domingo, 13 de abril de 2025

Escrito no muro





Procura a maravilha.

Onde a luz coalha
e cessa o exílio.

Nos ombros, no dorso,
nos flancos suados.

Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.

Ou a sombra espessa.

Na laranja aberta
à língua do vento.

No brilho redondo
e jovem dos joelhos.

Na noite inclinada
de melancolia.

Procura.

Procura a maravilha.




Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas 
(1923-2005) foi um poeta português.
Mais aqui




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Poema daqui: De Rerum Natura
Do livro: Domínio Escrito

Nota: O poema aparece em muitos sites e blogs bastante simplificado.e com o título "Procura a maravilha"

domingo, 6 de abril de 2025

Gargalhada

Quando me disseste que não mais me amavas,

e que ias partir,

dura, precisa, bela e inabalável,

com a impassibilidade de um executor,

dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...

Mas olhei-te bem nos olhos,

belos como o veludo das lagartas verdes,

e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,

tive pena de ti, de mim, de todos,

e me ri

da inutilidade das torturas predestinadas,

guardadas para nós, desde a treva das épocas,

quando a inexperiência dos Deuses

ainda não criara o mundo...

Guimarães Rosa




João Guimarães Rosa (1908-1967) foi um poeta, diplomata, novelista, romancista, contista e médico brasileiro, considerado por muitos o maior escritor brasileiro do século XX e um dos maiores de todos os tempos. ver mais 



Caetano Veloso



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Poema: daqui
imagem: pixabay

sexta-feira, 4 de abril de 2025

GOSTO





Gosto do mar que rodeia a minha ilha, das rochas nuas e portentosas que a integram. 

Gosto das noites de lua cheia mas também do céu estrelado nas noites escuras como breu. 

Gosto da chuva benfazeja que faz crescer o milho, o feijão, a batata, a mandioca, o inhame - e que, quando vem com força, quase que nos leva para o mar, descendo em grandes quebradas, arrasando tudo.

Gosto do peixe que se compra às pratadas à beira-mar, observando antes os homens a puxarem o bote à força de braços. 

Gosto de cuscuz com manteiga, acompanhando com queijo de cabra, doce de papaia e café com leite. 

Gosto de cachupa e quando guisada comê-la com peixe frito. Gosto de caldo de peixe a acompanhar papas de milho.

Gosto do tempo das colheitas em que ajudamos "desajudando", de ouvir os contos enquanto se descascam as espigas, do ritmo das pauladas desferidas pelos homens ao debulhá-las no terreiro.

Gosto do Sol e do Céu azul, 
mas também das nuvens escuras anunciando chuva...




Nuno Ribeiro, Calema, Mariza
Maria Joana




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Imagem: pixabay

domingo, 30 de março de 2025

Bicentenário de Camilo Castelo Branco

Descera o académico ao pátio, depois de abraçar a mãe e irmãs, e beijar a mão do pai, que para esta hora reservara uma admoestação severa, a ponto de lhe asseverar que de todo o abandonaria se ele caísse em novas extravagâncias. Quando metia o pé no estribo, viu a seu lado uma velha mendiga, estendendo‑lhe a mão aberta, como quem pede esmola, e, na palma da mão, um pequeno papel. Sobressaltou‑se o moço; e, a poucos passos distante de sua casa, leu estas linhas: 

 "Meu pai diz que me vai encerrar num convento, por tua causa. Sofrerei tudo por amor de ti. Não me esqueças tu, e achar‑me‑ás no convento, ou no céu, sempre tua do coração, e sempre leal. Parte para Coimbra. Lá irão dar as minhas cartas; e na primeira te direi em que nome hás de responder à tua pobre Teresa."

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, pg.30


Em 1850

Este é o romance considerado mais importante da obra de Camilo. Ultraromântico, prevendo-se desde já o seu desfecho em morte. Realmente, no fim morre Simão, Teresa e Mariana, menina apaixonada por Simão.

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (1825–1890) foi um escritor, romancista, cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor português. Foi o 1.º Visconde de Correia Botelho, título concedido pelo rei D. Luís. É um dos escritores mais populares, proeminentes e prolíferos da literatura portuguesa, especialmente do século XIX.

Tido como o primeiro autor de língua portuguesa a viver exclusivamente da escrita, escrevia com frenesim, deixando uma obra com muitos títulos, além de colaborações em diversas publicações periódicas. Embora tendo de obedecer aos ditames da moda, consegue manter uma forma de escrever original, como consta da sua biografia.

Camilo seduz e rapta Ana Plácido. Depois de algum tempo a monte, são capturados e julgados pelas autoridades. Naquela época, o caso emocionou a opinião pública, pelo seu conteúdo tipicamente romântico de amor contrariado, à revelia das convenções e imposições sociais.

Irrequieto e irreverente vive a vida com intensidade. Cegou e não podendo continuar a ler e a escrever decide o momento da sua morte.

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AMOR DE PERDIÇÃO - aqui em PDF - Imprensa Nacional

 200 anos depois quem é Camilo Castelo Branco aqui

sexta-feira, 28 de março de 2025

A louca




Ela andava com o filho por todo o lado, fazendo ele parte do seu corpo mesmo depois de nascido. Punha-o às costas, amarrava-o à cintura, desafiava precipícios agarrando-o pelos bracitos. 

Fruto de (quem sabe?), sedução ou violação por parte do senhor da terra, que, talvez, tivesse mais filhos que terras. Homem tido como portador de valores, fino, de bom trato, discípulo de padres, autoridade máxima da terra, casado. Os filhos, não reconhecidos, povoavam a sua casa, tratavam-no por tio. 

A mulher legítima, teve dois filhos e soçobrava sob o peso dessa população. O quarto, a solidão seria a sua melhor companheira. Talvez sofresse de depressão crónica, doença não diagnosticada na época.

Ela, a louca, viu-se sem o filho antes de lhe acontecer alguma desgraça. Foi-lhe retirado pela família do pai da criança. Conheci este filho de ninguém. Chamava-se Júlio. Meu tio.

Vítimas do tempo, da época, das contingências morais e sociais, que obrigavam a mulher a atitudes que se assemelhavam, muitas vezes, a patologia incurável ou à loucura. 



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Pintura: Almada Negreiros


segunda-feira, 24 de março de 2025

Primavera



Cheguei com ela, a Primavera, a estação da renovação da natureza. E tudo nos encanta neste tempo que se quer florido e perfumado.  Os campos enchem-se de plantas silvestres. Papoilas e malmequeres são um espectáculo para os olhos. Os chilreios fazem-se ouvir nessa sinfonia tão própria e todos os sentidos são convocados para fazerem parte desta maravilha.



Tudo isto é para nós. Tudo nos é oferecido sem que nos seja exigido um gesto sequer. Apenas que conservemos e preservemos esta dádiva, para o nosso bem.

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Do poeta Luís Rodrigues trago estas lindas palavras:

A Primavera

é um rio a correr para um lugar longínquo onde já é 

Outono


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Imagem: pixabay

Sobre o projeto Crianceiras

aqui

sábado, 22 de março de 2025

Comemoração do dia Mundial da Poesia



Convite da amiga Rosélia 



Oferenda



De passos ágeis e graciosos
Vi-te entre as flores do teu jardim
Que exalavam um perfume delicioso

Não sei bem donde saía esse encanto
Que se espalhava pelo ar mavioso
Que me entontecia e me fazia tão leve

Avancei devagarinho, pé-ante-pé
De passo cauteloso como pantera
Olhando o meu bem precioso e lindo

Encontrei-te lindíssima de lábios
Entreabertos prontos a recolher
A mais bela dádiva que 
poderia oferecer:
O Meu Amor!





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Imagens dadas pelo blogue "Escritos d'Alma", 
da amiga Rosélia Bezerra

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

"Domesticadora de Girassóis"

 




"Espreito cuidadosamente o homem moderno, à noite, para que não me veja e não se assuste e não me contamine com a sua modernidade, espreito o vírus à distância, espreito-o através das cortinas esgarçadas que me separam do vidro fosco das janelas, espreito-o no umbral da ombreira e fico assim parado a espreitá-lo, como se não fosse um fantasma à espreita.

Aonde nos levará o lixo?

Vem nas notícias: a criminalização dos sem-abrigos agravou-se. Dois mil anos depois, equivocados discípulos de Platão reuniram-se com o intuito de expulsar os vagabundos das ruas. "Rua proibida a sem-abrigo", lê-se ali. "É proibido ser sem-abrigo", lê-se acolá. E eu vazio numa casa cheia de nada."

Este é um pedacinho de um livro que estou a ler. 
E estou a gostar muito. 
Quando voltar falar-vos-ei dele, talvez...


Abraços
Olinda

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Autor do livro referido:
Henrique Manuel Bento Fialho
pg. 24

Imagem: pixabay

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Zeca Afonso

 


Balada de Outono


José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (Aveiro2 de agosto de 1929-Setúbal23 de fevereiro de 1987), foi um cantor e compositor português. É também conhecido pelo diminutivo familiar de Zeca Afonso, apesar de nunca ter utilizado este nome artístico. É o autor de Grândola, Vila Morena que foi utilizada pelo Movimento das Forças Armadas para confirmar que a Revolução do 25 de Abril estava em marcha. aqui


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domingo, 23 de fevereiro de 2025

Eu te amo





Tu me encantas,

Alivias meu ser

Das máculas cotidianas.

Meu olhar te procura


E teu reflexo vibra em mim.

Há tantos desmazelos

A destruir tua harmonia.

Tu me falas, sinto conexão,

A tua inteligência ilimitada.

São muitos teus sinais

Que me dão confiança

Para seguir meus propósitos

E minhas intuições.


Cuidar de ti urge!

Grande consciência,

Pequenos hábitos,

Menor soberba

De nós, humanos.


Viva! Terra,

Eu te amo e sofro por ti.





Terra, a nossa casa! Precisamos amá-la, preservá-la, 
pois não temos outra. Amar o mar, os rios, a floresta, e todos os seres vivos que a povoam...




Canção da Terra
Teatro Mágico









Nota:

Amigos

O "Xaile de Seda" vai entrar em repouso, a partir de 27/2, não por cansaço mas, sim, porque vou fazer uma viagenzinha com os meus rebentos.

Fiquem bem.
Até sempre.

Abraços
Olinda



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Imagem: pixabay

O poema foi-me trazido pela autora, o que muito lhe agradeço :)
Beijinhos, Norma.

 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

"Quinzena do Amor 2025"... chega ao fim

 


Centenário de Carlos Paredes 
(1925-2025)


Neste mês em que se comemora o Centenário de Carlos Paredes, o mestre da guitarra portuguesa, festejámos mais uma "Quinzena do Amor", que transcorreu entre os dias 1 e 19 de Fevereiro. Já é a segunda vez que este não saber contar acontece, mas nenhum de nós se importa com isso.

Durante estes dias publicámos poemas e citações que abarcam o amor romântico, o amor à família, o amor à natureza, o amor universal, de uma forma abrangente. Todos os nossos participantes, generosos e talentosos, permitiram que os seus textos prestigiassem o "Xaile de Seda", cantando o amor e clamando pela paz, neste mundo à deriva.

No encerramento desta "Quinzena do Amor" escolhi uma frase, da autoria de André Mansim, "Eu feliz e mais ninguém", retirado de um texto seu, querendo eu assinalar o profundo egoísmo que grassa pela sociedade, cada um a tratar do que é seu e muitas vezes invadindo o que não lhe pertence.





A seguir indico os posts que receberam os poemas e citações dos nossos amigos:

Quinzena do Amor 2025

 Post 1-Só o amor; 

 Post 2-Alastrar Paz e Amor

 Post 3-Ouça as vozes

 Post 4-Estética da Vida;

 Post 5-Quando o Amor chora de sede;

 Post 6-Um gosto antigo de alfazema;

 Post 7-Como nos Prodígios;

 Post 8-Flora;

 Post 9-Passei na nossa rua;

 Post 10-O Amor na sua Plenitude;

 Post 11-Se eu tivesse coragem;

 Post 12-Poesia é Amor;

 Post 13-Sobram as mãos/Sóbran las manos;

 Post 14- Colhi-te;

 Post 15-Floresça;

 Post 16-Retrato em Luar;

 Post 17-Desilusão;

 Post 18-Simplicidade moldada;    

 Post 19-Olhos negros




ALEGRIA
BY
CIRQUE DU SOLEIL


AMIGOS:

Os meus agradecimentos por me acompanharem, sem desfalecimento, durante estes 19 dias.

Grande abraço.

Olinda


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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

OLHOS NEGROS


Te convertiste en luz

Te amo deseando cada día y

esperando ser mejor.

Te amo.

Citu



Sei duns belos olhos pretos,

Com que nos meus te demoras,

A piscar sempre indiscretos,

Águas de expressão de amoras.


Nesses olhos há o brilho

Em que se reflete o sol,

Luz em que me maravilho,

Da alma, fundo crisol.


Nessa expressão sem queixume,

Com alegria eu vejo

Todo o inflamado lume

Com que se acende o desejo.


Sempre que à noite escurece,

Teu olhar é luz que guia

O sentir do amor que aquece,

Nessa luz que me alumia.


Juvenal Nunes


Declaração de amor a esses olhos pretos, fazendo jus à 

"Quinzena do Amor". 

Destaco:

Teu olhar é luz que guia

O sentir do amor que aquece,

Nessa luz que me alumia



The Fevers
Onde estão teus olhos negros









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Também trouxe o video do blog do amigo Juvenal Nunes


terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Simplicidade moldada


Imersa nos seus pensamentos que, ao mesmo tempo que lhe causavam
uma saudade enorme também a tornavam,
inexplicavelmente, feliz...






Da casa da vovó uma bela lembrança,

pelas manhãs um bom café o desjejum,

os ovos caipiras cozidos a dar sustança.

Cortes de galinha cobertos no urucum.¹


Lembro do menino na caça à ninhada,

naquele quintal das galinhas os cantos,

eram como um GPS contra derrocada,

difíceis ninhos escondidos pelos cantos.


Na cozinha um calor do fogão a lenha,

panelas pretas perfumavam a casinha.

Assava bolo de fubá vindo da azenha, ²

a farofa de ovos com a pura farinha.


Assim como pintinhos dos ovos nascem,

a vida lá na roça era belo aprendizado,

como quebrar cascas encontrar o além,

um menino pela simplicidade moldado.




Esta figura da Avó teria de constar desta "Quinzena do amor". E vi a oportunidade neste poema publicado há poucos dias pelo amigo Toninho. Identifico-me com muitas das memórias que ele traz e, assim, fui ao seu blogue buscar esta preciosidade. 




O Sítio da Vovó
Sandy e Junior






O blog: Mineirinho



Quinzena do Amor

Post 1-Só o amor; Post 2-Alastrar Paz e Amor; Post 3-Ouça as vozesPost 4-Estética da Vida; Post 5-Quando o Amor chora de sede; Post 6-Um gosto antigo de alfazema; Post 7-Como nos Prodígios; Post 8-Flora; Post 9-Passei na nossa rua; Post 10-O Amor na sua Plenitude; Post 11-Se eu tivesse coragem; Post 12-Poesia é Amor;Post 13-Sobram as mãos/Sóbran las manos; Post 14- Colhi-te; Post 15-Floresça; Post 16-Retrato em Luar; Post 17-Desilusão

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Imagem: Uma homenagem a todas as avós

1, 2 - notas do autor

Poema: resposta ao desafio da Chica:

Botando a cabeça parafuncionar é o desafio da Chica para uma imagem postada no seu blog chicabrincadepoesia, 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

DESILUSÃO

 

Por mais cinza que "estrada da vida"

Possa parecer.
Haverá sempre um colorido no caminho. 
Basta querer ver...

Verena



João, pobre João! Preso a esse amor

intenso e sem tréguas, por Maria.

Tanta procura e tantos afagos!

(Beija-flor no ar saciando a sede.)


João, pobre João! Não vês os excessos?

Terás tu, João, o amor de Maria?

Volta de teus voos em escuras nuvens

e verás o rumo que tomou Maria.


Consola-te, João! Agora te resta deitar

na cama, no mesmo lugar que Maria dormia,

que algum calor terá sobrado do corpo

da amada, para aquecer tuas noites de frio.

Pedro Luso de Carvalho


Será que esse amor volta a ser o que era?
 Que o calor deixado pelo corpo de Maria não seja a
 única certeza dessa relação.  


Maria Bethânia"
"As canções que você fez para mim"


Do BLOG VEREDAS



Quinzena do Amor

Post 1-Só o amor; Post 2-Alastrar Paz e Amor; Post 3-Ouça as vozesPost 4-Estética da Vida; Post 5-Quando o Amor chora de sede; Post 6-Um gosto antigo de alfazema; Post 7-Como nos Prodígios; Post 8-Flora; Post 9-Passei na nossa rua; Post 10-O Amor na sua Plenitude; Post 11-Se eu tivesse coragem; Post 12-Poesia é Amor;Post 13-Sobram as mãos/Sóbran las manos; Post 14- Colhi-te; Post 15-Floresça; Post 16-Retrato em Luar


Meus amigos:

Esta "Quinzena do amor" está prestes a chegar ao fim. Após mais duas publicações farei um post de encerramento, ou seja, no dia 20/02. Gostaria de ter tido mais duas participações, mas por dificuldades de acesso aos blogues não é possível. Para a próxima será, certamente.

Os meus agradecimentos a todos.

Beijos e abraços.

Olinda


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Imagem: pixabay