quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Terramoto de 1755 - 270 anos

 Em 1755, Lisboa seria a quarta maior cidade da Europa e a sua escala era acompanhada por uma ostentação ímpar. Os viajantes costumavam elencar o cortejo das raridades: a Igreja Patriarcal, com a sua legião de músicos e cantores, as joias da Igreja de S. Roque, o faiscar dos diamantes encrustados em toalhas, cortinas e paramentos, as alfaias forjadas em metais preciosos. No Paço da Ribeira - habitação do rei - havia tapeçarias da Flandres, tetos pintados por mestres italianos, porcelanas chinesas e uma biblioteca vastíssima. (...)

 As famílias enriquecidas pelo comércio imperial compravam artigos de luxo às melhores lojas da Europa, relógios e baixelas de prata, bordados e porcelanas, não esquecendo a roupa das mulheres ricas, vestidas à francesa, com os seus caríssimos xailes e luvas de tecido oriental. 

 Era sobretudo o ouro do Brasil, chegado a Lisboa, o que permitia comprar os distintos casacos, as meias de seda e as cabeleiras de fabrico francês, os ricos móveis do Oriente, e o que permitia alimentar festas e sumptuosos fogos-de-artifício, para além dos monumentos majestosos, como a famosa e gigantesca Ópera, onde havia camarotes luxuosos e até uma porta para introduzir cavalos no palco. (...)

André Canhoto Costa, Recordar 1755, pgs 40,41 



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 Faltavam apenas dois meses para o ano seguinte. Mas, como diz o ditado, o homem põe e Deus dispõe. O terramoto viria abalar irremediavelmente o status quo em vigor. Acontecera o impensável, o que abalaria a Europa nos seus fundamentos societais e, inclusivamente, no aspecto das crenças das pessoas que viram nisso o castigo de Deus.

 O autor, neste seu livro, começa por falar da Lisboa antiga com todos os seus privilégios que viria a ser destruída, literalmente, pelo abalo sísmico de 1755. Uma obra que toca nos pontos nevrálgicos do Império e que traz muitos Code QR para nos informar sobre os documentos a que faz referência.

 O homem que se distinguiu nesse trágico acontecimento, como sabemos, foi o Marquês de Pombal e Conde de Oeiras, Sebastião Jose de Carvalho e Melo, Secretário de Estado do Reino, de 1750 a 1777, durante o reinado de D José.  Além da sua acção no terramoto de 1755, com a consequente reconstrução da cidade de Lisboa, protagonizou o processo dos Távoras e a expulsão dos Jesuítas de Portugal e colónias. 

Representante do despotismo esclarecido em Portugal, que defendia a exaltação do Estado e o poder do soberano, incorporada por ideias iluministas, várias foram as reformas administrativas, sociais e económicas que levou a efeito. Entre elas assinala-se a criação da Real Mesa Censória em 1768, com o objetivo de transferir, na totalidade, para o Estado a fiscalização das obras que se pretendessem publicar ou divulgar no Reino, o que até então estava a cargo do Tribunal do Santo Ofício aqui

 Na sequência do terramoto, vemos intelectuais da época analisar e opinar sobre o que acontecera como, por exemplo, M. de Voltaire, de seu nome, François-Marie Arouet. Ele produz, sobre o assunto, um extenso poema. 

Eis um excerto:

"Ó infelizes mortais! Ó terra lastimável!

Ai da horrível comunhão de todos os mortais!
Exercício eterno que inúteis dores mantém!
Filósofos iludidos que gritam: “tudo está bem”,
Vinde depressa e contemplai as horrendas ruínas
Esses destroços, esses farrapos, essas cinzas desgraçadas,
Essas mulheres e crianças, umas amontoadas sobre as outras;

..."

 Na gestão desta calamidade, foi atribuída ao Marquês de Pombal esta frase: Enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Contudo, a mesma terá sido da autoria de Pedro de Almeida, 1º Marquês de Alorna.

Voltarei com mais um apontamento. 

Abraços, meus amigos

Olinda


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Recordar 1755 - De André Canhoto Costa, 1ª edição Outubro de 2025

imagem: net

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Que desabrochem flores...

 Havia em Babilónia uma canção. Tão prenhe de memória que explodia em multidões...

Um dia, alquebrados, mas vivos, os babilónios ocuparam a rua. Com fome de pão e de Futuro. E abarrotaram avenidas e praças, num coro de estrofes e emoções...

Hammurabi, o legislador, cofia a barba: há que subir o pré aos generais.

Chegou tarde, porém - os generais estão indignados...

Dizem alguns que os Escribas estão a mudar de campo. E relatam...


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Um poeta cego e semilouco exclama: que desabrochem flores na ponta dos sabres!...

In: Notícias de Babilónia e outras metáforas, pg 95, de Manuel Veiga


O autor entende a crise racionalmente, mas sente-a emocionalmente. É sobretudo um criador de poesia, da qual não se desembaraça nestes textos. As suas metáforas políticas, quase sempre amargas, constituem, de alguma forma, insurgências de uma zombaria ancestral, com que a arraia-miúda se vingava dos desmandos dos poderosos. Outras vezes, os textos ecoam uma plangência dorida e esperançosa, como gestos solidários que se expõem desamparados ao leitor (…) do prefácio de António Bica João Corregedor




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Imagens: net

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Tertúlia de Amor (4)

 


Convite da amiga Rosélia para esta 

Tertúlia de Amor

a decorrer até Dezembro

(Um post por mês)

BLOG: AMORAZUL




Reencontro


Na Promenade des Anglais, em Nice, o  mar sussurrava e enviava as ondas como mensagens aos transeuntes trajados de roupas estivais. Os pares avançavam mansamente, com vagar, naquele fim de tarde dourado. Segredavam coisas e davam risadas gostosas, aspirando a brisa que
cheirava a maresia. 

Dinola e Manuel seguiam naquele balancé, enterravam os pés na areia e sentiam a sua frescura, saltavam alegremente, corriam atrás um do outro completamente descontraídos e dando graças por se terem reencontrado.

Estiveram longe durante quanto tempo? Cinco anos, dez anos? Que importa? Contra todas as expectativas, deram de caras numa excursão em Saint Paul de Vence, pelas aldeias medievais, no momento em que Dinola quase torcia um pé numa das ruelas floridas. Providencialmente foi socorrida por Manuel e desataram às gargalhadas quando se reconheceram. 

A partir desse momento, ficaram inseparáveis, procurando afincadamente restaurantes que lhes lembrassem os sabores do passado e admirando-se com pinturas de Matisse e outros pintores, e passeando por recantos maravilhosos.

Agora, ali estão eles felizes, ao pé do mar, desafiando o tempo e pensando apenas que esse mesmo tempo lhes oferecia aqueles momentos como uma dádiva.
 
No seu encantamento, amantes de dança, ouviram, não se sabe de onde, acordes lindíssimos de piano e deixaram-se levar, embalados naquele pôr-do-sol... 

Olinda 



Maria João Pires
Aplaudida mundialmente, acaba de
anunciar o fim da sua carreira
como intérprete


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Imagem: net