Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das músicas,
à forma das letras.
Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.
Desculpai-me esta face que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.
Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.
Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória
são na verdade só destroços, destroços.
Cecília Meireles
In ‘Poemas 1958’ (Citador)
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E assim vamos nós contando os dias do nosso descontentamento, enfrentando escolhos em forma de relatórios, de palavras refundadas, de atitudes titubeantes daqueles que governam os nossos destinos. E a coisa vai chegando aos poucos, gota a gota, hoje é isto, amanhã é aquilo, não se vislumbra um planeamento, uma visão global dos estragos e do que é preciso fazer para repará-los.
O que nos abala é termos a sensação de que os sacrifícios exigidos não servirão de nada, de que nunca chegaremos lá, de que nunca veremos o fundo ao tacho da tal dívida soberana. E a tónica incide sobre determinada faixa etária e determinado grupo profissional, como fontes de toda a despesa pública como se não houvessem outras despesas a suprimir.
Que o Estado deve ser repensado, disto não há qualquer dúvida. No entanto, medidas tomadas em cima do joelho, segundo parece, sem ter em conta que elas terão um efeito em cascata, isto é, não havendo poder de compra, emprego e com a economia estagnada, tudo acabará por se desmoronar e parar completamente.
Pensemos, pensemos... Acredito que haverá por este país fora boas cabeças capazes de pensar e encontrar soluções para o bem comum.
Assim seja...