segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Eis-me aqui

Estou aqui
a contar-te dos caminhos que percorro
velhos estreitos esventrados
caminhos de sulcos e de cabras onde
nossos avós colheram pão de côdea dura
estou aqui
a contar-te dos cheiros doces e acres
dos frutos tropicais
cheiros que se foram confundindo no sangue
que se afundou em docas e mares mas emergiu
mais vermelho que o chão da nossa terra
estou aqui inteira viva irrequieta como pássaro
que acasala no equilíbrio de um ramo
e como tu quero ferir meus pés
no lençol de pedras que atapeta o ôbô
inundar de algas azuis o corpo reflectido
no espelho das calemas
estou aqui para escutar o vento no zinco dos casebres
e exorcisar os medos que vagueiam na linguagem do povo

estou aqui como tu
borboleta tricolor que pousa no eco das muralhas
e morre a ouvir histórias de um país calcinado.


Olinda Beja

Nasceu em Guadalupe – S. Tomé e Príncipe. Criança ainda deixou as ilhas e passou a viver do outro lado do mar, em terras frias da Beira Alta. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos de Português-Francês, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui o Diploma Superior de Hautes Études da Alliance Française. Para além de escritora, Olinda Beja é professora do ensino secundário, bolseira do Centro Nacional de Cultura, Comendadora dos Países Irmãos Brasil-S.Tomé e Príncipe; contadora de estórias, dinamizadora cultural. Ler mais aqui


Começar o dia com "Semba no Pé"!
 Magnífica proposta de Matias Damásio. 
Música, ritmo e promessas...

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Poema: daqui
Pesquise no Xaile de Seda : Olinda Beja

10 comentários:

  1. Bom dia. Também estou aqui

    Um deleite de maravilha este poema. Muito bonito
    .
    Feliz inicio de semana.

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  2. Estou aqui, a ler o poema de Olinda Bela, a colher o pão de côdea dura, a reter os sabores e os cheiros, "e exorcizar os medos que vagueiam na linguagem do povo" Magnífico poema, minha Amiga Olinda. E como foi bom ouvir Matias Damásio. Obrigada por esta bela partilha.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  3. Uma vida cheia, inteira e irrequieta. Um vida que atravessa oceanos e bebe experiências diversas e marcantes. Poesia colhida na leveza do "pássaro que acasala no equilíbrio de um ramo" ou da "borboleta que pousa no eco da muralha". São imagens poéticas inesquecíveis. Amei, querida Olinda.
    Beijos.

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  4. Boa noite, Olinda!
    Gostei muito deste seu poema, minha amiga. Depois da minha segunda leitura, com a atenção que merecem os poemas, pude ver toda a beleza do poema, que se inicia com estes belos versos;

    “Estou aqui
    a contar-te dos caminhos que percorro
    velhos estreitos esventrados
    caminhos de sulcos e de cabras onde
    nossos avós colheram pão de côdea dura”

    Um boa semana, Olinda. Beijo. Pedro

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  5. Querida Emília
    Como não conhecia a autora... (lamentável!!!) fui informar-me e fiquei sabendo que esta poetisa é santomense, nascida na cidade de Guadalupe, São Tomé. (Estive lá no Verão passado). Soube também que este poema esteve proibido (não consegui saber quando, mas calculo que tenha sido durante a chamada "Guerra Colonial".
    Adorei o poema! É duma veracidade e crueza que até faz doer!
    Tocou-me particularmente (talvez porque vivi essa época intensamente) e, como não podia deixar de ser... 😉 vou aproveitar o Black Friday para obter literatura dela...

    Feliz Terça-feira e uma boa semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  6. um "Estou aqui!" que é muito mais que "estar" - é Ser! ...
    ser no desassombro de um estar altivo e disponível

    ao Amor. à Doação. à Memória. à Participação.
    e à exorcizar os Medos.que vagueiam ... por todo lado.

    mas em que "o pão de côdea" se irá devolver
    como "frutos tropicais" ...

    sublime Poema! que nunca a voz se cale em Poetas desta dimensão
    momento alto de poesia e emoção, minha amiga Olinda

    abraço

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  7. Gostei do poema, desperta memórias antigas e passa toda a sensação do Outono! Beijinhos

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  8. A contar pelos dedos os sons da vida
    Bj

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  9. Boa noite de paz, querida amiga Olinda!
    Um samba no pé bem ritmado. Por falar nisso, vim há pouco do ensaio do Coral e nosso maestro bateu no quesito ritmo... estou gostando do vídeo que não conhecia... escrever o nome no chão (na areia, já o fiz muito) e levar pela vida afora... Lindo!
    O poema me fez recordar de um barro vermelho num lugar em que vivi um semestre em missão e que fazia fronteira com a Bolívia.
    Muito bom para animar ainda mais a noite que se inicia por aqui, minha amiga.
    Alegre e com um gingado propício para se rodopiar em pensamento que seja.
    Tenha dias abençoados e felizes!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

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  10. "Estou aqui
    a contar-te dos caminhos que percorro
    velhos estreitos esventrados
    caminhos de sulcos e de cabras onde
    nossos avós colheram pão de côdea dura
    estou aqui"
    Belíssimo poema de Olinda Beja.
    E se está «aqui», vou já espreitar...
    Beijo, querida amiga.

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