quinta-feira, 21 de julho de 2022

Donde vem a trigonometria?

Passando por uma rua, vejo um grupinho folgazão junto a uma porta onde decorrem algumas aulas. Sinto passos em tropel atrás de mim e surge-me um dos rapazes com ar sabichão a perguntar-me: Olhe lá, sabe dizer-me em que consiste o teorema de Pitágoras. Eu, algo surpresa mas sem pensar muito, respondo: o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos. Creio que não conseguiria avançar muito mais ou sequer fazer uma demonstração a não ser visualizar a hipotenusa e os catetos num triângulo rectângulo. 

O certo é que o antigo sistema de ensino que se baseava, como se costuma dizer, em memorizar, de vez em quando permite-nos fazer alguma boa figura. Lembro-me que jamais esqueci a conjugação dos verbos e a cantilena da tabuada. Mas isso não vem ao caso...



O que vem ao caso, isto é, o motivo deste post é esta tabuínha que aqui vêem, em escrita cuneiforme, e que veio publicada numa notícia que dizia que os babilónios há 3.700 anos já dominavam conceitos de trigonometria, ramo da matemática que estuda as relações entre os comprimentos dos lados e os ângulos de triângulos, aplicando-a a trabalhos agrícolas.

Aliás, embora tenha lido sobre o tema há dias, estudos feitos por especialistas vieram a lume em 2017, focando que desde 1940 alguns historiadores sugerem que a tábua contém uma série de números que se assemelha ao teorema de Pitágoras, o homem que mil anos depois é tido como o teorizador deste conceito, segundo o qual o quadrado da hipotenusa, o lado mais longo de um triângulo retângulo, é igual à soma dos quadrados dos outros dois lados...

Não me vou alongar mais, até porque não é a minha área. Quem estiver interessado em ler mais sobre o assunto poderá fazê-lo através dos links que indico abaixo ou utilizando outras fontes. O que me interessa, na realidade, é emitir aqui num tom algo despropositado algumas flores de retórica, isto é, que afinal não somos uma tábua rasa.

Segundo Aristóteles a consciência é desprovida de qualquer conhecimento inato, argumento que John Locke, o empirista, recuperaria no século XVII. Para ele, todas as pessoas nascem sem conhecimento algum (i.e. a mente é, inicialmente, como uma "folha em branco"), e todo o processo do conhecer, do saber e do agir é apreendido através da experiência. 

Com efeito, a partir do século XVII - em que, como bem sabemos, o mundo científico começara a desabrochar em força, fundamentos filosóficos teriam o seu corolário no século seguinte naquilo que ficaria conhecido como Iluminismoo argumento da tábula rasa foi importante não apenas do ponto de vista da filosofia do conhecimento, ao contestar o inatismo de Descartes, mas também do ponto de vista da filosofia política, ao defender que, não havendo ideias inatas, todos os homens nascem iguais. Forneceu assim a base da crítica ao absolutismo e da contestação do poder como um direito divino ou como atributo inato.

Claro que isso do direito divino é uma construção filosófica para justificação da tomada do poder em determinadas ocasiões não só em relação ao absolutismo como em épocas mais recuadas, o que tem dado azo ao longo do tempo a discussões acaloradas.

Este tema não estará na ordem do dia mas, subrepticiamente, ele irrompe no nosso espírito levando-nos a pensar que, talvez, aliando o conhecimento transmitido através de gerações e uma certa dose de condições inatas a cada indivíduo - lembremo-nos dos sobredotados que, no entanto, trazem consigo heranças genéticas - se encontre o equilíbrio para compreendermos esse ser complexo que mora em cada um de nós.

A séculos de distância assistimos a coisas prodigiosas - mentes que desenvolvem ideias como que autonomamente, com um fio quase invisível a ligá-las... A nossa evolução tem essa característica misteriosa. O universo detém no seu âmago mistérios que ainda não entendemos verdadeiramente. A começar pelo nosso cérebro, essa máquina prodigiosa.

E embora se diga muitas vezes que não há coincidências, que as há ... há. :) 


Boa quinta-feira, amigos.

Abraços
Olinda


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Tábula rasa - aqui
Trigonometria em tablete - aqui
Babilónios e não Gregos... - aqui

15 comentários:

  1. Adoro matemática. Sempre foi o que mais gostei enquanto estudante.
    Um texto que gostei de ler
    .
    Cumprimentos poéticos
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  2. Eu sei que devia diversificar as minhas leituras mas já tenho pouco tempo para tudo o que queria ler.

    Abraço

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  3. Olá, querida amiga Olinda!

    "Todo o processo do conhecer, do saber e do agir é apreendido através da experiência."

    De todo seu texto que venho lendo já algumas vezes desde que o publicou, veio um toque especial no que recortei acima.
    Estava eu num encontro de orientadores, há uns anos, e veio a pergunta sobre o que seria conhecer. E, em meio ao mutismo da plateia participante, simplesmente disse: fazer a experiência...
    Claro que muitos dos que estavam lá deveriam saber a resposta, talvez por medo do grupo e da formação acadêmica, silenciaram no aguardo de um mais "corajoso" (que não é o meu caso, mas saiu assim espontaneamente).
    Eu só respondi porque tinha a certeza interna da experiência.
    Muito do que aprendi, só adquiri o real saber do que experimentava.
    Só pus no grupo minha vivência da palavra .
    Julgamo-nos tão avançados em comparação aos antepassados e, no entanto, já está em pauta que muitos dos nossos ascendentes já tinham noção de muita coisa além de nós. Eram muito mas avançados em muitos níveis.
    A comprovação do fato nos deveria fazer mais humildes...
    Tal como a inspiração acedia a muitos além de nós e, às vezes, com as mesmas características. Um estando no Norte e outro no Sul, um numa civilização e outro, noutra... E por aí vai.
    Gostei muito de refletir sobre o tema.
    Você revesa reflexão e outros em seus posts. Muito bom!
    Ah! Vou te contar um segredo: não suporto as exatas, mas estudava com o mesmo afinco e não desabonava meu boletim escolar nas matérias afins.
    Enfim, vejo as tais "coincidências" como comprovação de saberes paralelos em outros anos antes de nós, aliás, muito antes...
    Tenha um novo dia abençoado!
    Beijinhos💐

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  4. Gosto de ler no celular
    Mas precisamos ler mais!

    Um abraço

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  5. Belo tema para se discutir em "comunidade" (seja lá o que isso é). Mas o experimentalismo é (verdadeiramente) a melhor ideia para fixar ciência e conhecimento.
    Um assunto complexo sobretudo para a nova geração que tudo conhece pensando com os dedos...
    Parabéns, Olinda

    Beijo
    SOL da Esteva

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  6. Boa noite Olinda,
    Um artigo muito bem escrito, explícito e que me deu um enorme prazer ler.
    Gosto de me adentrar por matérias que não sendo o meu forte (embora goste de matemática) me ajudam a entender tanto do que não sei.
    Um beijinho e obrigada.
    Desejo-lhe um bom fim de semana.
    Ailime

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  7. Olá, querida Olinda, muito bom, recordei meus velhos tempos, as aulas de matemática, e que não eram meu forte!! rsssss
    Mas esse artigo está muito interessante, curiosa eu sou!! Vivo lendo o começo de tudo... só o começo, não o fim! rsss
    Uma ótima semana, saúde aí, e que o calor dê trégua, estamos vendo pela televisão, que triste, amiga!!
    Que os nossos irmãos portugueses se recuperem o quanto antes.
    Beijinho.

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  8. Parabéns por esse bem escrito e fundamentado texto. Embora digam que a matemática pode explicar tudo, nunca foi matéria que me prendesse. Memorizava o que ouvia e lia para fazer provas, tão somente. Tenho que o conhecimento não vem apenas da experiência, no sentido exato do termo. Aprendemos com a experiência de terceiros, com um olhar mais aguçado, com questionamentos sobre possibilidades, mesmo sem vivência. Esses mistérios nunca vão terminar, felizmente, pois é a busca de respostas que traz a evolução. Gostei demais de sua abordagem. Grande abraço.

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  9. Há coisas que é mesmo preciso decorar, desde logo a tabuada. Outros, para serem decorados, têm de ser percebidos (exemplo do Princípio de Arquimedes).
    Lembro de quando construí a minha casa, por administração direta, ensinei o teorema de Pitágoras aos trolhas por causa de traçar as esquadrias, que usavam um esquadro pequeníssimo, com os erros que daí advinham. Ficaram fascinados com a precisão do método. Afinal, não sabiam o que já era conhecido há milénios...
    Excelente post, gostei de ler.
    Boa semana, amiga Olinda.
    Um abraço.

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  10. Era de memorização a nossa aprendizagem, é verdade. Mais tarde começámos a entender o que aprendemos de cor. Concordo que a nossa evolução tem características misteriosas e que "o universo detém no seu âmago mistérios que ainda não entendemos verdadeiramente. A começar pelo nosso cérebro, essa máquina prodigiosa".
    Fiquei com vontade de estudar matemática...
    Tudo de bom para si, minha Amiga Olinda.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  11. Boa tarde, querida Olinda
    Matemática Nunca foi o meu forte...rs
    Gostei imensamente de ler o seu interessante texto.
    Agradeço a sua gentil visitinha.
    Tenha uma abençoada nova semana.
    Um carinhoso abraço
    Verena.

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  12. Querida Olinda.
    Como comigo é mais poesia, trago-lhe este excerto de um poema :
    "Diga lá meu companheiro, diga lá meu amigão
    Onde inicia a trigonometria
    Que até o nome é complicado
    Não deve ser tão fácil, não
    Ela inicia no triângulo, não no agudo ou obtuso
    É no triângulo retângulo."
    (...)

    Beijinho e boa semana.

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  13. hola Olinda es un estupendo post donde el tema de la trigonometria es la via comunicante de un amplio relato llenno de valor , a mi siempre me pareció un poco complicado y a la vez muy dificil de ver dentro de las normas que este conlleva como la escritura cuneiforme de los babilonicos donde el ser humanno y en tu ilustración del prologo nos dejas ver , ha sido un placer leerlo y de tedeseo Olinda tengas una feliz semana .jr.

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  14. Excelente texto, amiga Olinda.
    Aprendi a gostar de matemática com uma explicadora que tinha um jeitinho especial para ensinar. Nenhum dos meus professores foi capaz de tal feito.
    Aprendi a gostar e muitos anos depois acabei dando eu explicações. E sou de letras...
    Beijo, boa semana. Obrigada pela visita ao Pétalas.

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