quinta-feira, 5 de junho de 2014

Só o poder limita o poder - disse ele

Poderes com a mesma força institucional independentes uns dos outros. O homem que veicula esta ideia nem pensava em termos de democracia tal como a entendemos hoje. O que sabia era que o poder absoluto, vigente no Sec.XVIII, teria de ser controlado. 

Nas suas 'Cartas Persas' critica a sociedade, as instituições políticas, os abusos do Estado e da Igreja, ridicularizando os valores de uma civilização que se considerava superior a outras. E em 'O Espírito das Leis', ele, Montesquieu, vai cimentando as suas convicções na busca do fio condutor do seu raciocínio: Muitas vezes comecei, e muitas vezes abandonei esta obra; mil vezes lancei aos ventos as folhas que havia escrito; sentia todos os dias as mãos paternas caírem; seguia o meu objecto sem formar objectivo; não conhecia nem as regras, nem as excepções; só encontrava a verdade para perdê-la. Mas quando descobri os meus princípios tudo o que procurava veio a mim; e, durante vinte anos, vi a minha obra começar, crescer, avançar e terminar. Se esta obra tiver sucesso, devê-lo-ei e muito à majestade do meu assunto (sujet); no entanto, não creio ter carecido totalmente de génio. Quando vi o que tantos grandes homens, em França, Inglaterra e Alemanha, escreveram antes de mim, fiquei admirado; mas não perdi a coragem.




E encontra-o, encontra o fio condutor que procurava. Para limitar o poder nada melhor do que o poder. E isto seria o início da  arquitectura ideal que passaria a reger as leis fundamentais das democracias ocidentais. O poder legislativo, o poder executivo, o poder judicial. O conceito ou teoria dos três poderes. Todos independentes uns dos outros. Cada um com as suas próprias regras, tendo como pano de fundo a Constituição. Será isto tão linear? Seria se o ser humano não procurasse envolver tudo em teias complicadas. 

A Constituição Portuguesa faz jus à teoria dos três poderes: o legislativo, o executivo, o judicial, ou seja, a Assembleia da República, o Governo, os Tribunais. São os órgãos da República. Mas há um quarto órgão que, em momentos de crise, se agiganta: o Presidente da República. Todos eles têm as suas competências discriminadas na Lei Fundamental. Pelas competências atribuídas à Assembleia da República notamos a força deste órgão e por aí se vê claramente porque é que o nosso regime é parlamentar e a sua responsabilidade, especialmente, na feitura e aprovação das leis. Leis que não dêem azo a interpretações dúbias, convenhamos.

Muito confusa é a situação política que hoje se vive. Encontrei neste poema de António Gedeão o eco disso mesmo:


Desencontro

Que língua estrangeira é esta
que me roça a flor do ouvido,
um vozear sem sentido
que nenhum sentido empresta?
Sussuro de vago tom,
reminiscência de esfinge,
voz que se julga, ou se finge
sentindo, e é apenas som.

Contracenamos por gestos,
por sorrisos, por olhares,
rodeios protocolares,
cumprimentos indigestos,
firmes aperto de mão,
passeios de braço dado,
mas por som articulado,
por palavras, isso não.
Antes morrer atolado
na mais negra solidão.


Entreguemo-nos à reflexão, nem que seja por momentos. Que as palavras tenham sentido e os actos sejam o reflexo delas. Não queiramos morrer atolados na mais negra solidão. Empreguemos o nosso raciocínio na boa gestão das nossas diferenças.

E hoje, meus amigos, o dia nasceu claro e luminoso. Claro e luminoso? Bem, foi o que escrevi sem pensar... Gosto de adjectivos e, por vezes, abuso um bocado sobrepondo-os. Ou será que não estão sobrepostos? Talvez haja do claro ao luminoso uma escala em crescendo e é nisso que o meu espírito aposta. Aproveitemos e façamos milagres, pois a vida já de si é um milagre. :) 

****

Montesquieu 
(Charles-Louis de Secondatbarão de La Brède e de Montesquieu)
L'esprit des lois
Nota: Na referência a "Alemanha" há que ter em conta que a unificação alemã só se verificará, oficialmente, em 1871.

12 comentários:

  1. (^‿^) ❀

    Bonjour et merci pour ce partage très intéressant concernant Montesquieu !!!

    GROS BISOUS D'ASIE pour toi Olinda
    Bonne journée

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  2. Senti-me pairar ao ler o seu post, Olinda, até dei um gole sem me arrepiar no meu café sem açúcar. Muito bom, obrigada!
    Quanto ao nosso 4º poder... é melhor nem comentar...
    Beijinhos

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  3. A separação de poderes que os professores de história ensinam não existe,ou melhor,é algo meramente teórico para fins académicos...Há uma promiscuidade total no exercício destes poderes devido às teias e aos enredos secundários que existem!
    E não nos entendemos porque falamos línguas diferentes,cada um fala a língua do interesse próprio e do uso constante do 'eu'...Tanto 'eu!!!Daí a escuridão total e os dias já nascem negros...Os milagres são sempre possíveis mas e a passividade?

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  4. Para limitar o poder nada melhor do que o poder.
    ---------
    O poder domina, o poder aniquila. E o interessante é que o poder devia proteger, devia ajudar.
    ------
    Felicidades
    Manuel

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  5. Olinda,
    Nós escolhemos os Parlamentares...da maioria sai um executivo...os parlamentares escolhem os juízes...nós escolhemos o presidente...daqui temos que certamente escolhemos mal os parlamentares...daí sai um executivo consequência das nossas escolhas...os parlamentares escolheram mal os juízes...nós escolhemos mal o presidente...depois de tanta má escolha o que nos resta?
    Com a Fortuna não Perde o Ser de BestaNa carreira veloz, a deusa cega
    Lança às vezes a mão a um feio mono
    E o sobe, num instante, a um coche, a um trono,
    Onde a Virtude com trabalho chega.

    Porém se, louca, num jumento pega,
    Por mais que o erga não lhe dá abono:
    Bem se vê que foi sonho de seu sono,
    Quando a vara ou bastão ela lhe entrega.

    Pouco importa adornar asno casmurro
    Com jaezes reais, mantas de festa,
    Se a conhecer se dá no rouco zurro.

    Quem, no berço, por vil se manifesta,
    Quem nele baixo foi, quem nace burro,
    Co'a Fortuna não perde o ser de besta.

    Francisco Joaquim Bingre, in 'Sonetos'

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  6. Se fosse vivo que diria , nestes dias, Montesquieu - principamelmte do que se passa numa Europa pretensamente unida, onda na sua pátria a extrema-direita avança fulgurantemente?

    Gedeão , esse, face ao estado deplorável do nosso país em que o "Governo" ataca sem pudor o Tribunal Constitucional , como se este não fosse tão legítimo quanto ele, e o reformado algarvio que ocupa Belém anda muito ocupado com o futebol e não tem uma palavra a dizer sobre tudo isto , porque é parcial ...estaria mesmo na meais negra solidão!

    Querida Olinda, bom resto de dia

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  7. A politica serviu-se da democracia para se banquetearem e se protegerem.
    O poder deveria ser limitado.
    Os governantes fazem as leis que os autorizam a roubar descaradamente .

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  8. Espero que o atum fique apetitoso ;) Um cubinho de manteiga em cima ao servir também é óptimo!
    Beijinhos

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  9. Quero informar as minhas gentis comentadoras e simpáticos comentadores que, contra o que me é habitual, irei responder a todos os comentários aqui neste espaço, a partir do post anterior.

    Peço por isso o favor, a quem me comentou lá, o favor de ir ver a minha resposta/agradecimento. A primeira a quem responderei será a Maria, do blog A PRÓXIMA CURVA.

    Obs. Veja o meu último post, do dia 05/06.
    Um beijo do Miguel

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  10. Querida amiga

    Mesmo que nos roubem o sol,
    os nossos olhares continuaram
    a iluminar o mundo...

    São belas
    as palavras
    que nos acariciam
    o coração...

    Obrigado por semear o belo
    em um mundo tão carente
    de sentimentos bons.

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  11. A vida está repleta de contradições
    constata-se
    mas a grande questão
    é tentar resolver

    não com alternância
    mas com alternativa

    Bj

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  12. As leis podem ser claras, os poderes tidos como independentes, na forma como todos gostaríamos de vê-los. Mas a ingerência que vem do poder é gritante. E muitas vezes nos sentimos desabrigados, em todas as partes do mundo. Bjs.

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