quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O Livro da Vida


Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia... 
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada, 
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria 
Ao primeiro clarão da primeira alvorada. 

Perto dele caminha, em ruidoso tumulto, 
Todo o humano tropel num clamor ululando, 
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto, 
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.

Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos; 
E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,— 
A ler e a meditar postulados eternos, 
Sem um fanal que o seu espírito esclareça!

Cada página abrange um estádio da Vida, 
Cujo eterno segredo e alcance transcendente 
Ele tenta arrancar da folha percorrida, 
Como de mina obscura a pedra refulgente.

Mas o tempo caminha; os anos vão correndo; 
Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão... 
E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo! 
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.

Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta: 
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos, 
Nem o humano sofrer, que outras almas enluta, 
Nem a neve do Inverno a pratear-lhe os cabelos!

Só depois de voltada a folha derradeira, 
Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado, 
É que o Sábio entreviu, como numa clareira, 
A luz que iluminou todo o caminho andado..

Juventude, manhãs de Abril, bocas floridas, 
Amor, vozes do Lar, estos do Sentimento, 
— Tudo viu num relance em imagens perdidas, 
Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento.

Mas então, lamentando o seu estéril zelo, 
Quando viu, a essa luz que um instante brilhou, 
Como o Livro era bom, como era bom relê-lo, 
Sobre ele, para sempre, os seus olhos cerrou... 


 in 'Sol de Inverno' 



António de Castro Feijó (1859-1917) Poeta e diplomata. Português. Diz-se que a morte prematura da esposa viria a influenciá-lo, imprimindo um certo tom fúnebre à sua obra.

Neste poema vejo-lhe, contudo, válidos motivos de reflexão sobre a Vida e do que queremos fazer com ela. Tudo o que nos rodeia faz parte dela. Se é importante a parte teórica, os ensinamentos antigos, os valores da filosofia, as leis e outras disposições, é a sua aplicação no nosso quotidiano que nos enobrece. É fundamental passarmos das normas à prática, experimentando, experimentando, experimentando até ver se as coisas funcionam para que no momento de grandes emergências cada um saiba o seu lugar e as suas funções.

Os incêndios que lavram em Monchique mostram como somos pequenos perante tragédias dessa natureza. Mais uma parte do país a ser devorado pelas chamas, pessoas em desespero... O meu apreço àqueles que lá estão, no terreno, procurando de todas as formas que as coisas não assumam aspectos de total catástrofe.

Antes de Monchique, a Grécia. Também lá se viu como a falta de planeamento pode tomar proporções inconcebíveis, incontroláveis. Vidas ceifadas pelo fogo, pelo mar, também nas escarpas. Em momentos de aflição tudo parece conjugar-se para fechar todas as saídas.


Por aqui ainda a curar uma gripe (a tentar, pelo menos).
Desejo-vos uma boa semana.

Abraço.

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Poema: Citador

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