O corredor era branco,
estreito e comprido. De ambos os lados, aferradas às paredes nos intervalos
existentes entre as várias portas que davam acesso aos gabinetes médicos, havia
macas assentes em estruturas metálicas e sobre elas doentes e acidentados à espera
de vez para serem atendidos. Estranhamente, todos eles se encontravam em
silêncio, como se pensassem que só a morte é barulhenta.
A meio do corredor, encostado
num pedaço de parede livre de portas, havia um banco corrido, com uns três
metros de comprimento, no qual se sentava uma boa dezena de pessoas, também à
espera de consulta. Todas tinham apertadas nas mãos as fichas de papel amarelo
que lhes davam à entrada da Urgência, quando faziam a inscrição. Estavam
caladas, a maioria de cabeça baixa e olhos esbarrados no chão azulado e muito
limpo. Um relógio redondo, de metal, estava pendurado por sobre uma das portas
do fundo e os seus ponteiros marcavam nove horas e dez minutos. O calor
começava a apertar.
Uma enfermeira de meia-idade
colocou a cabeça de fora da porta de um dos gabinetes e chamou alto pelo nome
de um dos doentes.
— Sou eu — respondeu alguém.
— Pode entrar — disse a
enfermeira, encerrando a porta logo que o doente a atravessou.
Os que ficaram sentados
aconchegaram-se uns aos outros no banco, de forma a criarem espaço destinado a
mais um dos muitos doentes que esperavam em pé pela sua vez, e o silêncio
voltou ao corredor. Um homem enorme, de pele escura e bigode branco, vestindo
uma calça clara de brim e uma camisa fina, de manga curta, apontou
com o queixo a ponta livre do banco à mulher que estava a seu lado e mandou que
se sentasse.
— Não, eu aguento — respondeu
a mulher.
O homem teimou:
— Vá, Carolina, senta-te. Pelo
que aqui vai, parece-me que temos muito que esperar.
— Senta-te tu.
— Não quero sentar-me — disse
o homem secamente, enquanto enxugava as gotículas de suor que lhe salpicavam a
testa. — Estou bem em pé.
Encostou-se à parede,
entrelaçou os dedos das mãos atrás da costas e quedou-se em silêncio. Durante
alguns segundos arrependeu-se de não ter trazido um jornal desportivo para
entreter a espera, mas logo se esqueceu do jornal para concentrar a atenção no
movimento que surgiu dos lados da porta de entrada, que se abriu, deixando
passar uma lufada de ar fresco. A brisa momentânea fez diluir um pouco o
inquietante calor e o intenso cheiro a medicamentos que pairavam na afunilada e
silenciosa sala da espera.
Um maqueiro, trajando de
branco da cabeça aos pés, vinha do fundo do corredor trazendo pelo braço um
homenzinho acidentado. Era muito velho, e do nariz corria-lhe um fio de sangue
que já empapara a camisa ao nível do peito. O velho mexia-se lentamente, como
se aquela fosse a sua derradeira caminhada, e o maqueiro, quando chegaram a
meio do corredor, indicou-lhe a ponta do banco, ainda livre.
— Sente-se e espere.
O velhote sentou-se e
suspirou. Apalpou o bolso do casaco, de onde retirou um lenço com que secou o
sangue do nariz, mas mal acabara de o guardar já um outro fio seguia o caminho
sulcado nas rugas da face, contornando a boca, descendo-lhe até à ponta do
queixo, para se precipitar em pingos grossos sobre a enorme mancha vermelha que
lhe tingia o peito da camisa. Sentia dores horríveis, mas nem assim esboçou
outro gesto que não fosse o de acomodar-se serenamente ao encosto do banco,
levantando o rosto numa tentativa fracassada de estancar a hemorragia.
Continua...
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Meus amigos
Convido-vos para a leitura deste Conto de José Abílio Coelho. Para o publicar aqui, no XailedeSeda, dividi-o em cinco partes. Espero que o autor me perdoe esta ousadia. Contudo, quem quiser lê-lo de uma assentada poderá clicar no nome que se encontra hiperligado ao site de onde o retirei. Trata-se de um tema que nos toca a todos - a espera nas urgências dos hospitais.
Um bom fim de semana.
:)
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Meus amigos
Convido-vos para a leitura deste Conto de José Abílio Coelho. Para o publicar aqui, no XailedeSeda, dividi-o em cinco partes. Espero que o autor me perdoe esta ousadia. Contudo, quem quiser lê-lo de uma assentada poderá clicar no nome que se encontra hiperligado ao site de onde o retirei. Trata-se de um tema que nos toca a todos - a espera nas urgências dos hospitais.
Um bom fim de semana.
:)
Sei bem o que isso é, a espera nas urgências dos hospitais. Infelizmente. Vou continuar a vir aqui para continuar a ler. Gosto de vir ao seu cantinho.
ResponderEliminarBjs
Isabel Gomes
Obrigada amiga pela partilha. Eu sei bem o que isso é. Já passei em oncologia entre
ResponderEliminaro IPO e o Hospital do Barreiro mais de 9 anos da m/vida.
Crianças e pessoas de idade são quem mais me aflige, todavia quando se está
em sofrimento qualquer espera é sempre terrível!!!
Desejo-lhe um bom fim de semana.
Bj.
Irene Alves
~ ~ Vou acompanhar as publicações e conhecer o autor.
ResponderEliminar~ ~ Um conto que promete, sobre um tema lamentável, tocante para todos.
~ ~ ~ ~ Beijinhos com votos de um fim de semana agradabilíssimo. ~ ~ ~ ~
.
~ ~ ~
Muito atual.....
ResponderEliminarObrigado pela sua visita.
bfs
Beijo
Um tema que nos toca a todos, sem dúvida. Incrível, o que se passa nas urgências dos hospitais! Tenho lido relatos de arrepiar. Esta é uma face muito feia dos programas de austeridade :(
ResponderEliminarE mesmo que não se possa evitar tanta poupança, não se poderia poupar noutro sítio? Estou em crer que sim. E isso ainda é o mais triste...
Um tema, de facto, emergente. Um tema, não: um drama. Drama, também não: um insulto!
ResponderEliminarabraço!
Que bom seria se nunca ficássemos doentes, nem magoados, para nunca termos de recorrer a hospitais!
ResponderEliminarBeijinhos, bom dia :)