terça-feira, 9 de julho de 2019

Guilherme de Almeida - o "Principe dos Poetas" - VII

BRANCA DE NEVE





Eu te guardo no fundo da memória,
como guardo, num livro, aquela flor
que marca a tua delicada história,
Branca de Neve, meu primeiro amor.

Amei-te... E amei-te, figurinha aluada,
porque nunca exististe e porque sei
que o sonho é tudo — e tudo mais é nada...
E és o primeiro sonho que sonhei.

Hoje ainda beijo, comovido e tonto,
a velha mão que um dia me mostrou
aquela estampa do teu lindo conto,
princesinha encantada de Perrault!

Que fui eu afinal? — Um pobre louco
que andou, na vida, procurando em vão
sua Branca de Neve que era um pouco
do sonho e um pouco de recordação...

Procurei-a. Meus olhos esperaram
vê-la passar com flores e galões,
tal qual passaste quando te levaram,
no ataúde de vidro, os sete anões.

E encontrei a Saudade: ia alva e leve
na urna do passado que, afinal,
é como o teu caixão, Branca de Neve:
é um ataúde todo de cristal.

E parecia morta: mas vivia.
Corado do meu beijo que a roçou,
despertei-a do sono em que dormia,
como o Príncipe Azul te despertou.

Sinto-me agora mais criança ainda
do que naqueles tempos em que li
a tua história mentirosa e linda;
pois quase chego a acreditar em ti.

É que o meu caso (estranha extravagância!)
é a tua história sem tirar nem pôr...
E esta velhice é uma segunda infância,
Branca de Neve, meu primeiro amor.


        (1890-1969)

A sua entrada na Casa de Machado de Assis significou a abertura das portas 
aos modernistas. 
Formou, com Cassiano Ricardo, Manuel Bandeira, Menotti del Picchia e 
Alceu Amoroso Lima, o grupo dos que lideraram a renovação da Academia.
Era membro da Academia Paulista de Letras; do Instituto Histórico e Geográfico 
de São Paulo; do Seminário de Estudos Galegos, de Santiago de Compostela; 
e do Instituto de Coimbra.
Traduziu, entre outros, os poetas Paul Géraldy, Rabindranath Tagore, 
Charles Baudelaire, Paul Verlaine e, ainda, a peça a peça Huis clos 
(Entre quatro paredes) de Jean Paul Sartre. aqui





Veja: 
Post IIIIIIIVV, VI
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Poema daqui
Publicado no livro Encantamento (1925). Poema integrante da série II - Alma.
Imagem: daqui

4 comentários:

  1. É um poema excelente, bem interessante e com um humor muito germânico…
    Gostei. Sorrsss...
    Beijinhos
    ~~~

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  2. Mas que lindo poema, Olinda! Quem de nós não se lembra destas histórias de encantar? Não seria a Branca de Neve, nem haveria tempo disponivel para que as nossas mães nos contassem contos de ninar, mas também não tinhamos novas tecnologias e as conversas ouvidas à mesa funcionavam como histórias; os avós contavam casos do passado, os pais falvam de acontecimentos engraçados e nós pensavamos nas brincadeiras com os amigos, com brinquedos imaginados por nós. Hoje, como diz o autor, temos a saudade que estará presente enquanto por cá andarmos, saudade de tempos bons, pois os momentos afastamo-los logo que ameaçam aparecer. Voltamos a ser crianças sempre qua a saudade nos invade e não virá mal ao mundo se voltarmos a acreditar em principes encantados. Sonhar, recordar é bom, é sinal de que estamos a VIVER. Obrigada, Olinda , por mais estas importantes informação sobre Guilherme de Almeida.que teve muitas ligações ao nosso país. Muito interessante esta tua ideia, querida amiga. Espero que estejas bem de saúde assim como os teus e que a alegria seja uma constante em tua casa. Um montão de beijos e um abraço carregadinho de amizade
    Emilia
    Esta música é lindissima! Obrigada pelo belo momento, pois já há muito não a ouvia. ...

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  3. Excelente escolha!
    Muito bem contextualizado (como sempre).
    Beijinho

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  4. Poema digno de um verdadeiro Príncipe!
    não é um círculo que se fecha, mas uma espiral que se abre.

    gostei muito, amiga Olinda

    abraço

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