1556 - As vigias ora estavam cobertas pela espuma, ora lavadas pelas águas. Aqui e ali, pequenas algas transformavam-se em monstros marinhos, de braços trepando aos tombadilhos, surgindo do breu, para inundar o olhar dos marinheiros aterrados. No convés, dois homens abraçados tremiam o frio do degredo, enquanto cada um impedia o outro de se deixar dominar, a cada vez que caíam.
Mesas e cadeiras eram arrastadas, escadas abaixo até aos calabouços, os restos de comida alojados nas frestas da madeira dos soalhos, o imediato escondido na cozinha para se aquecer e tentar fechar as feridas dos joelhos; as velas rasgadas arrastavam as suas dores pela proa e ajudavam o assobio dos ventos a tornar-se mais aterrador.
Dois ladrões agrilhoados, lutando contra as correntes, gritavam a quem quer que os acudisse, mas o guarda, sentado do outro lado da grade, chorando a sorte e o arrependimento, já não se poderia erguer da sua alcova, com um mastro tombado a prender-lhe o ombro e os dedos trémulos da mão ainda a tentar alcançar o molho de chaves que tilintavam trinta centímetros à sua frente.
Luís corria pela proa, atirado ao chão por uma vaga, para depois se erguer, a esforço, avançar alguns metros e ser, de novo, lançado ao ar pelo balancear da embarcação. Havia quem avistasse o capitão, ajoelhado perto do leme, rezando sabe-se lá a que deus. O negro da noite não permitia que se encontrasse a mão procurada, por entre a chuva e a luz dos relâmpagos.
De longe, se alguém o pudesse ver, aquele navio não passaria de uma folha seca da árvore que morre, projectada nos ares agitada pelo vento, para ser mastigada pelas águas e fazer-se nuvem, até reingressar no ciclo das coisas, para que nascesse, talvez, flor noutro lugar qualquer. Mas essa história não é a de que esta narrativa fala. Na história desta narrativa, não há qualquer redenção pela naturalidade do tempo, na regeneração dos corpúsculos feitos órgãos, corações, tornados novos seres vivos, alguns deles, humanos.
A casca de noz que dançava irracional a meio das ondas não teria um minuto para a salvação, em cada um dos seus homens, no olhar das suas mulheres, uma a uma, chamada pelo nome próprio. Luís corria, Luís corria mais um pouco, e era deitado ao chão, escorregava pelo barco balanceado pela tempestade, era arrastado com outros homens pelos restos do abrigos, até que os ossos embatessem nos corpos daqueles que se haviam já rendido.
Excerto: 10 histórias de amor em Portugal, de Alexandre Borges, pgs 28 a 30
Meus amigos, isto é uma história de amor. Hoje não avanço
muito mais para vos dar a oportunidade de adivinhardes
de quem se trata, isto é, que par é este...
Abraços
Olinda
Continua...
====
Me gusto el relato es genial. te mando un beso.
ResponderEliminarMuito obrigada, J.P.Alexander.
EliminarUn beso.
Olá, amiga Olinda,
ResponderEliminarNão conheço esta história de Alexandre Borges. Mas, pela narrativa aqui partilhada deste excerto, diria que se trata de Luís de Camões. Defendendo com tudo que podia os Lusíadas. Resumindo: defendeu com a própria vida a sua obra prima, o amor da sua vida.
Esta é a minha conclusão. Não sei se errada ou não.
Excelente partilha, minha amiga.
Deixo os meus votos de uma feliz semana, com muita saúde e paz.
Beijinhos.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com
Olá, caro Mário
EliminarRespondo mais abaixo.
Olá, amiga Olinda,
ResponderEliminarNão conheço esta história de Alexandre Borges. Mas, pela narrativa aqui partilhada deste excerto, diria que se trata de Luís de Camões. Defendendo com tudo que podia os Lusíadas. Resumindo: defendeu com a própria vida a sua obra prima, o amor da sua vida.
Esta é a minha conclusão. Não sei se errada ou não.
Excelente partilha, minha amiga.
Deixo os meus votos de uma feliz semana, com muita saúde e paz.
Beijinhos.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com
Um raciocínio muito válido.
EliminarAndou lá perto, andou.
Ainda falta algo para este caso de amor
se transformar num "trio"...
Um abraço
Não faço ideia de que par se trata, mas parece uma caravela a dobrar o cabo das Tormentas... Onde o Luís de Camões se abraça ao Vasco da Gama. Mas isso não dá para uma história de amor... e deveria ser em 1497...
ResponderEliminarA história de amor que me vem à ideia é a de Pedro e Inês, mas foi muito antes de 1556.
Resumindo, não sei. Sei que o Alexandre Borges escreveu vários romances históricos e é um escritor premiado, mas como não li este livro...
Boa semana.
Um abraço.
Tem razão, tem. A caravela mais parece estar a sulcar
Eliminaro mar tempestuoso daquelas bandas. Mas foi o que se
pôde arranjar...em vez de uma barcaça a enfrentar a
fúria do rio Mecom.
Abraço
O texto arrepiou-me, pegou-se-me à pele. Só podia imaginar a tempestade e a aflição de quem sentia o naufrágio tão perto. Fico à espera do resto desta história tão bem contada.
ResponderEliminarTudo de bom, minha Amiga Olinda.
Uma boa semana.
Um beijo.
Amiga Graça
EliminarUm texto arrepiante, na verdade.
Mas acho que vai piorar.
Beijinhos.
Luís de Camões vai salvar-se e ao seu amor "Os Lusíadas "!
ResponderEliminarTalvez.
.
Abraço
Muito bem, Rosa dos Ventos.
EliminarFalta um elemento, como disse ao Mário Margaride.
Mea culpa! Falei num par. Devia ter referido um
trio.
Abraço
Boa tarde de Paz, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarConfesso que não sei a qual história de amor se refere... vou aguardar com expectativa.
Uma coisa me chamou muita atenção:
"Enquanto cada um impedia o outro de se deixar dominar, a cada vez que caíam."
Fiquei imaginando o tsunami que atingiu o RS aqui e como é difícil tentar se dominar para se salvar, mesmo um ajudando o outro.
Impedir o outro de se deixar dominar pela fúria das diversas catástrofes é ser herói.
Muitos não conseguem pois são arrastados primeiro.
Interessante o novo tema que traz em pauta agora. Vou gostar de saber das histórias de amor em meio às tragédias talvez?!
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos com carinho fraterno
Querida Rosélia
EliminarQuando as forças da natureza atacam somos mesmo
pequeninos. O problema é que depois, passadas
as atribulações, esquecemo-nos completamente do
respeito que devemos ter para com o nosso Planeta.
O povo do RS tem sofrido muito.
Beijinhos.
Não sei qual o par, mas senti o terror daqueles que se encontram nesta embarcação com um naufrágio se aproximando. Fiquei curiosa de saber deste amor não revelado. Bjssss.
ResponderEliminarOlá, Norma
EliminarAdorei a sua participação.
Para dificultar ainda mais, depois de lidas as respostas,
chego à conclusão de que falta um elemento aqui neste
caso de amor...
Beijinhos.
Bom dia Olinda,
ResponderEliminarNão conheço a obra de Alexandre Borges e gostei imenso da narração desta tempestade trágica que assustava os marinheiros de modo atroz, que se sentiam perdidos e sem norte dentro da embarcação.
Infelizmente não sei a que personagens se refere a narrativa.
Vou ler os capítulos seguintes.
Beijjnhos,
Emília
Entrando aqui, pareceu-me lobrigar um nome que sugere outro nome a que aliei a tempestade. naufrágios....
ResponderEliminarÓtima ideia, querida Olinda!
Beijinho