sexta-feira, 15 de abril de 2022

Onde estavas no 25 de Abril de 1974?

Pergunta que tem sido feita ao longo destes quarenta e oito anos. Ultimamente nem tanto. Outros assuntos têm surgido substituindo os debates e a curiosidade sobre essa data que mudou a vida de muita gente. Além disso, a paixão revolucionária já não é a mesma e o dia foi institucionalizado. Os jovens não têm bem a noção do que se terá passado nessa época de censura e de falta de liberdade. 

Em contrapartida, os jovens de então que por lá combateram para defender algo que nunca chegaram a compreender, muitos perdendo a vida e os que se salvaram vivem num limbo de recordações e pesadelos, nao conseguem libertar-se desse trauma nem falar sobre esse tempo. Famílias inteiras continuam a sofrer os seus efeitos. Um sofrimento camuflado e esquecido pela sociedade.

Ademais as comemorações já nada têm a ver com o povo. As elites fecham-se entre quatro paredes e algumas individualidades dizem de sua justiça sobre o que pensam ter sido o "25 de Abril", com o romantismo que parece tomar conta do passado.

Neste ano de 2022, resolvi colocar a pergunta a uma amiga: Luísa, onde estavas tu no dia 25 de Abril de 1974? Com um sorriso ela responde: Oh menina eu já nem sei, depois de tantos anos sei lá eu! Compondo um ar sério dispõe-se a dizer onde e o que estava a fazer: Como poderia esquecer?

Trabalhava por turnos no serviço municipalizado de água e electricidade, em máquinas perfuradoras da IBM-Informática, e no dia 25 de Abril de 1974 calhou-me o turno da manhã. Como sempre, encontrava-me antes das 7 no café em frente, a comer uma sandes de omelete com café quando alguém diz: Houve um golpe em Lisboa. Ah, sim? Quase com desinteresse. Ninguém pensava que tal golpe iria chegar tão longe e muito menos pressagiava o que se seguiria.

Em poucos dias, iniciou-se uma caça ao homem por toda a cidade, indagações sobre quem era e quem não era deste ou daquele partido, no local de trabalho grassava um clima de incerteza e notícias circulavam sobre este e aquele que tinham sido retirados durante a noite de suas casas. Viam-se homens armados nos terraços em tiroteios que atingiam os apartamentos de pacíficos cidadãos. O controlo, de armas em riste, em várias zonas a pessoas pacatas que saíam do seu trabalho, tornou-se um ritual do quotidiano. A insegurança tomou conta das nossas vidas, com os partidos* na rádio a reivindicarem os seus direitos, uns em relação aos outros, promovendo a guerrilha urbana e a tropa portuguesa, pusilânime, sem ter mão na situação.

Os dias começaram a ser marcados pelo martelar do encaixotamento dos haveres, sem se saber se haveria hipóteses de embarcá-los. Filas e mais filas de carros, de pessoas a pé, no cais tentando arranjar lugar nos navios. O aeroporto pejado de gente, com os filhos ao colo e pela mão, com pequenas malas ou sacos, ar desorientado e perdido. Notícias vindas de outros lugares em Angola diziam-me de familiares a tentar atravessar o deserto da Namibe em direcção a Africa do Sul e outros a demandar o Brasil e demais paragens.

Claro que isto é um pobre resumo desses dias de Gomorra e Sodoma. Contar-te-ei numa próxima conversa a continuação da minha própria odisseia, nomeadamente, quando cheguei como retornada sem nunca ter cá estado - diz ela com um esgar amargo...



Meus amigos: 

Esta é a Sexta-feira da Paixão da Liturgia cristã, elejamo-la como tempo de reflexão mesmo para os não crentes. Há quarenta e oito anos terminava a guerra do ultramar, há setenta e sete anos a segunda guerra mundial. Depois desta, seguir-se-ia a chamada guerra fria entre as duas grandes potências, EUA e URSS, em que o mundo tremia só de pensar num desastre nuclear. 

E agora temos a Ucrânia invadida pela Rússia. Mas antes a anexação da Crimeia. Também têm-se mantido guerras regionais em vários locais do globo, alimentadas por quem fabrica armas e por quem pugna pela hegemonia. Há povos que morrem de fome e de sede, desabrigados.

Muito temos em que pensar, e se nada podemos fazer para travar esses conflitos poderemos optar por cultivar a paz entre nós, nas nossas famílias, entre os amigos. Sei que estamos muito descrentes da boa vontade entre os humanos, mas temos de continuar a tentar e empregar nisso toda a nossa capacidade...de amar. 

BOA PÁSCOA!

Abraços
Olinda


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Imagem Moçambique - daqui

*Leia-se "Movimentos de Libertação: MPLA, FNLA, UNITA".

5 comentários:

  1. ... optar por cultivar a paz entre nós, nas nossas famílias, entre os amigos.

    Bom dia de Sexta da Paixão, querida amiga Olinda!
    É tempo de reflexão!
    Setenta e sete, um número especial se decorreu após a última guerra mundial.
    Oxalá não se decorra outra, já que há indícios fortes...
    Na Paixão de Cristo, reflitamos sobre a Paz interior para que ela seja solida a fim de ganharmos forças para enfrentarmos tudo que ainda venha pela frente.
    Tenha um percurso pascal abençoado junto aos seus familiares, amiga.
    Beijinhos carinhosos e fraternos

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  2. Era muito jovem mas ... já estava a trabalhar.
    .
    Deixando votos de uma Páscoa muito Feliz, extensivos à sua família, e mais pessoas, que estejam em seu coração.
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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  3. Eu ia no carro a caminho da escola e continuei.
    Prático a paz na família, com os amigos e com todos os que me são próximos.
    De resto nada posso fazer.

    Abraço

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  4. Trabalhava e continuei a trabalhar. Não me perturbou nem fez despontar alegria. Apenas analisei o meu "tempo de Guerra" com (mais) seriedade e compreensão e assumindo que a Corporação Militar há algum tempo se movimentava nas sombras justificando os seus pretextos: Pessoal do Quadro Permanente dentro dos Quartéis; Milicianos para as acções no exterior e no Mato.

    Aproveito para desejaer uma Santa e Feliz Páscoa.



    Beijo
    SOL da Esteva

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  5. Era pequenita, nem me lembro!
    "Nesta altura em que a paz no mundo é muito escassa, resta-me apenas, deixar uma ressalva para o povo Ucraniano, - aos sobreviventes e aos que lutam - muita força e coragem, sobretudo, esperança para poderem RECOMEÇAR uma nova vida em qualquer País."
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    Extensivo a todos, uma Páscoa Feliz.
    Beijos e abraços.

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