O Brás ia manducando, de olhos parados, a cismar. Já se enxergavam pela casa fora os trastes todos. Em carrapatinho como a mãe o botou ao mundo, António, o mais novo, de cinco anos, rompeu do quarto de dormir. Vinha de verga arrebitada, com a bexiga cheia. E, chegando-se ao açafate, lamuriou:
_Dê-me uma codinha, senhora mãe...
_Levantas-te com fome canina, rapaz!
O pai deu-lhe um cigalho de broa e, derriçando, correu à soleira da porta, aberta de par em par à madrugada, a verter águas para a rua.
Banhado do sol, nem o Menino Jesus, o taludinho, que se dá a beijar no dia de Reis, a olhar do seu trono de luzes por cima do mar de cabeças. A benção de Deus o cobrisse e fizesse um homem!
O Brás guardou a navalha e disse para o Júlio:
_Anda, vai adiante ver se o tio Joaquim Paula já largou.
_Mete no bolso, comes pelo caminho! - aconselhou a mãe, que o via agarrado à bôla.
O Brás, de saco e guarda-sol em barba de baleia debaixo do braço, desandou:
_Até logo, mulher.
_Ide com Sant'António! - pronunciou ela do traço da porta. _Não esqueçam as testeiras, que daqui a pouco não tenho que calçar.
Aquilino Ribeiro, in Terras do Demo - pgs 128/129
A linguagem de Aquilino Ribeiro caracteriza-se fundamentalmente por uma excepcional riqueza lexicológica e pelo uso de construções frásicas de raiz popular, cheias de regionalismos....
Apesar de ter optado por uma literatura de tradição, Aquilino procurou ao longo da sua vida uma renovação contínua de temas e processos, tornando-se assim muito difícil sistematizar a temática da sua vastíssima obra. Leia mais aqui
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