quinta-feira, 28 de abril de 2022

É isto o amor



Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que 
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.


Nuno Júdice 


Uma definição do Amor. E continuamos nesse afã de encontrar palavras para falar deste sentimento. Nuno Júdice fá-lo de forma admirável. É um dos autores que mais admiro. E há tanto tempo que não trazia os seus textos poéticos!




Tejo que levas as águas

Também tempo para recordar Adriano Correia de Oliveira. O nosso Adriano, que sob o título "Memórias de Adriano" está a ser homenageado, ele que a 9 de Abril teria completado oitenta anos.
Veja aqui.

Boa quinta-feira, meus amigos.

Abraços
Olinda


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Poema:
in 'Pedro, Lembrando Inês'
Imagem-pixabay

segunda-feira, 25 de abril de 2022

O que aquela noite me quis dar




Eu não estava em casa nessa noite, filho,
nem podia estar. Estava nas ruas com os soldados 
que rumavam às rádios e aos quarteis, engalanados 
de sombra e de júbilo, a ver o que aquela noite ia dar, 
o que a nossa liberdade prometia ser. 

E tu, filho, tinhas a idade rumorejante 
desse Abril embalado por uma canção do Zeca. 
Como posso eu explicar-te tudo aquilo 
que tu nasceste para aprender, para viver? 
Eu estava aquartelado no meu silêncio 
de pétalas, sílabas e marés, no dédalo 
de vozes embriagadas pelo vento, 
na coragem errante das pelejas da infância 
e pouco ou nada sabia do mistério desse mês 
capaz de transformar em assombro as nossas vidas. 

Sim, sou eu neste retrato antigo, 
a receber em festa os exilados, os que chegavam 
com grinaldas de cantigas e a flor de uma ilusão 
bordada a sangue e espuma no capote das nocturnas caminhadas. 

Sim, sou eu a escrever a primeira reportagem 
do primeiro de muitos dias em que o tempo 
deixou de contar, em que os relógios 
se tornaram corolas de paixão e riso 
na lapela larga da alegria desta pátria.
 
Eu não estava em casa nessa noite, filho, 
estava a afinar o coração pelo tom das mais belas melodias
que alguém pode aprender 
para dar a quem ama a paz de um sono 
sem tormento. 

JOSÉ JORGE LETRIA, in “Abril 30 Anos Trinta Poemas”, de José Fanha e José Jorge Letria. Lisboa, Campo das Letras, 2004





Hoje, Dia da Liberdade!

Que a Ucrânia possa encontrar a Paz e viver em Liberdade, dispondo do seu destino como país independente e soberano. Que aqueles que partiram possam voltar para os lares que tiveram de abandonar e os que ficaram se salvem do poder das balas e da insanidade do invasor.

Que todos os povos em guerras fratricidas, em vários locais do mundo, sofrendo de fome e sede, em miséria extrema, depositados em campos de refugiados e trilhando os caminhos da imigração pelo Mediterrâneo e tentando ultrapassar fronteiras terrestres pela Europa, encontrem a vida que almejam.

Que os meninos do mundo inteiro possam dormir o seu sono sem medos e em segurança.

Viva o 25 de Abril, sempre!

Abraços
Olinda



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Poema constante da:
Colectânea Poemas de Abril - aqui

Nota:
De Zeca Afonso, "Grândola Vila Morena", uma das senhas da Revolução
de Abril de 1974, canção a que o autor se refere no texto, segundo creio.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

"Mãos de África, minha bela adormecida...!"






MÃOS

Mãos que moldaram em terracota a beleza e a serenidade do Ifé.
Mãos que na cera polida encontram o orgulho perdido do Benin.
Mãos que do negro madeiro extraíram a chama das estatuetas olhos de vidro
e pintaram na porta das palhotas ritmos sinuosos de vida plena:
plena de sol incendiando em espasmos as estepes do sem-fim
e nas savanas acaricia e dá flores às gramíneas da fome.
Mãos cheias e dadas às labaredas da posse total da Terra,
mãos que a queimam e a rasgam na sede de chuva
para que dela nasça o inhame alargando os quadris das mulheres
adoçando os queixumes dos ventres dilatados das crianças
o inhame e a matabala, a matabala e o inhame.

Mãos negras e musicais (carinhos de mulher parida) tirando da pauta da Terra
o oiro da bananeira e o vermelho sensual do andim.
Mãos estrelas olhos nocturnos e caminhantes no quente deserto.
Mãos correndo com o harmatan nuvens de gafanhotos livres
criando nos rios da Guiné veredas verdes de ansiedades.
Mãos que à beira-do-mar-deserto abriram Kano à atracção dos camelos da ventura
e também Tombuctu e Sokoto, Sokoto e Zária
e outras cidades ainda pasmadas de solenes emires de mil e mais noites!

Mãos, mãos negras que em vós estou pensando.
Mãos Zimbabwe ao largo do Indico das pandas velas
Mãos Mali do sono dos historiadores da civilização
Mãos Songhai episódio bolorento dos Tombos
Mãos Ghana de escravos e oiro só agora falados
Mãos Congo tingindo de sangue as mãos limpas das virgens
Mãos Abissínias levantadas a Deus nos altos planaltos:
Mãos de África, minha bela adormecida, agora acordada pelo relógio das balas!

Mãos, mãos negras que em vós estou sentindo!

Mãos pretas e sábias que nem inventaram a escrita nem a rosa-dos-ventos
mas que da terra, da árvore, da água e da música das nuvens
beberam as palavras dos corás, dos quissanges e das timbilas que o mesmo é
dizer palavras telegrafadas e recebidas de coração em coração.
Mãos que da terra, da árvore, da água e do coração tantã
criastes religião e arte, religião e amor.

Mãos, mãos pretas que em vós estou chorando!

          (1921-1963)


Geógrafo, poeta, docente, nascido em São Tomé, Francisco Tenreiro assume neste poema um lado pan-africanista e nesta visão abrangente de África evoca os grandes impérios e estados africanos, Iorubá, Songhai, Ghana, Benin, Abissínia, assim como a tradição feita de palavras mágicas e interpretadas em quissanges e timbilas, que o mesmo é dizer palavras telegrafadas e recebidas de coração em coração.

Talvez, por ter vivido desde os dois anos de idade em Portugal Continental, estivesse nele bem vincada a cultura portuguesa, nomeadamente, a do Estado Novo, tendo escrito que não havia escravatura em São Tomé, uma negação polémica depois sublimada pela sua dedicação a África e a São Tomé, sua terra natal. Terra que vê pela primeira vez aos 35 anos altura em que também conhece a mãe. Vida curta. Ele morre aos 42.

Assume o conceito da negritude de que poderemos citar como ideólogos, Aimé Césaire, poeta, e Léopold Sédar Senghor escritor e, posteriormente, presidente do Senegal, conceito esse que ele passa a defender e que introduz na literatura de língua portuguesa.

Gerhard Seibert, num artigo interessantíssimo diz que Francisco Tenreiro é um autor injustamente expatriado, isto é, que perante os dados da sua vida pessoal e profissional ele deveria ser considerado português. Segundo Seibert: "A sua biografia revela claramente que a verdadeira pátria do poeta, geógrafo e político Francisco José Tenreiro é Portugal, enquanto São Tomé e Príncipe é a sua pátria literária". 

Seja qual for o ângulo por que se analise a sua vida e obra, Francisco José Tenreiro num primeiro momento preocupado com o seu problema pessoal, sentindo-se dividido por ser mestiço e, quiçá, entre duas culturas, o facto é que soube aderir a uma evolução de pensamento e mudança de mentalidade que já fervilhavam nos finais do século XIX e a seguir à segunda guerra mundial viriam alterar a ordem estabelecida na Conferência de Berlim de 1884/885 - Partilha de África.

Veríamos surgir, nesse contexto, a par de Aimé Césaire e Léopold Senghor nomes como Kwame Nkrumah, Patrice Lumumba ... Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Noémia de Sousa e tantos outros.




-África Tabanka -

Eneida Marta, cantora guineense, de voz maravilhosa, 
que já trouxe ao Xaile, noutras ocasiões.



Bom fim de semana, meus amigos.

Abraços
Olinda


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Queira ver:
*Francisco José Tenreiro - Poeta, académico e político arbitrariamente expatriado, 
por Gerhard Seibert - daqui
*Francisco Tenreiro - A angústia de um poeta dividido - daqui

Poema: daqui

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Desde que te conheço

invade-me uma grande calma quando penso em ti. sinto-me bem, disposto para as mais difíceis tarefas, para os mais complicados e demorados trabalhos. já não é na turbulência das noites (vividas na pressa) que encontro a vontade de escrever. as noites cansaram-me, ia acabando comigo de vez na desordem e na ânsia de viver. claro que continuo a sair à noite e a amar esse espaço fantástico que é a cidade. esta cidade que amo, mas tu estás nela também. a cidade mudou desde o instante em que nela entraste. já não percorro a noite numa angústia que se esquece e anula na bebedeira, ao nascer do dia. desde que te conheço tenho levado uma vida bastante regrada. deixei de beber. deixei de andar por aí a ver se alguém me pega ou se eu pego em alguém. acabou. tenho-te e sinto uma felicidade estranha a dominar-me. trabalho calmamente, com vagar, e avanço sem ser aos tropeções. leio e releio o que escrevo. tudo se torna, de texto em texto, mais preciso, mais próximo do que penso. escrevo somente (como de resto sempre fiz) o que me dá gozo e ao mesmo tempo me perturba. por isso odeio tanto reler-me. sinto-me perturbado. o que ficou escrito foge-me, parece já não me pertencer. no entanto, sei que estou ali, por trás de cada texto escrito. sinto que são ainda parte integrante de mim - raramente me consigo desligar (friamente) do que escrevi, mesmo que o tempo tenha tentado apagar as motivações que me levaram, na altura, a escrever o que ficou escrito.





Al Berto, pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares  (1948 -1997), foi um poeta, pintor, editor e animador cultural português. Mais aqui



Le temps des cerises




Desejo-vos boa semana, meus amigos.

Abraços
Olinda



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Excerto:

Imagem: net

domingo, 17 de abril de 2022

17 de Abril - Páscoa de 2022

Qual a novidade?

Bem. Sempre tive uma grande curiosidade sobre o cálculo da data da Páscoa. O meu irmão Manuel nasceu num dia 17 de Abril que calhou ser domingo de Páscoa. Foi registado com o nome de Manuel da Ressurreição, mais os apelidos. Talvez essa data tenha acontecido mais vezes, mas não me lembro. Há dias enviei-lhe mensagem dizendo-lhe: Parabéns! Até que enfim fazes anos num domingo de Páscoa. Ao que ele respondeu: Pois é! Já estava tão habituado a fazer anos duas vezes que eu até vou estranhar (No dia 17/4 e no dia de Páscoa).

Assim, resolvi consultar os astros, o mesmo é dizer o Google, sobre essa inconstância, isto é, no que diz respeito ao cálculo do dia de Páscoa. Então, li isto:

Todos os feriados eclesiásticos são calculados em função da data da Páscoa, com exceção do Natal. O Domingo de Páscoa ocorre no primeiro domingo após a primeira lua cheia que se verificar a partir do equinócio da primavera (no hemisfério norte) ou do equinócio do outono (no hemisfério sul), e a Sexta-Feira da Paixão é a que antecede o Domingo de Páscoa. A Terça-Feira de Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa. Pondera-se que a data da lua cheia não é a real, mas a definida nas tabelas eclesiásticas. O Conselho de Nicea, em 325 d.C, definiu a Páscoa relacionada a uma Lua imaginária - conhecida como a "Lua Eclesiástica").

Como vêem, é fácil. É só fazer as contas... Será que consigo lá chegar? Nem vou esmiuçar mais. Prefiro optar pela inevitabilidade da coisa. Ficarei atenta se ainda nos meus dias esses dois eventos coincidirem mais alguma vez no tempo. Já disse a uma das minhas irmãs: Com tanto alarido, ainda me esqueço de dar os parabéns ao Manuel! Nada que não me tenha acontecido já em relação aos outros irmãos. 

Mas do que não me esqueço é de reiterar os meus votos de Páscoa Feliz para todos vós. Páscoa doce, com muitas amêndoas. Também com um folar bem recheadinho... Uma delícia. (Receita abaixo).





Desejo Paz para a Ucrânia e para todos os que se encontrem em situação de guerra, ou estejam a viver cataclismos naturais.






Abraços
Olinda


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Excerto: daqui
Receita do folar - aqui

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Onde estavas no 25 de Abril de 1974?

Pergunta que tem sido feita ao longo destes quarenta e oito anos. Ultimamente nem tanto. Outros assuntos têm surgido substituindo os debates e a curiosidade sobre essa data que mudou a vida de muita gente. Além disso, a paixão revolucionária já não é a mesma e o dia foi institucionalizado. Os jovens não têm bem a noção do que se terá passado nessa época de censura e de falta de liberdade. 

Em contrapartida, os jovens de então que por lá combateram para defender algo que nunca chegaram a compreender, muitos perdendo a vida e os que se salvaram vivem num limbo de recordações e pesadelos, nao conseguem libertar-se desse trauma nem falar sobre esse tempo. Famílias inteiras continuam a sofrer os seus efeitos. Um sofrimento camuflado e esquecido pela sociedade.

Ademais as comemorações já nada têm a ver com o povo. As elites fecham-se entre quatro paredes e algumas individualidades dizem de sua justiça sobre o que pensam ter sido o "25 de Abril", com o romantismo que parece tomar conta do passado.

Neste ano de 2022, resolvi colocar a pergunta a uma amiga: Luísa, onde estavas tu no dia 25 de Abril de 1974? Com um sorriso ela responde: Oh menina eu já nem sei, depois de tantos anos sei lá eu! Compondo um ar sério dispõe-se a dizer onde e o que estava a fazer: Como poderia esquecer?

Trabalhava por turnos no serviço municipalizado de água e electricidade, em máquinas perfuradoras da IBM-Informática, e no dia 25 de Abril de 1974 calhou-me o turno da manhã. Como sempre, encontrava-me antes das 7 no café em frente, a comer uma sandes de omelete com café quando alguém diz: Houve um golpe em Lisboa. Ah, sim? Quase com desinteresse. Ninguém pensava que tal golpe iria chegar tão longe e muito menos pressagiava o que se seguiria.

Em poucos dias, iniciou-se uma caça ao homem por toda a cidade, indagações sobre quem era e quem não era deste ou daquele partido, no local de trabalho grassava um clima de incerteza e notícias circulavam sobre este e aquele que tinham sido retirados durante a noite de suas casas. Viam-se homens armados nos terraços em tiroteios que atingiam os apartamentos de pacíficos cidadãos. O controlo, de armas em riste, em várias zonas a pessoas pacatas que saíam do seu trabalho, tornou-se um ritual do quotidiano. A insegurança tomou conta das nossas vidas, com os partidos* na rádio a reivindicarem os seus direitos, uns em relação aos outros, promovendo a guerrilha urbana e a tropa portuguesa, pusilânime, sem ter mão na situação.

Os dias começaram a ser marcados pelo martelar do encaixotamento dos haveres, sem se saber se haveria hipóteses de embarcá-los. Filas e mais filas de carros, de pessoas a pé, no cais tentando arranjar lugar nos navios. O aeroporto pejado de gente, com os filhos ao colo e pela mão, com pequenas malas ou sacos, ar desorientado e perdido. Notícias vindas de outros lugares em Angola diziam-me de familiares a tentar atravessar o deserto da Namibe em direcção a Africa do Sul e outros a demandar o Brasil e demais paragens.

Claro que isto é um pobre resumo desses dias de Gomorra e Sodoma. Contar-te-ei numa próxima conversa a continuação da minha própria odisseia, nomeadamente, quando cheguei como retornada sem nunca ter cá estado - diz ela com um esgar amargo...



Meus amigos: 

Esta é a Sexta-feira da Paixão da Liturgia cristã, elejamo-la como tempo de reflexão mesmo para os não crentes. Há quarenta e oito anos terminava a guerra do ultramar, há setenta e sete anos a segunda guerra mundial. Depois desta, seguir-se-ia a chamada guerra fria entre as duas grandes potências, EUA e URSS, em que o mundo tremia só de pensar num desastre nuclear. 

E agora temos a Ucrânia invadida pela Rússia. Mas antes a anexação da Crimeia. Também têm-se mantido guerras regionais em vários locais do globo, alimentadas por quem fabrica armas e por quem pugna pela hegemonia. Há povos que morrem de fome e de sede, desabrigados.

Muito temos em que pensar, e se nada podemos fazer para travar esses conflitos poderemos optar por cultivar a paz entre nós, nas nossas famílias, entre os amigos. Sei que estamos muito descrentes da boa vontade entre os humanos, mas temos de continuar a tentar e empregar nisso toda a nossa capacidade...de amar. 

BOA PÁSCOA!

Abraços
Olinda


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Imagem Moçambique - daqui

*Leia-se "Movimentos de Libertação: MPLA, FNLA, UNITA".

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Persistência - um varal de emoções

Em velocidade quase supersónica atravessa o corredor até à sala, na pontinha dos pés e a saltitar. Aloja-se junto ao dinossauro verde, fofinho, em cima do qual costuma sentar-se quando é preciso retemperar forças e planear novas investidas.

Aguarda um pouco, atento, pega no comando do televisor, aponta e desliga-o. Pé ante pé, agora, reinicia o percurso rumo à cozinha. Pára à porta, olha com atenção redobrada, cabeça inclinada para a frente, ombros tensos. "Avanço ou não?" parece perguntar-se, um pouco indeciso - "Talvez só até à mesa"...

Posiciona-se atrás de uma cadeira e espreita. E vê-a. Lá está ela, não a rodar mas com um som como se estivesse a sopesar a roupa, tacteando. Aproveita para dar mais uns passos, pronto para se afastar rapidamente se for caso disso. Agora sim, ela começa a dar voltas e mais voltas. Sabe que haverá uma fase seguinte e depois outras ainda com mais ruído e que vai ter muito medo.

Mesmo assim avança e recua, chega-se mais perto, procura abrigo onde quer que seja, especialmente quando a rotação é mais intensa. E sabe que vai durar bastante. Mas a curiosidade é maior que o receio de aquilo sair dali disparado. E procura vencer o monstro sozinho. A bem dizer, é uma situação que vem de há meses, desde que começou a aperceber-se desses sons esquisitos...

Instintivamente percebe que aquela luta é entre ele e a máquina. E segue-a até ao fim, de olhos bem abertos, entre a cozinha, o corredor e a sala, ora a correr, ora de mansinho, mantendo cuidadosa distância não vá o diabo tecê-las.

Quando finalmente a máquina acaba de lavar ele aproxima-se e sente que, depois de tanto trabalho e dedicação, merece tomar parte nas tarefas que se seguem, tais como, tirar a roupa de dentro da dita, ajudar a pô-la no alguidar, a estendê-la... sendo que a sua persistência alcança aqui um nível de apurada e teimosa insistência.





Tenham um bom dia, meus amigos.

Abraços
Olinda


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Alterei o titulo do post, inspirada pelo "varal" da Chica :)
Imagem - Net

domingo, 10 de abril de 2022

"De memórias nos fazemos"

Um livro que só ela podia ter escrito - um livro que apenas uma filha pode escrever sobre seu pai, diz-nos Luís Osório. Palavras relacionadas com a obra que acaba de sair das mãos e do coração de Violante Saramago Matos.

Neste ano do centenário do nascimento de José Saramago esta obra trar-nos-á, certamente, uma outra perspectiva da sua personalidade, diferente da que vem inscrita em todas as outras manifestações biográficas sobre este nosso laureado da literatura. Como sabemos, Saramago não só venceu o Prémio Camões como também o Prémio Nobel, em 1998.



Sobre Violante, o mesmo Luís Osório diz, entre outras considerações:

5. Escreve livros para pequeninos e poemas para si própria. Pinta como a mãe e guarda os quadros. Não se põe em bicos de pés nem exige atenções ou salamaleques. Num tempo como este, de tantas sombras, egoísmos e vaidades, foi um privilégio tê-la conhecido e ouvido, no seu tom de voz baixo, quase envergonhado, mas paradoxalmente afirmativo, firme, cortante.

Aproveito para publicar um dos poemas de José Saramago, posto que tenho tido alguma preferência pelos seus romances, aqui no Xaile de Seda:


Passado, Presente, Futuro

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

José Saramago


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Veja aqui o artigo de Luís Osório:

"A única filha de José Saramago..."

Poema - Citador

sábado, 9 de abril de 2022

Lembrar Jacques Brel


Brel nasceu em 08.04.1929. É um ritual a que regresso quase todos os anos: recordar que Jacques Brel seria hoje um velho se não tivesse adormecido demasiado cedo: «Les vieux ne meurent pas, ils s’endorment un jour et dorment trop longtemps» – disse ele.




e mais esta de que gosto muito:



e tantas outras músicas...

Bom fim de semana, meus amigos.

Abraços
Olinda

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terça-feira, 5 de abril de 2022

Eu não quero ser velha sozinha




Vamos ser velhos ao sol nos degraus
da casa; abrir a porta empenada de
tantos invernos e ver o frio soçobrar
no carvão das ruas; espreitar a horta
que o vizinho anda a tricotar e o vento
lhe desmancha de pirraça; deixar a

chaleira negra em redor do fogão para
um chá que nunca sabemos quando
será – porque a vida dos velhos é curta,
mas imensa; dizer as mesmas coisas

muitas vezes – por sermos velhos e por
serem verdade. Eu não quero ser velha
sozinha, mesmo ao sol, nem quero que
sejas velho com mais ninguém. Vamos

ser velhos juntos nos degraus da casa –
se a chaleira apitar, sossega, vou lá eu; não
atravesses a rua por uma sombra amiga,
trago-te o chá e um chapéu quando voltar.

Maria do Rosário Pedreira


Poema delicioso, este, também de amor. O aconchego requerido e achado, quando a vida já não estará para grandes correrias. Quando já se fez tudo o que a chamada vida activa exige, descansar nesses vagares que só o amor e o companheirismo e uma certa cumplicidade nos concedem. E que ao fim e ao cabo desejamos.  





Maria do Rosário Pedreira (Lisboa, 1959) tem a sua obra poética coligida em Poesia Reunida, que a Quetzal publicou em 2012 (nomeadamente A Casa e o Cheiro dos Livros, 1996; O Canto do Vento nos Ciprestes, 2001; Nenhum Nome Depois, 2014). Além de poeta, romancista (a de Alguns Homens, Duas Mulheres e Eu), autora de literatura juvenil e um dos nomes mais importantes da escrita de fado – Maria do Rosário Pedreira é também uma referência de grande qualidade para a edição portuguesa contemporânea, sendo editora na Leya. Mantém o blogue As Horas Extraordináriasaqui


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Poema: daqui
Imagem: net

domingo, 3 de abril de 2022

O Príncipe de Bel-air

É como me lembro dele. Um rapaz desempenado numa série de humor que acabou por lhe dar fama. Ainda que tenha vindo a desempenhar outros papéis, também de relevo, em filmes que também vi, a série denominada "Príncipe de Bel-air" sempre teve o seu lugar privilegiado.

A notícia da bofetada a um humorista na noite dos óscares veio manchar o seu currículo. Por pouco se pode ganhar o pódio dependendo das oportunidades e de momentos propícios, mas também por pouco se pode perder o brilho de uma carreira. Já tem acontecido. E voltará a acontecer. Infelizmente é assim o mundo. Com as notícias em directo o impacto é estrondoso.

E está mais do que visto que a violência nunca é opção nem solução para nada. Mormente quando se ocupa lugar de destaque na sociedade. As pessoas nesse patamar têm de fazer por continuar a merecer a admiração e o respeito que lhes são atribuídos.

Temos pena, Will Smith.




Já nos basta ver o mundo de pernas para o ar numa guerra, na Europa, que sacrifica inocentes, fazendo vítimas a toda a hora, esse conflito em que a Rússia quer fazer vergar a Ucrânia, um país soberano. Milhões de refugiados, com crianças e idosos, homens e mulheres a defenderem o seu rincão, vidas estragadas. 

Esperamos ardentemente por uma solução. Enquanto isso, o que vemos é destruição e morte. Sem contar com outros povos que dependiam do fornecimento de cereais e que agora podem ver-se a braços com a sua falta, estando a fome à espreita. No Norde África, por exemplo...

Infelizmente, Will Smith, a alopécia é uma doença terrível. Lamento imenso. Mas as graças, as piadas, mesmo sem graça e até cruéis, resolvem-se de outra forma. Não à estalada.

Meus amigos, tenham um bom resto de domingo.

Abraços.

Olinda