terça-feira, 23 de setembro de 2025

O amarelo actual que as folhas vivem




Quando, Lídia, vier o nosso Outono

Com o Inverno que há nele, reservemos

Um pensamento, não para a futura

Primavera, que é de outrem,

Nem para o Estio, de quem somos mortos,

Senão para o que fica do que passa —

O amarelo actual que as folhas vivem

E as torna diferentes.


Ricardo Reis




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Ricardo Reis (19 de setembro de 1887) é um dos quatro heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, tendo sido imaginado de relance pelo poeta em 1913 quando lhe veio à ideia escrever uns poemas de índole pagã.

aqui



Um Outono metafórico como imaginária é a figura de Lídia.
Mas a realidade é bem diferente. O nosso Outono já deu entrada neste nosso hemisfério, mais precisamente por cá. Tempinho fresco, mas a prometer calor lá mais para a frente, e alguma chuva que não chega para apagar os incêndios que já voltaram.

Mas tenho umas belas palavras, do nosso poeta Luís Rodrigues, que tomo a liberdade de transcrever:



O Outono

é um lugar só nosso

onde guardamos a beleza
 
das estações da vida

L.R.



Abraços. meus amigos.
Olinda




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13-6-1930

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994). 

 - 120.

1ª publ. in Presença , nº 31/32. Coimbra: Mar./Jun. 1931.

domingo, 14 de setembro de 2025

Vive o instante que passa




Vive o instante que passa. Vive-o intensamente até à última gota de sangue. É um instante banal, nada há nele que o distinga de mil outros instantes vividos. E no entanto ele é o único por ser irrepetível e isso o distingue de qualquer outro. Porque nunca mais ele será o mesmo nem tu que o estás vivendo. Absorve-o todo em ti, impregna-te dele e que ele não seja pois em vão no dar-se-te todo a ti. Olha o sol difícil entre as nuvens, respira à profundidade de ti, ouve o vento. Escuta as vozes longínquas de crianças, o ruído de um motor que passa na estrada, o silêncio que isso envolve e que fica. E pensa-te a ti que disso te apercebes, sê vivo aí, pensa-te vivo aí, sente-te aí. E que nada se perca infinitesimalmente no mundo que vives e na pessoa que és. Assim o dom estúpido e miraculoso da vida não será a estupidez maior de o não teres cumprido integralmente, de o teres desperdiçado numa vida que terá fim.

Vergílio Ferreira
, in 'Conta-Corrente IV'



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Aldeia de Melo - a aldeia eterna, no dizer de Vergílio Ferreira. É lá que está a decorrer o Festival Literário designado "Em nome da Terra", de 11 a 15 do corrente mês de Setembro, celebração das palavras e da memória. 
Inspirado no legado literário e na dimensão interartística da escrita de Vergílio Ferreira, o festival inclui propostas para públicos de todas as idades onde se incluem conversas com escritores, oficinas criativas, visitas às escolas, sessões de mediação de leitura, formação para docentes, apresentação de livros, música ao vivo, cinema documental, exposições e performances literárias.



Boa semana, amigos.
abraços
Olinda


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Texto: incitador
1ª imagem: pixabay
Acima: casa onde Vergílio Ferreira cresceu, na aldeia de Melo.


segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Cítara de teus dedos





Que a cítara em teus dedos se desdobre
Nos sentidos em mim despertos...

E dos sons longínquos
Apenas eco e murmúrio e dor da ausência
Seja em minha boca o brado

E a bruma se desvaneça
E tudo seja claro...

Que peregrino por ti
Me reconheço. E outra eternidade
Não quero...

In Coreografia dos sentidos
pg 92





...
uma coreografia de autor em que se reconhece o caminho já andado, mas onde a montanha se faz vale, ou seja, acolhe-se num múltiplo eu em busca do outro.

o que em Manuel Veiga é um destino sem cenários vagos.

tudo o absorve tudo lhe é pródigo e prece.
...

Isabel Mendes Ferreira




Nat King cole
Unforgettable







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Boa semana, amigos.

Abraços.
Olinda


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Alguns posts aqui no Xaile de Seda, sobre Manuel Veiga
Imagem: Pixabay