quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Ana Paula Tavares - Prémio Camões 2025

 




"A massambala cresce a olhos nus"

Vieram muitos
à procura de pasto
traziam olhos rasos da poeira e da sede
e o gado perdido.

Vieram muitos
à promessa de pasto
de capim gordo
das tranqüilas águas do lago.
Vieram de mãos vazias
mas olhos de sede
e sandálias gastas
da procura de pasto.

Ficaram pouco tempo
mas todo o pasto se gastou na sede
enquanto a massambala crescia
a olhos nus.

Partiram com olhos rasos de pasto
limpos de poeira
levaram o gado gordo e as raparigas.


 O lago da lua - 1999



 



De alguns dos excelentes poemas de Ana Paula Tavares que já publiquei, optei por republicar "Vieram muitos" por me lembrar a luta do povo Kuvale do sul de Angola, povo esse registado por Ruy Duarte de Carvalho. Também Pepetela dedica algumas páginas no seu livro "Yaka", ao drama desse povo. 

Ana Paula Tavares, angolana, escritora, historiadora, cuja biografia consta já no Xaile de Seda, conta com uma obra de respeito e já tive oportunidade de falar sobre ela e, como disse acima, de publicar poemas seus. Portanto, não me surpreendeu que o júri do Prémio Camões lhe tivesse atribuído o mais alto galardão de literatura em língua portuguesa. 

Aproveito para deixar aqui mais um dos seus poemas, que muito aprecio:


MUKAI

(2)


O ventre semeado

desagua cada ano

os frutos tenros

das mãos

(é feitiço)

nasce a manteiga

a casa

o penteado

o gesto

acorda a alma

a voz

olha para dentro

do silêncio milenar.

Ana Paula Tavares

(O lago da lua)




Welwitschia - Deserto do Namibe





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Ana Paula Tavares - aqui, no Xaile de Seda.

Buala: Três olhares sobre a etnia kuvale

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