Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro (1900-1994) foi uma escritora, poetisa, tradutora portuguesa.
Foi Fundadora e directora da Associação Nacional dos Parques Infantis e da revista «Bem Viver» e de diversas acções em prol do turismo. Escreveu músicas para fado, marchas e canções infantis e, também, argumentos para cinema e bailado. Ver mais aqui
DUNAS
GNR
Uns diazitos ao pé do mar. Sol, mar e dunas. Enterrar os pés na areia e sentir a água rumorejar como se contasse segredos antigos. E mais ali ao lado a arte xávega, ao fim da tarde. Nas horas mais quentes, um livro.
Tenho estado a ler alguns livros de Philippa Gregory sobre a "Guerra das Rosas", de 1455 a 1487, entre a Casa Lencastre e a Casa de York, uma guerra feroz entre primos. Tratando-se de uma aristocracia terra-tenente, o objectivo maior era deixar herdeiros, prometendo em casamento meninos e meninas no sentido de juntar casas e fortunas. Assim, o importante era ascender ao trono e permanecer ali e se necessário mandar decapitar familiares e amigos que tentassem impedir esse estado de coisas, no seu próprio interesse, como é evidente.
O penúltimo romance que li foi "A Rainha Branca", referente à flor branca dos York. A esposa de Eduardo IV de nome Isabel Woodville, era tida como bruxa dizendo-se que o seu poder lhe vinha de Melusina, personagem da lenda e folclore europeus, um espírito feminino das águas doces em rios e fontes sagradas. Ela é geralmente representada como uma mulher que é uma serpente ou peixe (ao estilo das sereias), da cintura para baixo.
Consta que, a beira do rio Tamisa, Isabel Woodville e a mãe, Jacquetta de Luxemburgo, lançariam pragas para que Melusina produzisse tempestades no sentido de que a parte contrária não pudesse avançar com as suas tropas.
Posto isto, chamou-me a atenção a notícia de que um documentário da autoria de Melanie Pereira ganhara o prémio de grande vencedor do 21º festival de cinema DocLisboa, em 2023, com este título: "As Melusinas à Margem do rio".
Esse documentário nada tem a ver com a Guerra das Rosas, mas sim com Melusina e o rio e sobre o fenómeno da imigração. Fala da história de cinco mulheres, reflectindo sobre identidades fragmentadas e sentimentos de não pertença: Ana-Filipa, Melina, shanila, Amela, e a própria realizadora, Melanie, nascidas em Luxemburgo de pais imigrados. A finalidade do filme é, precisamente, tentar uma reconciliação com o país que as viu nascer. Contudo, no trailer diz-se que o que é fragmentado não tem reconstituição possível.
Eis uma passagem do referido documentário:
Há também algo de profundamente terapêutico na forma como Melanie Pereira, se aproxima das suas amigas: Ana Filipa, Melina, Shanila e Amelia. As conversas que partilham não têm pressa. São feitas de pausas, de memórias familiares, de perguntas difíceis como “De onde és, afinal?”. O que para muitos é uma pergunta banal, mas para elas é um poço sem fundo. “As Melusinas à Margem do Rio” não procura respostas fáceis. Antes, tenta habitar o desconforto, o desenraizamento, a sensação de nunca se ser “de lá”, mesmo quando se nasceu lá. A segurança económica e o conforto social do Luxemburgo não apagam o sentimento de exclusão cultural. E é nesse desfasamento que nasce a dor, mas também a arte e a simplicidade da realizadora.
Transpus a similaridade deste caso para outros que conheço, de filhos de imigrantes que nascem em países que não os dos pais e que lutam toda a vida com essa diferença.
Um exemplo flagrante, mal estudado, é o caso dos filhos dos europeus que vieram de África, os chamados retornados, que nunca se integraram verdadeiramente e os filhos dos africanos que carregam nas costas a marca desse estrangeirismo.
O papel do documentário referido acima é deveras importante porque foca esse sentimento de não pertença. Filhos sem terra, quase expatriados, que não pertencem a lado nenhum, que tentam construir uma vida baseada no trabalho, na integração social e política e que nem sempre se sentem realizados.
Abraços, amigos.
Olinda
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Imagem: pixabay
Embora o documentário se refira a Luxemburgo, em homenagem aos livros de Philippa Gregory optei pela imagem acima. Isabel Woodville esteve muito tempo refugiada com os seus filhos, na Abadia de Westminster.
Ver aqui"As Melusinas à Margem do Rio - Análise / Uma história de sereias reais".
Aos poucos, eu sentia a nossa família quebrar-se como um pote lanado no chão. Ali onde eu sempre tinha encontrado meu refúgio já não restava nada. Nós estávamos mais pobres que nunca. Junhito tinha os joelhos escapando das pernas, cansado só de respirar. Já nem podíamos machambar.Minha mãe saía com a enxada, manhã cedinho, mas não se encaminhava para parte nenhuma. Não passava das micaias que vedavam o quintal. Ficava a olhar o antigamente. Seu corpo emagrecia, sua sombra crescia. Em pouco tempo, aquela sombra se ia tornar do tamanho de toda a terra.
Mesmo para nós, que tínhamos bens, a vida poentava, miserenta. Todos nos afundávamos, menos meu pai. Ele saudava a nossa condição, dizendo:a pobreza é a nossa maior defesa. A miséria faz conta era o novo patrão para quem trabalhávamos. Em paga recebíamos protecção contra más intenções dos bandidos. O velho exclamava, em satisfação:
_É bom assim! Quem não tem nada não chama inveja de ninguém. Melhor sentinela é não ter portas.
Excerto: Terra Sonânbula, de Mia Couto - pg.15
Mia Couto, pseudônimo de Antônio Emílio Leite Couto, nasceu na cidade da Beira, em Moçambique, África, no dia 5 de julho de 1955. É filho de Fernando Couto, emigrante português, jornalista e poeta que pertencia aos círculos intelectuais de sua cidade. Ver mais aqui
Apesar de ter nascido solta e desenvolta, livre, ainda há quem pense ser dela o dono policiando no escuro a língua, não vá um mal-intencionado beliscar um acento ou acrescentar uma abertura em lugar incerto ou, ainda, quem sabe?, virgular o que deve ser pontofinalizado.
Mas a língua não se importa que a façam voar em vozes e falas, que a enrolem em pergaminhos, folhas simples ou papel reciclado; o certo é que em silêncio ela grita e mesmo quando, inseguros, nela deitamos a mão... questionando... a língua é sempre testemunha.
O dia 29 de Junho é celebrado como o Dia de São Pedro, na Póvoa de Varzim e Sintra. Esta data foi escolhida em referência à tradição católica de celebrar o martírio de São Pedro e São Paulo, ambos considerados os principais santos da Igreja Católica. Neste mesmo dia é celebrado o dia do Papa, visto São Pedro ter sido o primeiro Papa da Igreja Católica.
(a pretexto de uma mulher de Portinari que lembra Picasso (ou Antonello?)
Meus versos já têm o seu detractor sistemático: uma misoginia desocupada entretém os ócios compridos, meticulosamente debruçada sobre a letra indecisa de meus versos. Em vigília atenta cruza o périplo das noites de olhos perdidos na brancura manchada do papel, progredindo com infalível pontaria na pista das palavras e seus modelos.
Aqui se detecta Manuel Bandeira e além Carlos Drummond de Andrade também brasileiro. Esta palavra vida foi roubada a Manuel da Fonseca (ou foi o russo Vladimir Maiacovsky quem a gritou primeiro?). Esta, cardo, é Torga indubitável, e se Deus Omnipresente se pressente, num verso só que seja, é um Deus em segunda trindade, colhido no Régio dos anos trinta. Se me permito uma blague, provável é que a tenha decalcado em O’Neill (Alexandre), ou até num Brecht mais longínquo. Aquele repicar de sinos pelo Natal é de novo Bandeira (Porque não Augusto Gil, António Nobre, João de Deus?). Estão-me interditas,
com certos ritmos, certas palavras. Assim,
não devo dizer flor nem fruto, tão-pouco utilizar este ou aquele nome próprio, e ainda certas formas da linguagem comum, desde o adeus português (surrealista) ao obrigatório bom-dia! (neo-realista). Escrevendo-o quantos poetas, sem o saber, mo interditavam apenas a mim; a mim, perplexo e interrogativo, perguntando-me, desolado: — E agora, José?, isto é, — E agora, Rui?
Felizmente, é pouco lido o detractor de meus versos, senão saberia que também furto em Vinícius, Eliot, Robert Lowell, Wilfred Owen e Dylan Thomas. No grego Kavafi, no chinês Po-Chu-I, no turco Pir Sultan Abdal, no alemão Gunter Eich, no russo André Vozenesensky e numa boa mancheia de franceses. Que desde a Pedra Filosofal arrecado em Jorge de Sena. Que subtraio de Alberto de Lacerda e pilho em Herberto Hélder e que — quando lá chego e sempre que posso — furto ao velho Camões. Que, em suma, roubando aos ricos para dar a este pobre, sou o Robin Hood dos Parnasos e das Pasárgadas.
Mas bastando-lhe o pouco que sabe de meus delitos, e sem esse tanto que ignora, o detractor de meus versos. relata circunstanciadamente e com detalhes perversos, a feia história de meus feios actos. A distracção de grupos sonolentos acorda enfim para o timbre esquisito do meu nome (Na sombra envenenada se entretece o primeiro braçado dos louros que hão-de cingir-me a fronte…). Por isso não quero mal ao detractor de meus versos. Antes lhe quero bem. Pela teimosa persistência do seu trabalho vigilante é afinal um detractor amoroso, o sistemático detractor de meus versos.
Rui Manuel Correia Knopfli (Inhambane, Moçambique, 10 de agosto de 1932 - Lisboa, 25 de dezembro de 1997), foi um poeta, diplomata e crítico literário e de cinema português.
Como um ramo de rosmaninho tão cheiroso nestes tempos de raiva, trouxeste-me alvíssaras da minha terra amada. De lá também recebi pelas tuas mãos uma cartinha perfumada de quem sinto saudades.
Saudades que enchem o peito de pena pelo sofrimento dos que lá vivem e que são perseguidos pelas vicissitudes e pelas injustiças cada dia mais atrozes.
Tu vieste, enfrentando perigos que eu sei enormes, e a que não deste importância porque o que desejavas era chegar até mim e consolar-me.
Senti que me tinhas trazido o céu, um céu estrelado com cânticos de anjos, um dia cheio de sol com flores de várias cores, um mar azul com veleiros no horizonte.
Por momentos, esqueci o mundo desfeito que tenho à minha volta e apreciei a generosidade do amor que me dedicas, tão grande como a imensidão do oceano.
Por tudo isso, sinto que por mais anos que viva serás sempre aquele por quem o meu coração baterá e que terei em ti o esteio por que sempre ansiarei.
Ouvi há dias, na TV, não sei em que canal e em que contexto, este termo: aminimigo. Talvez em algum comentário, mas no momento não pude prestar atenção. Contudo, percebi que se tratava de amigo e inimigo aglutinados e lembrei-me de George Orwell no seu 1984, em que aborda a destruição das palavras na óptica de Winston (personagem renitente, mas que acaba por soçobrar) e de outro interveniente, Syme, que trabalha no ministério dedicado a essa função e que parecia ser a política vigente.
Segundo a ideologia do Grande Irmão ou Big Brother a ideia era simplificar, criando uma novilíngua, com palavras que seriam perfeitamente compreensíveis sem se ter de acrescentar mais nada. Enquanto que uma palavra pode ter diversos significados na velhílíngua, nessa nova visão, crimepensar, duplopensar, imbom, e muitas outras seriam suficientes sem necessidade de haver sinónimos e antónimos. Assim sendo, um Dicionário estava a ser elaborado e até 2050 não haveria qualquer palavra obsoleta.
Sabemos que o termo aminimigo não foi criado agora. Aparece na imprensa em 1953 e parece querer descrever relações pessoais, geopolíticas e comerciais tanto entre indivíduos quanto entre grupos ou instituições. Este termo também descreve uma amizade competitiva.
Portanto, preparemo-nos. Temos abreviaturas, mas isso já vem desde a Idade Média. Engolem-se palavras, sendo eliminadas tanto da escrita como oralmente... Lêem-se textos com siglas e acrónimos de instituições que muitas vezes não conseguimos identificar. Temos a IA que pensa por nós, produz textos, activa conexões, cria imagens de acordo com as nossas instruções. Temos vozes que vêm do além e que contam as suas vidas...Há robots que poderão fazer os trabalhos mais pesados ou porque a tecnologia tem de avançar e sempre é mais cómodo...
Enfim, os pobres continuarão pobres, a guerra e a fome continuarão a fazer estragos. A falta de compaixão e as intrigas permanecerão.