terça-feira, 15 de novembro de 2022

Manual de Pintura e Caligrafia

Para assinalar o dia do Centenário de José Saramago, 16/11, trago este livro. Confesso que tive alguma reserva em lê-lo, há uns anos, mesmo sem tomar conhecimento do prefácio ou dos dizeres da contra-capa. Partira do princípio de que o mesmo tratava os temas que o próprio título induz, embora interessantes, mas no momento não me senti atraída.

Esta edição traz um extenso prefácio de Luís de Sousa Rebelo que começa por falar dos romances Levantado do Chão e do Memorial do Convento, para a seguir tecer as suas considerações sobre o referido livro, cujo resumo pode ser lido na respectiva sinopse, nos seguintes termos:

«O Manual de Pintura e Caligrafia é uma obra ímpar no género da literatura autobiográfica entre nós e oferece-nos, no seu conjunto, um semental de ideias e uma carta de rumos da ficção de José Saramago até à data.
Nele se fundem as escritas de uma complexa e rica tradição literária e a experiência de um tempo vivido nos logros do quotidiano e das vicissitudes da história, que será a substância da própria arte.»


Caligrafia de Júlio Pomar

É o segundo livro escrito por José Saramago, 1977, com um estilo ainda a meio caminho daquele que viria a adoptar, sem espaço para a respiração do leitor, como se vê em Levantado do Chão, o primeiro que li e adorei. A partir deste li quase todos de uma assentada. O Manual de Pintura e Caligrafia é tido como autobiográfico. O que sei dizer é que o autor vai discorrendo sobre o presente, o do protagonista, aborda aspectos da pintura do antanho e a sua evolução, e a correlação ou a diferença entre a escrita e a pintura.

Sobre ser autobiográfico ele próprio começa a página 139 deste modo: "A isto que escrevi, chamei (primeiro) exercício de autobiografia, e creio não me ter enganado nem enganar (ter-me enganado e enganar, não será, em rigor, o mesmo?" ou então é a fala do personagem que dá pelo nome de H. e que é o narrador. 

Depois de várias elucubrações acaba por chegar à época imediatamente anterior à Revolução dos Cravos, e é na pg. 311 que diz isto: "O regime caiu. Golpe militar, como se esperava. Não sei descrever o dia de hoje: as tropas, os carros de combate, a felicidade, os abraços, as palavras de alegria, o nervosismo, o puro júbilo..."

Mas a parte que mais me surpreendeu é o capítulo onde fala de amor e das suas demonstrações, produzindo um dos mais lindos e apaixonantes textos:

"Meu amor", disseste, e eu o disse, abrindo-te a minha porta toda, e entraste. Abrias muito os olhos ao caminhares para mim, para me veres melhor ou mais de mim, e pousaste o teu saco no chão. E antes que eu te beijasse, disseste, para que o pudesses dizer serena: "Venho ficar contigo esta noite". Não vieste nem cedo nem tarde. Vieste na hora certa, no minuto exacto, no preciso e precioso patamar do tempo em que eu podia esperar-te. Entre os meus pobres quadros, cercados por coisas pintadas e atentas, nos despimos. Tão fresco o teu corpo. Ansiosos, e no entanto sem pressa. E depois, nus, olhámo-nos sem vergonha, porque o paraíso é estar nu e saber. Devagar (só devagar poderia ser, só devagar) aproximámo-nos, e, já perto, colados de repente e trémulos. Apertados um contra o outro...

Continuem a ler - o tema vai da página 303 à 305. 

Mas da 39, que começa assim: Continuarei a pintar o segundo quadro, mas sei que nunca o acabarei, até à 302 é uma viagem e tanto.


Júlio Pomar
Camões - 1990


A encerrar a publicação, trago a notícia de 14/11, já sabida de todos, provavelmente, de que o Prémio José Saramago 2022 foi atribuído a Rafael Gallo, escritor brasileiro, pelo livro "Dor Fantasma". Veja mais aqui.


Continuação de boa semana, amigos.

Abraços.

Olinda


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NOTA:

A BRAÇOS COM O COMPUTADOR AVARIADO. EM PRINCÍPIO, DEMORAREI ALGUM TEMPO A PUBLICAR OS VOSSOS COMENTÁRIOS.

POR OUTRO LADO, OS COMENTÁRIOS DA MINHA AUTORIA, NOS VOSSOS BLOGUES, NÃO VOS CONDUZIRÃO AO "XAILE DE SEDA", PORQUE SÃO FEITOS A PARTIR DO TELEMÓVEL.

PEÇO DESCULPAS.
OLINDA


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"Manual de Pintura e Caligrafia" - o exemplar referenciado no post é uma Edição da 
Porto Editora, com 311 páginas. 
A imagem é da Editora Caminho para evidenciar a Caligrafia de Júlio Pomar.



22 comentários:

  1. Acredito que seja um livro muito interessante de ler.
    .
    Saudações poéticas
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  2. Grata pela partilha. Tinha conhecimento da data do centenário e também do prémio de literatura ao escritor brasileiro, mas não conheço o livro Manual de Pintura e Caligrafia.
    Abraço e saúde

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  3. Interessante deve ser este livro de José Saramago, embora, ao vê-lo, talvez tivesse a mesma reacção...." não me sentiria atraída. Tenho lido alguns livros deste nosso grande escritor, mas, confesso, no inicio não gostei da forma como escrevia, sem pontuação e sem nomes, " sem espaço para a respiração do leitor" e tantas vezes obrigando-me a voltar atrás. Habituei-me a esse estilo e agora leio-os com muito gosto embora por vezes me pergunte se estará muito correcto não usar pontuação; continuo a achar estranho, Amiga. Sim, já sabia que o prémio Saramago tinha ido para o escritor Bruno Gallo e já é o terceiro prémio que vai para os brasileiros, os prémios Camões, Leya e agora este. Amiga , muito obrigada pelas interessantes informações que aqui nos deixas e este será mais um livro a ler, assim como o " Dor Fantasma ". O titulo atrai-me. Espero que estejam bem de saúde e, como sempre, saio daqui mais enriquecida. Beijinhos, querida Amiga!
    Emilia 🙏 👏 🌻

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  4. Olá querida amiga, Olinda!
    Que bela partilha você nos traz!
    Esse livro deve ser uma excelente leitura aos olhos de quem gosta.

    Deve ser um excelente livro!

    Beijinhos 🌷

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  5. Bom dia de toda paz, querida amiga Olinda!
    Já tinha lido ontem, mas seus posts, às vezes, me fazem pensar e, hoje, encontrei o sabor que procurava.
    "... vieste nem cedo nem tarde. Vieste na hora certa, no minuto exacto, no preciso e precioso patamar do tempo em que eu podia esperar-te."
    Saramago na perfeita afirmação do Amor. Muito linda a descrição do nu, do despojado de corpo e alma, do que se entrega sem reservas.
    Adorei a simbologia que vai além do corpo físico no meu modo de perceber o lido e saboreado.
    Senti uma entrega pura e total de um colado ao corpo do outro numa fusão de corações enamorados.
    Tenha dias abençoados!
    Beijinhos

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  6. Sou uma leitora/admiradora do nosso Nobel mas não conheço esta obra.

    Abraço

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  7. É um bom livro, mas gostei mais de outros.
    Acho que vou reler alguns livros do Saramago, tenho-os quase todos.
    Continuação de boa semana, amiga Olinda.
    Um beijo.

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  8. Olá, amiga Olinda, muito bom o seu texto sobre esse livro, que ainda não li, embora tenha lido muitos outros livros de José Saramago. Como você mesmo diz, esse livro ainda não apresentava na sua inteireza o estilo que faria conhecido no mundo, o escritor português. Saramago, entre nós, foi recebido como se fosse um escritor brasileiro. Aqui ele sempre foi tratado com muito respeito e carinho. A TV Cultura, canal 9 de São Paulo, apresentou algumas entrevistas com ele no programa famoso Roda Viva. Ali, pode se notar o respeito e admiração que os entrevistadores tinham para com Saramago.
    Parabéns, amiga, pela bela postagem.
    Um bom resto de semana, saúde e paz.
    Um abraço.

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  9. Excelente publicação, querida Olinda!
    Li e gostei bastante deste livro de José Saramago. Ler Saramago primeiro estranha-se, depois entranha-se. Eu estranhei imenso mas logo logo li todos os seus livros em grande entusiasmo.
    Então amiga, qual foi o livro que leste da Isabel Allende? Partilha aí!
    Beijo, cuida-te bem o frio chegou... frio.

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  10. Olinda querida, aqui no Brasil, como aí em Portugal, o brasileiro ama Saramago, tanto pela pessoa afável, muito simpático, como pela sua literatura que encanta. Não li esse livro, li outros, mas chegarei nele, sem dúvida.
    Obrigada, querida, que postagem linda, 100 anos do nosso Nobel!!
    Beijinhos, um excelente fim de semana!

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  11. Bom dia Olinda,
    Como sempre o tema apresentado de forma primorosa, neste caso uma bela homenagem a Saramago por ocasião do seu centenário.
    Devo confessar que não conheço a obra em apreço e fiquei com muita curiosidade. Será um belo presente de Natal e aproveito para o ler também.
    Um grande beijinho e um ótimo fim de semana.
    Ailime

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  12. O escritor ímpar que foi José Saramago fez-me ler tudo o que ele escreveu. Sou fã e associo-me aqui à sua homenagem pelo centenário. De vez em quando ainda vou reler alguns livros, sempre surpreendida com uma escrita assim: criativa, reflexiva e inspiradora.
    Um bom fim de semana, minha Amiga Olinda.
    Um beijo.

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  13. Caríssima Olinda, associo-me também à homenagem ao bom Saramago. Àquele que dizia à exaustão: “Ser velho é uma merda” à zelosa Pilar. Relembro para salientar que foi na maturidade que ele se tornou o autor reconhecido e que, por isso, comemoramos o seu centenário. Relembro que Saramago não teve formação universitária e se dedicou a diversos ofícios antes de ser um romancista. Serralheiro, funcionário público, jornalista e tradutor, e só mergulhou de cabeça na escrita perto dos 60 anos de idade. A literatura o capturou tardiamente, mas em compensação nos legou o melhor e foi pelo melhor que arrebatou o Prêmio Nobel 1998. E assim podemos percorrer a sua obra, a partir de Levantado do Chão 33 anos depois de ter publicado Terra do Pecado... e tantos outros se sucederam incluindo o Ensaio sobre a Cegueira, Memorial do Convento, Ensaio sobre a cegueira, As intermitências da Morte, incluindo no rol Manual de pintura e caligrafia... É sempre interessante reinvestir na leitura das obras de Saramago... As suas postagens têm o condão de nos manter alerta para a boa literatura que se faz nos países de língua portuguesa.
    Bom final de semana, amiga!
    Forte abraço,

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  14. Sou fã deste escritor, apesar de não ter lido tudo que escreveu. A forma como trouxe sua homenagem foi impecável, fui saboreando o que nos narrava. Grata pela bela partilha, bjsss

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  15. Gracias por la reseña, lo tendré en cuenta.

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  16. Confesso que não sou grande fã da escrita dele.
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  17. Saramago é um escritor invulgar e profundo. Tive o cuidado de ir lendo a sua obra ao longo dos anos. Pura fruição de olhar o mundo com tanta agudeza...
    A escolha recai num livro muito especial e distinto.
    Obrigada pela partilha. Beijinho

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  18. Parece ser um livro muito interessante.
    Obrigado pela sua extraordinária partilha.
    Beijinhos

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  19. Olá Olinda!
    Sua publicação é muito interessante.
    Tenha uma semana repleta de luz
    Abraços Loiva

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  20. Bom Livro.
    Obrigado Olinda, por no-lo trazeres á frente neste período de celebração do Centenário do Nascimento de Saramago. Me associo e me deixo levar na Homenagem ao legado que nos deixou.
    Bem haja!

    Beijo
    SOL da Esteva

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  21. Bom dia, minha querida Olinda
    O meu blog continua em modo de “pausa” e penso que assim continuará por mais algum tempo.
    Os meus planos de mudança de casa sofreram algumas alterações que levaram ao atraso da sua realização. Nem sempre as coisas são tão fáceis como inicialmente parecem, e, como tenho a actual casa “de pernas para o ar”, abrigando familiares que tinham as suas próprias casas… o ambiente e consequente disposição para alimentar o blogue não são os ideais.
    Mas não percamos a esperança. Tudo se resolverá a contento, e a normalidade surgirá (não há quem ainda espere pelo regresso de D. Sebastião ?😊)
    Entretanto… irei aparecendo sempre que possível – para mostrar que não vos esqueci, mas principalmente para que não me esqueçam 😉
    Um saudoso abraço e até sempre.
    PA - Li Saramago TODO! Adoro!

    Bom Fim de Semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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    Respostas
    1. Querida Mariazita
      Muito obrigada por teres vindo.
      Volta quando te sentires pronta.
      E claro que nunca te esqueceremos.
      Iniciei agora uma pequena pausa.
      Beijinhos
      Olinda

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