quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Este é o verdadeiro Amor de que tanto se fala

Estranho e inexplicável sentimento este! Que quando sinto transbordar-me do coração toda esta imensa ventura, acomete-me então um terror grande - parece-me que é impossível ser tão feliz - que o Mundo não comporta esta ventura celeste, e que chegado ao ápice de todas as felicidades já será forçoso declinar. (...) Sucede-te isto também a ti, esposa querida do meu coração? Conheces tu também este tormento, anjo divino?

Ai, Rosa, minha doce Rosa, este que nós sentimos, este é o verdadeiro amor de que tanto se fala, e tão pouco se sabe o que é. São regiões pouco conhecidas em que a cada passo se encontram belezas nunca sonhadas, terrores inexplicáveis, felicidades sem par e tristezas que não têm nome.

(...) Oh! Como se riria de mim quem lesse esta carta, Rosa! - De mim que eles julgam um incrédulo, um céptico, e cujas palavras sarcásticas no Mundo não significam senão a mais perfeita indiferença por tudo! Há dois homens em mim, vida desta alma; um é o que vêem todos, o que fez a experiência, a sociedade e o conhecimento de suas misérias e nulidades - o outro é o que tu fizeste, é a criação do teu amor, a tua obra, e este vale muito decerto, porque é feito à tua imagem. 

Almeida Garrett, 
in 'Carta a Rosa Barreiras'




João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, mais tarde 1.º Visconde de Almeida Garrett (Porto, 4 de fevereiro de 1799 — Lisboa, 9 de dezembro de 1854), foi um escritor e dramaturgo romântico, orador, par do reino, ministro e secretário de estado honorário português.
Grande impulsionador do teatro em Portugal, uma das maiores figuras do romantismo português, foi ele quem propôs a edificação do Teatro Nacional de D. Maria II e a criação do Conservatório de Arte Dramática. Aqui

Quem melhor do que Garrett escreveria tão bela e apaixonada carta de amor?
Consta que Rosa seria a Viscondessa da Luz, conforme nota que abaixo transcrevo, em parte:
Nota : A Viscondessa da Luz, D. Rosa Montufar Infante (? - ?), filha dos Marqueses de Silva Alegre, casou, em 30 de agosto de 1837, com o, então, tenente coronel Joaquim Velez Barreiros, 1º Barão da Luz, ou de Nossa Senhora da Luz, durante a residência deste em Espanha, em que exercia as funções de comissionado do governo portuguez junto do general em chefe do exercito da Rainha Izabel II.
Foi a inspiradora das Folhas Cahidas, de Garrett, dedicados Ignoto Deo, em que se encontram belas poesias de temas amorosos.
Socorrendo-nos das Memorias, de Gomes de Amorim, diremos alguma coisa destes amores.
Parece ter surgido em 1849, essa paixão funesta, como lhe chama o biografo (3.o, 255).
No Arco de Sant'Ana aparece o seu velado retrato: “E ella (Esther) era bella, de uma belleza toda judaica, toda arabe. A figura alta e esbelta, as fórmas severas, sem molleza nenhuma nos contornos, o rosto oval, a tez morena, os olhos negros, faiscantes, a testa breve, mas perfeitamente desenhada, os sobr'olhos um tanto juntos, o cabello longo, preto, fino fino de uma fartura e formosura surprehendente.” (...) daqui

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Cartas de amor a Rosa auxiliam estudo - aqui
GARRETT: ENTRE A CRUZ DO DESEJO E A LUZ DO AMOR
Cartas de amor à Viscondessa da Luz - livro

6 comentários:

  1. "...o outro é o que tu fizeste, é a criação do teu amor, a tua obra, e este vale muito decerto, porque é feito à tua imagem."

    O amor é sempre uma descoberta, uma criação, um bem maior. Daí que " ...São regiões pouco conhecidas em que a cada passo se encontram belezas nunca sonhadas, terrores inexplicáveis, felicidades sem par e tristezas que não têm nome."
    Almeida Garrett fala com eloquência e paixão da sua intimidade.

    Maravilhosa postagem, querida Olinda!

    Beijos carinhosos.

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  2. Querida Olinda, tenho lido todas as cartas de amor e muito aprendi sobre a paixão de Almeida Garrett pela Viscondessa da Luz e também sobre Victor Hugo e a sua Juliette que, apesar da forma como ele a tratou, o amava deveras e ele tinha plena consciência disso, como se vê pelas palavras que deixou sobre ela. E assim foi mudando a forma de mostrar o amor à pessoa amada e, embora com os seus inconvenientes, o amor vivido da forma como era no tempo das cartas em papel era mais duradouro, não porque fosse diferente, melhor ou pior, mas porque se tentava
    que durasse, o namoro era " olho no olho ", e não havia outra forma de comunicação; telefones eram poucos e quem os tinha usava-os estritamente quando necessário e não para conversas entre apaixonados; não havia o " vamos ficar " o " vamos beber um copo, " o " sobe ao meu apartamento , enfim, não havia o troca- troca de hoje, às vezes por motivos tão insignificantes que uma boa conversinha resolveria a situação. Hoje não há o cuidado para que a relação se mantenha e, depois que termina aquela fase de " ovos de Páscoa ", a compreensão, o diálogo, a paciência dão lugar a uma troca de parceiro não demorando muito a que os problemas voltem a
    surgir. Não há vida a dois sem obstáculos, sem luta, sem zangas e sempre fico de " pé atrás, " quando ouço um casal dizer que o caminho que têm feito juntos só tem mel e que nunca esvorregaram nele. Pois o meu, de 43 anos , já teve de tudo, mel e fel e espero que assim continue por muito mais tempo, com o mel e, de certeza, com o fel tambem. Olinda, muito obrigada pela excelente ideia que tiveste e também pelas importantes informação que acompanham as cartas de amor. Um beijinho e tudo de bom, para ti e para os teus
    Emilia

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  3. Não conhecia, de todo, esta faceta literária de Almeida Garret!!
    Foi muito interessante e risível, como todas as cartas de amor.
    De Camões a Garret e a Mia Couto, o amor é sentimento que não se
    altera.
    Grata pelo conhecimento, Olinda.
    Abraço afetuoso.
    ~~~~

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  4. Que carta tão bela...
    Acho que sustive a respiração no início e só voltei a respirar no fim...
    Maravilhosa...
    Obrigada por partilhar
    Beijinho

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  5. De Garret, tirem-me a Joaninha e o Mundo fica sem jeito de amar!
    não há Rosa que não empalideça, perante o seu encanto orvalhado ...

    abraço, amiga Olinda

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  6. Almeida Garrett era um romântico…
    Um beijo.

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