !

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  16. Vim à procura de mais...
    Olinda, querida amiga, espero que a tua Páscoa tenha sido muito boa.
    Uma óptima semana.
    Beijo.

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  17. Querida Olinda, muito teria a dizer sobre o que vi aqui, mas,não posso demorar-me, com grande pena minha. Desde o dia 16 que tenho aqui 2 casais do Brasil e todos os dias saio de manhã e volto à noite, pois ando a mostra-lhes Portugal. Eles andam encantados, pois mostramos-lhes aquilo que em geral os turistas não vêem, as nossas ladeia, o nosso Douro etc, etc. Eles andam fascinados e eu muito feliz por poder-lhes mostrar a beleza que o nosso país tem. Sei que entendes e sei também que sabes, que, se não venho aqui é porque não posso mesmo. Espero que estejas bem e que o espírito da Páscoa continue em cada dia da tua vida. Um beijinho carinhoso
    Emília

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