Eu não estava em casa nessa noite, filho,nem podia estar. Estava nas ruas com os soldados
que rumavam às rádios e aos quarteis, engalanados
de sombra e de júbilo, a ver o que aquela noite ia dar,
o que a nossa liberdade prometia ser.
E tu, filho, tinhas a idade rumorejante
desse Abril embalado por uma canção do Zeca.
Como posso eu explicar-te tudo aquilo
que tu nasceste para aprender, para viver?
Eu estava aquartelado no meu silêncio
de pétalas, sílabas e marés, no dédalo
de vozes embriagadas pelo vento,
na coragem errante das pelejas da infância
e pouco ou nada sabia do mistério desse mês
capaz de transformar em assombro as nossas vidas.
Sim, sou eu neste retrato antigo,
a receber em festa os exilados, os que chegavam
com grinaldas de cantigas e a flor de uma ilusão
bordada a sangue e espuma no capote das nocturnas caminhadas.
Sim, sou eu a escrever a primeira reportagem
do primeiro de muitos dias em que o tempo
deixou de contar, em que os relógios
se tornaram corolas de paixão e riso
na lapela larga da alegria desta pátria.
Eu não estava em casa nessa noite, filho,
estava a afinar o coração pelo tom das mais belas melodias
que alguém pode aprender
para dar a quem ama a paz de um sono
sem tormento.
JOSÉ JORGE LETRIA, in “Abril 30 Anos Trinta Poemas”, de José Fanha e José Jorge Letria. Lisboa, Campo das Letras, 2004
Hoje, Dia da Liberdade!
Que a Ucrânia possa encontrar a Paz e viver em Liberdade, dispondo do seu destino como país independente e soberano. Que aqueles que partiram possam voltar para os lares que tiveram de abandonar e os que ficaram se salvem do poder das balas e da insanidade do invasor.
Que todos os povos em guerras fratricidas, em vários locais do mundo, sofrendo de fome e sede, em miséria extrema, depositados em campos de refugiados e trilhando os caminhos da imigração pelo Mediterrâneo e tentando ultrapassar fronteiras terrestres pela Europa, encontrem a vida que almejam.
Que os meninos do mundo inteiro possam dormir o seu sono sem medos e em segurança.
Viva o 25 de Abril, sempre!
Abraços
Olinda
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Poema constante da:
Colectânea Poemas de Abril - aqui
Nota:
De Zeca Afonso, "Grândola Vila Morena", uma das senhas da Revolução
de Abril de 1974, canção a que o autor se refere no texto, segundo creio.