sábado, 30 de novembro de 2019

Vive, dizes, no presente

Vive, dizes, no presente;
Vive só no presente.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?

É uma coisa relativa ao passado e ao futuro.
É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas coisas como presentes; quero pensar nelas como coisas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.


Alberto Caeiro
   (1889-1915)





Alberto Caeiro, heterónimo criado por Fernando Pessoa, sendo considerado o Mestre Ingénuo dos heterónimos Álvaro de Campos e Ricardo Reis e também de seu próprio autor, Fernando Pessoa.
É um poeta de completa simplicidade, e considera que a sensação é a única realidade. Suas principais obras são O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso e Poemas Inconjuntos. aqui

Descrito pelo heterónimo Álvaro de Campos assim:

"Vejo-o diante de mim, vê-lo-ei talvez eternamente como primeiro o vi. Primeiro, os olhos azuis de criança que não têm medo; depois, os malares já um pouco salientes, a cor um pouco pálida, e o estranho ar grego, que vinha de dentro e era uma calma, e não de fora, porque não era expressão nem feições. O cabelo, quase abundante, era louro, mas, se faltava luz, acastanhava-se. A estatura era média, tendendo para mais alta, mas curvada, sem ombros altos. O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançada num tom de quem não procura senão dizer o que está dizendo-nem alta, nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar azul não sabia deixar de fitar. Se a nossa observação estranhava qualquer coisa, encontrava-a: a testa, sem ser alta, era poderosamente branca. Repito: era pela sua brancura, que parecia maior que a da cara pálida, que tinha majestade. As mãos um pouco delgadas, mas não muito; a palma era larga. A expressão da boca, a última coisa em que se reparava — como se falar fosse, para este homem, menos que existir — era a de um sorriso como o que se atribui em verso às coisas inanimadas belas, só porque nos agradam — flores, campos largos, águas com sol — um sorriso de existir, e não de nos falar." aqui


Fernando Pessoa faleceu em 30/11/1935.

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Poema daqui
Imagem daqui

9 comentários:

  1. "não fora o tempo, as coisas seriam Eternas - e nós com elas..."

    assim parece falar-nos Caeiro, em seu "gesto branco" e no seu sorriso "que era como era" ...

    muito bom ler pela manhã, amiga Olinda
    sentindo "o perfume das flores, como se visse uma coisa nova"...

    abraço

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  2. Gastei bastante da publicação :))

    Hoje : Faz do meu corpo, o violino.

    Bjos
    Votos de uma óptima Segunda - Feira


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  3. Não associar as coisas ao tempo. Que bom seria, já que tudo é tão breve.
    Alberto Caeiro. Que gosto lê-lo aqui…
    Uma boa semana, minha Amiga Olinda.
    Um beijo.

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  4. Gostei de ler. De todos os heterónimos, o Alberto Caeiro é aquele que mais me emociona.
    Hoje na aula de poesia ouvimos João Villaret a dizer "A Tabacaria" de Álvaro de Campos.
    Abraço

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  5. "Vive, dizes, no presente;
    Vive só no presente."
    Que bom seria, mas não sabemos como fazê-lo!
    Gostei da escolha do poema.
    Beijo, minha amiga Olinda.

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  6. Apenas vê-las, as coisas, sem inconstância. Que bom seria!

    Belo e profundo poema de Alberto Caeiro, de alguém que "tem um sorriso de existir, não de nos falar."

    Beijos, querida amiga Olinda.

    Beijo, amiga.

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  7. Magnífico post.
    Pela boa abordagem a Alberto Caeiro / Fernando Pessoa.
    E pelo vídeo da magnífica Cremilda Medina.
    Olinda, continuação de boa semana.
    Beijo.

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  8. Alberto Caeiro/ Fernando Pessoa lindo demais, seria ótimo se não vivêssemos nem no passado e nem no futuro, mas penso... no entanto me pego pensando no futuro, O que Caeiro diz,
    "Não quero incluir o tempo no meu esquema" gostei imenso, a contagem do tempo é amarga. É meio infeliz.
    Postagem linda, querida Olinda. Faz pensar. O vídeo de Cremilda Medina está ótimo, voz aveludada e a canção linda.
    beijo!

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  9. Boa noite de quinzena natalina, querida amiga Olinda!
    Viver o momemto atual é sabedoria. Tantas alegrias são desperdiçadas por nao darmos valor ao que acontece.
    Vibro muito com cada fato.
    De momento feliz a momento feliz, vamos construindo uma felicidade maior como uma teia linda
    Tenha dias abençoados e felizes!
    Bjm carinhoso e fraterno de pazne bem

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