119 (c.1932)
Sós nas grandes cidades desamigas,
Sem falar a língua que se fala nem a que se pensa,
Mutilados da relação com os outros,
Que depois contarão na pátria os triunfos da sua estada.
Coitados dos que conquistam Londres e Paris!
Voltam ao lar sem melhores maneiras nem melhores caras
Apenas sonharam de perto o que viram -
Permanentemente estrangeiros.
Mas não rio deles. Tenho eu feito outra coisa com o ideal?
E o propósito que uma vez formei num hotel, planeado e ligado?
É um dos pontos negros da biografia que não tive.
ÁLVARO DE CAMPOS
***
Portugal país de emigrantes, ouve-se dizer. Com efeito, desde há séculos as descobertas pelo mundo mais não eram do que vontade de mudar de vida e de encontrar condições de sobrevivência. Primeiro os nobres que só alcançavam benesses e títulos através de batalhas e de conquistas. Depois os capitães dos barcos, os marinheiros, os ajudantes de marinheiros, aqueles que eram procurados pela justiça, os jovens carregados nessas viagens para fazer toda a espécie de serviços e outros que fugiam para longe à procura de liberdade.
Temos notícias de emigrantes para o Brasil e outras terras como a França, neste caso, emigração clandestina denominada "a salto", pessoas que preferiam ir para o desconhecido, sair das suas aldeias, viver em bairros de lata, passar mal lá longe, para depois regressarem tomando o nome das terras onde deixavam o suor e as lágrimas. Quando começou a colonização das terras de África, muitos eram enviados para lá com algumas promessas, outros degredados para cumprirem pena.
É preciso dizer mais?
Sim, temos a outra face da moeda que é a imigração. Pessoas que têm demandado a Europa procurando meios de subsistência ou para fugir de guerras e perseguições. O corredor utilizado, normalmente, tem sido o Mediterrâneo, o Mare Nostrum, e sabemos bem das tragédias que têm acompanhado esses migrantes. Portugal parece ser uma das portas de entrada dessa migração. Ainda agora desembarcaram alguns no Algarve, que foram apanhados e levados para um centro até o dia do seu repatriamento. Fico a pensar como seria se, nas mesmas circunstâncias, algum de nós fosse repatriado tendo que arrostar com tudo o que iria encontrar quando chegasse à terra de onde fugira.
A Lei de Imigração nº. 9/2025, de 13/02, vem alterar a Lei 23/2007, de 04/07, com sanções para os cidadãos estrangeiros que entrem ilegalmente no país. Ainda que reconheça que deve haver regras, há que fazer uma análise humanista da situação. Tem-se ouvido bastante a questão do reagrupamento familiar que, parece, não estar bem acautelada.
Que os legisladores vistam a pele dos desapossados da sorte.
===
Poema In: Fernando PessoaObra completa de Álvaro de Campos
Pg. 298