Quanto caminho não haveria de ser
percorrido, desde os primórdios, na lonjura dos tempos, nos incomensuráveis e
insondáveis dias que nos precederam: Adão, a palavra, o hexâmetro, os espelhos.
O infinito linho de Penélope. O tempo dos estóicos. O mar aberto. O ávido ouro.
Cada remorso e cada lágrima. As causas, elas aqui estão:
As Causas
Todas as gerações e os poentes.
Os dias e nenhum foi o primeiro.A frescura da água na garganta
De Adão. O ordenado Paraíso.
O olho decifrando a maior treva.
O amor dos lobos ao raiar da alba.
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos.
A Torre de Babel e a soberba.
A lua que os Caldeus observaram.
As areias inúmeras do Ganges.
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou.
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas.
Os passos do errante labirinto.
O infinito linho de Penélope.
O tempo circular, o dos estóicos.
A moeda na boca de quem morre.
O peso de uma espada na balança.
Cada vã gota de água na clepsidra.
As águias e os fastos, as legiões.
Na manhã de Farsália Júlio César.
A penumbra das cruzes sobre a terra.
O xadrez e a álgebra dos Persas.
Os vestígios das longas migrações.
A conquista de reinos pela espada.
A bússola incessante. O mar aberto.
O eco do relógio na memória.
O rei que pelo gume é justiçado.
O incalculável pó que foi exércitos.
A voz do rouxinol da Dinamarca.
A escrupulosa linha do calígrafo.
O rosto do suicida visto ao espelho.
O ás do batoteiro. O ávido ouro.
As formas de uma nuvem no deserto.
Cada arabesco do caleidoscópio.
Cada remorso e também cada lágrima.
Foram precisas todas essas coisas
Para que um dia as nossas mãos se unissem.
Jorge Luis Borges
1899-1986
Tempo para recordar Jorge Francisco Isidoro Luís Borges de Acevedo, nascido em Buenos Aires, em 1899, poeta, crítico literário, ensaísta. Li, há alguns dias, que a Câmara de Torre de Moncorvo, em parceria com a Universidade Nacional de San Martín, na Argentina, vai fazer um estudo genealógico sobre o escritor argentino, percorrendo 200 anos até às suas raízes. Consta que em 1850, o seu bisavô, Francisco Borges, saiu de Torre de Moncorvo, integrado numa expedição militar para o rio de la Plata e nunca mais regressou a Portugal. Aguardemos...
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Poema: in "História da Noite" .Tradução de Fernando Pinto do Amaral.Citador
Ler também
o Advento-aqui
Imagem:
La
insondable pampa argentina-daqui
Desconhecia totalmente tanto o autor como as suas remotas origens.
ResponderEliminarMuito bom o poema. Adorei.
Um abraço e bom fim de semana
Belo este seu mar
ResponderEliminarTantas causas.
ResponderEliminarUma partilha preciosa.
Gostei muito.
Beijinhos
De facto, parece que as origens de Borges são mesmo portuguesas, até a avaliar pelo seu poema Os Borges :)
ResponderEliminarQue poema incrível!
Beijinhos, bom fim-de-semana!
Um poema admirável que percorre transversalmente a história universal e a mitologia das
ResponderEliminarcivilizações, numa notável mensagem de paz para o mundo.
Bem merece constar desta excelente homenagem.
Unamos as mãos, amigos!
Um primeiro fim de semana de Outono aprazível e ameno
Beijinhos.
M.
MERCI chère Olinda !!!
ResponderEliminar☼ je t'envoie plein de douces pensées d'Asie.
≧^◡^≦ Passe un bon dimanche !!!!
GROS BISOUS ! ♥❤
Grande Luís Borges.
ResponderEliminarSerá que teve mesmo ascendentes portugueses?
Será que o Borges de Moncorvo se esqueceu de voltar a Portugal por causa de alguma paixão assolapada...?
Tem um bom domingo e uma boa semana, querida amiga Olinda.
Abraço.
Não conhecia o autor, obrigado por esta excelente partilha.
ResponderEliminarBeijinhos
Maria
As mãos uniram-se e depois desuniram-se e, pior, agrediram-se!
ResponderEliminarE, lá está, a origem dele: não somos, afinal, todos irmãos? :)
Beijinhos, boa semana!
Gostei muito deste "genealógico" post :)
ResponderEliminarbeijo amigo
Demoro a vir, mesmo gostando tanto de estar aqui...Junta-se a preguiça com a desorganização nas tarefas de uma aposentada que nunca se afinou com as tarefas domésticas e o resultado é este: falta tempo, para "arruar"...
ResponderEliminarMinha querida Olinda, conheço um bocado esse nosso vizinho argentino e tenho por ele grande admiração. O texto é maravilhoso!. Gostei de saber sobre a busca de sua genealogia. Adoro o tema, ficarei na espreita, esperando os resultados das pesquisas...
Um beijo carinhoso,
da Lúcia
sempre boas escolhas, por aqui
ResponderEliminarum abraço
Olá Olinda!
ResponderEliminarBela iniciativa essa dos parceiros argentinos e transmontanos. E os portugueses constituem, em matéria de antropologia, emigração ou até, talvez melhor dizendo, transumância, um manancial inesgotável para os que se queiram dedicar ao estudo dessas movimentações e seus "porquês". O povo português é certamente aquele que mais caminhos percorreu mundo fora e o que mais navegou. Mais mares houvera... mais mundo houvera..
https://www.youtube.com/watch?v=zsDeDF6zBPQ
;)
Bela a música que me trouxeste, Bartolomeu. :)
EliminarMuito obrigada.
Abraço
Olinda
Querida Olinda
ResponderEliminarSempre a presentear-nos com posts de qualidade!
Os portugueses sempre gostaram de desbravar terreno...
Acreditemos que as origens de Jorge Luis Borges são, de facto, portuguesas - ou façamos uma forcinha para que sim :)
Lindíssimo poema!
Quero agradecer-te as tuas presenças na minha «CASA», que são, para mim. motivo de grande satisfação.
Como hoje sou "pequenina"... o prazer é redobrado.
Obrigada, querida.
Um grande beijinho.
Admiravel....Não conhecia o autor
ResponderEliminarBoa semana
Beijo
Muito belo e universalizante, este poema que aqui nos mostra. Obrigado.
ResponderEliminarUm beijinho para si!
José Luis Borges faz-me companhia. Tenho livros dele mesmo por trás de onde
ResponderEliminarestou sentada. Gostei muito deste seu post.
Bj.
Irene Alves
Um escritor por quem nutro grande admiração. Seus trabalhos são maravilhosos. Há alguns anos, recebi um texto dele e logo me encantei. O que transcreveu já mostra seu talento, pois em uma simples e rica viagem pelo tempo ele passou sua mensagem. Gostei muito. Bjs.
ResponderEliminarMais um poeta que desconhecia e de quem me aficcionei.
ResponderEliminarUma escrita diferente.
Rasgos históricos do nosso conhecimento.
Vale a pena reler e guardar.
Estupendo post, querida Olinda.
ResponderEliminarAbraço forte :)