sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

O último adeus dum combatente

Naquela tarde em que eu parti e tu ficaste
sentimos, fundo, os dois a mágoa da saudade.
Por ver-te as lágrimas sangrarem de verdade
sofri na alma um amargor quando choraste.

Ao despedir-me eu trouxe a dor que tu levaste!
Nem só o teu amor me traz a felicidade.
Quando parti foi por amar a Humanidade
Sim! foi por isso que eu parti e tu ficaste!

Mas se pensares que eu não parti e a mim te deste
será a dor e a tristeza de perder-me
unicamente um pesadelo que tiveste.

Mas se jamais do teu amor posso esquecer-me
e se fui eu aquele a quem tu mais quiseste
que eu conserve em ti a esperança de rever-me!


 (1926-2005)


Numa preciosa resenha sobre a Literatura Guineense, Filomena Embaló, de quem já falámos aqui no Xaile através da sua obra, "Tiara", coloca Vasco Cabral, António Baticã Ferreira e Amílcar Cabral no período compreendido entre 1945 e 1970 - período esse de produção poética a que deu a designação de "Poesia de Combate".

Sobre este autor, F. Embaló diz-nos:

Vasco Cabral é certamente o escritor desta geração com a maior produção poética e o poeta guineense que maior número de temas abordou. A sua pluma passa do oprimido à luta, da miséria à esperança, do amor à paz e à criança.... Inicialmente com uma abordagem universalista, a sua obra se orienta, a partir dos anos 1960 para a realidade guineense. Em 1981, publicou o seu primeiro livro de poemas intitulado “A luta é a minha primavera”, obra que reúne 23 anos de criação poética entre 1951 e 1974. Esta obra foi ulteriormente publicada pela União Latina numa versão trilingue português, francês e romeno.

Também deixo alguns dados biográficos referentes a poeta guineense:

Estudou em Portugal onde se formou em Ciências Económicas e Financeiras pela Universidade Técnica de Lisboa e foi militante do MUD juvenil, movimento unitário de oposição à ditadura fascista, fortemente influenciado pelo PCP. Foi preso político no Aljube e em Caxias. Na guerra contra o império colonial, Vasco Cabral tornou-se um dos principais dirigentes do Partido Africano pela Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde (PAIGC) (...)
Foi companheiro de armas de Amilcar Cabral, líder da luta pela independência da Guiné Bissau e de Cabo Verde (...) aqui




Da obra referida, "A luta é a minha Primavera", trarei, oportunamente, mais alguns poemas. Aliás, este Xaile de Seda vai ocupar-se um pouco da Literatura Guineense nos próximos dias, com uma ligeira interrupção no dia 22.

Bom fim de semana, meus amigos.


=====
Poema: daqui
A luta é a minha primavera, 1981
Em: Manuel Ferreira, 50 Poetas Africanos. Lisboa, Plátano Editora, 1989

15 comentários:

  1. Acho que não tinha lido nada deste poeta. O soneto escolhido é muito bom.
    Obrigado pela partilha.
    Olinda, um bom fim de semana.
    Beijo.

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  2. Vivo com um ex-combatente e, por isso e não só, estes temas tocam-me profundamente. E o poema de Vasco Cabral é muito bem conseguido.
    Excelente vídeo que nos permite estar onde nunca estivemos. Linda a melodia.
    Beijos, querida amiga Olinda.

    Apreciei sobremaneira o seu comentário numa publicação algo desconfigurada. De repente, acontece-me isso. Obrigada.

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    1. Adorei o seu poema, querida Teresa.

      E nem a mais "escangalhada" configuração me faria
      deixar de o comentar. E a mim acontece-me tanta vez
      ter de lutar com desarranjos desse género! :)

      Beijinhos

      Olinda

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    2. ...aqui no Xaile de Seda...

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  3. Um belíssimo soneto com muito de Camões!

    Abraço

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    1. Com efeito, Vasco Cabral

      "fez a sua formação em Portugal, onde viveu largos anos, e na sua poesia sente-se por vezes um lirismo de tom camoniano..."

      In: "A literatura na Guiné-Bissau", de Aldónio Gomes

      Bj

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  4. Na Guiné, fui contemporâneo do Vasco Cabral, no campo oposto.
    Este é um dos mais belos Poemas de Amor que ele produziu e que a Olinda em boa hora nos traz.
    É um verdadeiro adeus de Combatente.

    Beijo
    SOL

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  5. Boa noite de sábado, querida amiga Olinda!
    A pedido de uma missionária, sei um pouco de Guiné Bissau. Escrevi as Reminiscências biografias dela que passou um bom tempo por lá...
    Gostei do vídeo e do poema, amiga.
    Vou acompanhando a série com interesse
    Tenha dias abençoados!
    Bjm carinhoso e fraterno

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  6. uma despedida em beleza, sem dúvida
    a que não falta sequer sequer a esperança do regresso

    sendo o autor um herói da luta pela independência do seu País,
    compreende-se muito bem esse aceno de Utopia

    mas hoje em dia os heróis andam pela rua da amargura.
    e tudo se descarta... sem contemplações.

    gostei muito do Poema,
    sabia de alguns poemas de Amílcar Cabral
    não sabia do Vasco Cabral

    abraço, amiga Olinda

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  7. Olá, Olinda!
    Gostei muito de ter conhecido um pouco da vida e da obra do poeta guineense Vasco Cabral (este soneto é uma mostra do seu talento); vi que “O último adeus dum combatente” foge do soneto tradicional, embora estejam presentes as rimas, o soneto é escrito sem métrica.
    Vou procurar nas nossas livrarias livros do poeta.
    Obrigado pela partilha.
    Uma excelente semana Olinda.
    Beijo.

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  8. Adorei a apresentação que fez do poeta.
    Querida Olinda, tudo o que aqui nos traz é feito com grande rigor e cuidado. Parabéns.

    Beijinho

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  9. Gostei de o ler e de o conhecer.´

    Tempo de ventos uivantes moldou bardos que foram forçados a combater...

    «que eu conserve em ti a esperança de rever-me!»
    «há sempre alguém que semeia/canções no vento que passa.»

    Agradeço também o conhecimento de Bihan num tema doce e ritmado...

    Abraço grande, querida Olinda.
    ~~~~

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  10. Vasco Cabral. Um nome a reter porque este soneto é muito belo e sentido. Obrigada por dar a conhecer este poeta guineense, minha Amiga Olinda.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  11. Um poema interessante e prazeroso de se ler
    Belos momentos literários você nos oportuniza querida Olinda
    Beijinhos e uma feliz semana

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  12. Fizeste bem em trazeres a este Xaile um poeta da Guiné: este país tanto lutou para ser independente e até hoje não encontrou o seu caminho; o meu irmão e o meu marido foram combatentes na Guiné Bissau; em 74, estando já de malas prontas para regressarem, deu-se o gole de estado e a guerra, finalmente acabou; a alegfia foi tamanha que, de ambos os lados , se festejou muito e todos se abraçaram como amigos. Os dois têm boas decorações desses tempos, porque estiveram lá obrigados e compreendiam que do outro lado acontecia o mesmo; sendo assim, não havia motivo para andarem a matar-se uns aos outros: a guerra não era deles. Não seim Olinda, mas creio que essas boas recordações da Guiné se deve ao facto de não terem feito " asneiras " e de se limitarem a atirar quando deveras necessario. Ficam muito tristes ao verem que este país não se desenvolveu nada e que a população continua a viver pior do que no tempo deles. Sabes, têm grandes amigos que fizeram nessa época de guerra e até hoje se encontram.Amiga Olinda, muitos não conseguiram o regresso tão desejado e muitas mães não conseguiram superar a dor de perderem um filho numa guerra estúpida, aliás estúpidas e sem sentido são todas elas,A minha sogra teve um filho em Angola e logo que regressou esse, outro foi para a Guiné; uns anos de dor e preocupação. Na minha casa, havia um medo constante de perder o meu irmao. O meu pai era taxista, quase inguém tinha carro e ele levou a Lisboa muitos pais para receberem os filhos, chegados em caixões . Ele dizia muitas vezes que se emocionava, pensando que, na próxima vez, poderia ter de ir buscar o próprio filho. Momentos terriveis, Olinda, que , para nós se transformaram em enorme alegria quando regressou. Obrigada por trazeres este tema, com um belo poema de um escritor da Guiné; tema triste, mas que não deve ser esquecido; infelizmentem pouco valor se tem dado aos combatentes, aos que ficaram caidos e aos ue regressaram, muitos deles doentes. Desculpa ter-me intrometido com casos pessoais, mas já me conheces e, desta idade, já é dificil mudar. Beijinhos e boa noite, querida Amiga
    Emilia

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