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sábado, 30 de outubro de 2021

Paulina Chiziane - Prémio Camões 2021

Congratulei-me com a escolha de Paulina Chiziane para a atribuição do Prémio Camões deste ano. Em 2019 publicara no Xaile de Seda excertos de Balada de amor ao Vento. Vejo com agrado que foi uma das obras apontadas, para além de "Niketche" que também referi na altura.

Aproveito para transcrever o teor do texto que então produzi, sendo o título retirado de uma das passagens do livro, assinalando precisamente a poligamia, e com isso a humilhação da mulher no contexto africano. Há quem aceite com uma certa bonomia essa condição em determinados espaços, como sendo cultural. Não há dúvida de que há quem não concorde com isso. 

E a autora, Paulina Chiziane, demonstra-o não só na sua obra como também no Testemunho: "Eu Mulher...por uma nova visão do mundo", cujo link indico abaixo.


Recordemos, pois, a minha publicação de 11/04/2019, sobre Paulina Chiziane e Balada de amor ao Vento:


 

"...agora somos sete...


PAULINA CHIZIANE, escritora moçambicana, diz-se contadora de histórias e não romancista: Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos à volta da fogueira, minha primeira escola de arte.Essas suas palavras fazem-me lembrar a arte de contar a vida passada, os mitos e as lendas, que os mais velhos (os griots) transmitiam ou transmitem, ainda, aos jovens. A oratura - outra designação que tem vindo a fazer escola.

Balada de amor ao Vento é o primeiro livro de Paulina Chiziane, publicado em 1990 e, tal como o nome indica, trata-se de uma história de amor, antes de mais. O primeiro capítulo começa já numa toada lírica envolvente, em que a saudade, as recordações num tom sofrido nos dão a medida do valor sentimental desta narrativa. Ali, toda a natureza é chamada: as árvores, as ervas, as plantas, as flores, os bichos e, especificamente, o Save. Este atravessa o livro, quase testemunhando as ilusões e desilusões de Sarnau no seu amor por Mwando.

Tenho saudades do meu Save, das águas azul-esverdeadas do seu rio. Tenho saudades do verde canavial balançando ao vento, dos campos de mil cores em harmonia, das mangueiras, dos cajueiros e palmares sem fim. Quem me dera voltar aos matagais da minha infância, galgar as árvores centenárias como os gala-galas e comer frutas silvestres na frescura e na liberdade da planície verde. Estou envelhecida e sinto a aproximação do fim da minha jornada,(...)

Essa caminhada inicia-se quando Sarnau avista Mwando e sente-se presa àquele amor, irremediavelmente. Dá-se o encontro: as mãos encontram-se, veio o abraço tímido. Trocámos odores, trocámos sabores, empreendemos a primeira viagem celestial nas asas das borboletas. Mas cedo, vem a desilusão. Mwando casa-se com outra mulher por imposição familiar, diz ele.

E ela, Sarnau, descoroçoada, aceita casar com o filho do rei, recebendo a família o lobolo de 36 vacas. Depressa constata que existem mais seis mulheres além dela: agora somos sete...

Abri com violência a porta do meu quarto. Meu marido está ao lado de outra mulher mesmo na minha cama, sorriem, suspiram envoltos nas minhas capulanas novas, meu Deus, eu sou cadáver, abre-te terra, engole-me num só trago. Caminhei vencida para a fogueira e aqueci o banho deles...

Capulanas - património cultural moçambicano

Paulina Chiziane, denuncia, neste seu primeiro romance, a poligamia e a condição de subalternidade e humilhação da mulher. Fá-lo-á também em "Niketche - uma história de poligamia", publicado em 2002.

Queira ler, aqui, fazendo download, o seu Testemunho - EU, MULHER...POR UMA NOVA VISÃO DO MUNDO.

Um texto inspirador."


(Publicado no Xaile de Seda a 11/04/2019 - aqui )


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Leia sobre Paulina Chiziane e o Prémio Camões aqui
Foto - de aqui
Imagem: capulanas

quinta-feira, 11 de abril de 2019

...agora somos sete...


PAULINA CHIZIANE, escritora moçambicana, diz-se contadora de histórias e não romancista: Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos à volta da fogueira, minha primeira escola de arte.Essas suas palavras fazem-me lembrar a arte de contar a vida passada, os mitos e as lendas, que os mais velhos (os griots) transmitiam ou transmitem, ainda, aos jovens. A oratura - outra designação que tem vindo a fazer escola.

Balada de amor ao Vento é o primeiro livro de Paulina Chiziane, publicado em 1990 e, tal como o nome indica, trata-se de uma história de amor, antes de mais. O primeiro capítulo começa já numa toada lírica envolvente, em que a saudade, as recordações num tom sofrido nos dão a medida do valor sentimental desta narrativa. Ali, toda a natureza é chamada: as árvores, as ervas, as plantas, as flores, os bichos e, especificamente, o SaveEste atravessa o livro, quase testemunhando as ilusões e desilusões de Sarnau no seu amor por Mwando.

Tenho saudades do meu Save, das águas azul-esverdeadas do seu rio. Tenho saudades do verde canavial balançando ao vento, dos campos de mil cores em harmonia, das mangueiras, dos cajueiros e palmares sem fim. Quem me dera voltar aos matagais da minha infância, galgar as árvores centenárias como os gala-galas e comer frutas silvestres na frescura e na liberdade da planície verde. Estou envelhecida e sinto a aproximação do fim da minha jornada,(...)

Essa caminhada inicia-se quando Sarnau avista Mwando e sente-se presa àquele amor, irremediavelmente. Dá-se o encontro: as mãos encontram-se, veio o abraço tímido. Trocámos odores, trocámos sabores, empreendemos a primeira viagem celestial nas asas das borboletas. Mas cedo, vem a desilusão. Mwando casa-se com outra mulher por imposição familiar, diz ele.

E ela, Sarnau, descoroçoada, aceita casar com o filho do rei, recebendo a família o lobolo de 36 vacas. Depressa constata que existem mais seis mulheres além dela: agora somos sete...

Abri com violência a porta do meu quarto. Meu marido está ao lado de outra mulher mesmo na minha cama, sorriem, suspiram envoltos nas minhas capulanas novas, meu Deus, eu sou cadáver, abre-te terra, engole-me num só trago. Caminhei vencida para a fogueira e aqueci o banho deles...

Paulina Chiziane, denuncia, neste seu primeiro romance, a poligamia e a condição de subalternidade e humilhação da mulher. Fá-lo-á também em "Niketche - uma história de poligamia", publicado em 2002.

Queira ler, aqui, fazendo download, o seu Testemunho - EU, MULHER...POR UMA NOVA VISÃO DO MUNDO.

Um texto inspirador.

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Acabo de saber do falecimento da Dina. As suas canções fazem parte do nosso imaginário. As suas composições, a sua voz, o seu talento, dão-nos a certeza de que haverá sempre música entre nós. Para além da morte.

Há sempre música entre nós



2019-04-12


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No meu texto: 
Excertos e expressões retirados de "Balada de amor ao vento", dos capítulos 1, 6, 8 
*Uma voz feminina em África - aqui
Paulina Chiziane, primeira romancista moçambicana - com video

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Dina - "há sempre música entre nós" - Youtube
   

domingo, 5 de junho de 2022

Loucura no feminino

Isabel Raflaia, como lhe chamavam, achava que a minha mãe lhe tinha roubado o marido e os filhos. Tudo era dela. A casa, todos os haveres. E dizia-o em grande espavento e alarido. Andava pelas ruas andrajosa, vivendo do que lhe davam, mas não esquecia o caminho da nossa casa. Minha mãe vivia horrores quando ela aparecia, um misto de receio e compaixão. Abrigava-a, punha-a confortável. Marcou de tal maneira a nossa infância, minha e dos meus irmãos, que penso nela muitas vezes. Com uma nota de ternura. 

Procuro adivinhar as suas vivências e desaires. Que voragem de loucura era aquela em que o cérebro lhe ditava tais fantasias? Procuro adivinhar se teria ou não momentos de lucidez. Se nesses momentos nos via como éramos, filhos de um casal conhecido. Ou se a sua solidão era maior do que a realidade.

E pergunto-me: O que se passaria naquela cabeça? Que confusões e que perdas não terá sofrido na vida que a levavam àquela obsessão?


Almada Negreiros


Por motivos semi-profissionais tenho de ler "A Louca de Serrano", de Dina Salústio, daí, talvez, esta revisitação de Isabel Raflaia. Contudo, vejo que não me é possível ler esse livro pois está esgotado. Procurei-o por cá, pedi a amigos que mo procurassem na terra da escritora e nada. Pessoa amiga falou com o filho dela no sentido de obter alguma informação sobre editoras ou livrarias. E nada. Contento-me, para já, com o que se diz dele. Ou com alguma crítica e apreciação que encontre por aí.

Mas é uma dificuldade. Não há um resumo sequer, disponível. Há informações de download grátis mas depois vêm as exigências de liberalização de dados pessoais. Quer dizer que não há almoços grátis, como se costuma dizer. Leio que o romance foi o primeiro escrito, em Cabo Verde, por uma mulher. Vertido para a língua inglesa por Jethro Soutar, ganhou o Prémio PEN Reino Unido de Tradução, o que encheu de orgulho o país, conforme comunicado do ministério da cultura e das indústrias criativas:
 

A distinção (…) é um orgulho para Cabo Verde e um reconhecimento à mais expressiva e original voz literária feminina do actual panorama literário cabo-verdiano. É também um estímulo às escritoras cabo-verdianas e à internacionalização da literatura, dos contos, e da prosa no feminino. aqui


Nas minhas deambulações virtuais encontro títulos aliciantes de recensões críticas como "Memória e loucura: o movimento da insularidade em A louca de serrano, de Dina Salústio", que diz uma ou duas palavras sobre o assunto e depois não dá acesso. 

Em "Vozes femininas na obra A Louca de Serrano de Dina Salústio" há uma maior abertura. Consta de quatro páginas e revela o seu propósito, que é analisar as construções de gênero que permeiam a obra de Dina Salústio, levando em conta tanto o conteúdo da obra quanto a figura autoral feminina. E, mais adiante,


Ao tomar a figura mítica da Louca como veículo para revelar as verdades que os serranenses insistem em tentar esconder, a autora constrói uma narrativa do feminino cuja potência reside justamente nessa retomada de poder e na superação de um lugar discursivo relegado à subalternidade. Essa estratégia de representação dialoga muito bem com o próprio trajeto das mulheres na literatura, que muitas vezes enfrentam o mesmo silenciamento ao adentrar o universo literário. Da mesma forma, ao representar os homens de Serrano como figuras que, por prepotência ou ignorância, se recusam a ver as ditas verdades, a autora se utiliza do artifício da ironia e de um humor sutil para desestabilizar e contestar o lugar de poder que eles ocupam. aqui


Almada Negreiros


Fiquei deveras empolgada quando encontrei isto: "Entre dois mundos: a loucura feminina nos romances A Louca de Serrano, de Dina Salústio, e O alegre canto da perdiz, de Paulina Chiziane". Também Paulina Chiziane foi a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, "Balada de amor ao vento", com o qual foi galardoada com o Prémio Camões, neste ano de 2022. Em relação ao tema que hoje aqui me traz, diz o que se segue, (claro que gostaria de uma maior explanação):

A literatura de autoria feminina nas sociedades pós-coloniais é considerada por Gayatri C. Spivak um processo metonímico da saga das mulheres usado como ferramenta de denúncia, que possibilita a quebra de mitos e preconceitos há muito reforçados pelo discurso patriarcal. (...) O objetivo desta tese é investigar nos romances A Louca de Serrano e O alegre canto da perdiz, de Dina Salústio e Paulina Chiziane, respectivamente, como se constrói a temática da loucura, representada pelas mulheres africanas (e personagens) Louca de Serrano e Maria das Dores (louca do rio), que pode ser compreendida como uma voz carregada de solidão, dor, negação, rebeldia e inconformismo e como marca de resistência à marginalização feminina nas e pelas práticas sociais hegemônicas. aqui


E pronto, fico por aqui. Resta-me pedir à autora que tenha a fineza de mandar fazer uma nova edição do referido livro, que parece ter sido muito limitada. Portanto, um apelo:

Dina Salústio, há quem queira ler "A Louca de Serrano"!


Meus amigos, tenham muito bom dia.

Abraços

Olinda


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Nota:
Veja aqui, no Xaile de Seda, dois belos poemas de Almada Negreiros, ilustrados com trabalhos seus:

Reconhecimento à Loucura
Rio-me sim rio-me do que fazem