quarta-feira, 10 de julho de 2019

Guilherme de Almeida - o "Príncipe dos Poetas" - VIII

NATUREZA-MORTA







Na sala fechada ao sol seco do meio-dia
sobre a ingenuidade da faiança portuguesa
os frutos cheiram violentamente e a toalha é fria
e alva na mesa.

Há um gosto áspero de ananases e um brilho fosco
de uvaias flácidas
e um aroma adstringente de cajus, de pálidas
carambolas de âmbar desbotado e um estalo oco
de jaboticabas de polpa esticada e um fogo
bravo de tangerinas.

E sobre esse jogo
de cores, gostos e perfumes a sala toma
a transparência abafada de uma redoma.


     (1890-1969)



Da vida tantas vezes tumultuada de Guilherme de Almeida, o chamado Príncipe dos Poetas Brasileiros, faz parte um ano de exílio ou desterro em Portugal (de 1932 a 1933), devido à sua defesa da causa constitucionalista, que o levou a se alistar como soldado raso na Revolução de 1932, contra a presidência de Getúlio Vargas. Dirigiu o Jornal das trincheiras, distribuído até no próprio campo de batalha. Foi preso no dia 10 de outubro do citado ano e enviado para a Casa de Detenção do Rio de Janeiro, saindo daí para Recife e continuando, posteriormente, por via marítima, para a Europa, junto com dezenas de paulistas que também tinham apoiado aquele movimento.



O autor foi recebido em Portugal com honras de herói e como um dos maiores poetas da língua, tal como ele próprio reconhece no discurso de receção na Academia das Ciências de Lisboa. Na verdade, perante qualquer comentário acerca da estada de Guilherme de Almeida em Portugal, torna-se imprescindível lembrar, com mais ou menos pormenores, a campanha de relacionamento empreendida por intelectuais de ambos os lados do Oceano que já se vinha levando a cabo havia alguns anos (ou mesmo algumas décadas.
leia mais aqui (interessante)








Eduardo Ramos e o seu alaúde



De assinalar:
os seus contatos com Castelao e com Laxeiro ou Colmeiro, as suas recriações da lírica medieval galego-portuguesa através do neotrovadorismo, as suas investigações sobre a origem genealógica do apelido Andrade em Pontedeume, as suas importantes conferências em homenagem e apoio aos emigrantes galegos no estado de São Paulo e, enfim, as suas constantes referencias à Galiza como “terra matricial”. Com efeito, até no seu discurso de entrada na Academia Brasileira das Letras se lembrou da Galiza e das origens literárias comuns.


Veja aqui Saudosismo e Neotrovadorismo
(Afonso Lopes Vieira, Guilherme de Almeida e Álvaro Cunqueiro)



Veja: 
Post IIIIIIIVVVI, VII

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Poema: daqui
Imagem daqui
Natureza-morta - Claude Monet

2 comentários:

  1. O que eu tenho aprendido aqui sobre Guilherme de Almeida, minha Amiga! Quanto à poesia que tenho lido só posso dizer que esta natureza-morta me encheu as medidas. Quase pude sentir o cheiro das frutas e pude ver esse jogo de cores neste poema tão sensitivo.
    Um beijo enorme.

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  2. uma lufada de ar fresco é sempre libertadora.
    sem perturbar - se possível - a harmonia da "natureza morta"...

    gostei muito, amiga Olinda

    abraço

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