O grande cão entrava sempre assim, enfarinhado de cinzas, manso, com a capa de penitente. Depois, rompia aos uivos que nem cem matilhas a um lobo. Por aqueles oiteiros arriba era o soão quem mais bramia, parecendo ora vozes a pedir misericórdia, ora bocas desdentadas de feiticeiras e despique danado. Os seres vivos acoitavam-se nos refolhos; raro uma lebre largava diante dos gados, animando a devesa imóvel de sua fuga alerta; um mocho, ao alto de uma penha, com a cabeça recolhida entre as asas, tinha o ar de quem espera o fim do Mundo.
O rio, aos pés da folha, num reboar constante de artilharias a trote, crescia até o rés das terras altas, tolhendo ao viandante e ao carteiro da vila com as cartas do Brasil o passo de alpoldras e pontões. O temporal abatia árvores, derrotava telhados, estoirava a madre às nascentes, alagava tudo, quase se via mais mar que terra. Nas noites luarentas, acendiam-se os charcos e eram espelhos, estendais de espelhos de lume vivo, onde a Lua e as estrelas se miravam, e até os anjos e Nossa Senhora, se chegassem a uma janelinha do céu, veriam o rosto fagueiro.
Nessas noitadas, o pensamento, não topando quebra, ia direitinho ao trono do Senhor. Ele, ou alguém por ele, lá devia estar segurando no ar a pesada bola da Terra, tocando a noite, trazendo o Sol, de volta, pelas portas do Oriente. Ele, que dava o pão e as cerejas, o vinho que fortalece e chega lume ao coração, a água fresca da fontainha ao viandante, a vida a uns e a morte a outros, bem repartindo tais dons, sem o quê não caberia a gente no Mundo!
Bendito fosse ele pelos séculos dos séculos, que em tudo era poderoso, na dor e na alegria, no amor e na raiva, na peste, na fome e na guerra, levando para o Céu lavradores e pobrezinhos, e atirando para as profundas do Inferno reis, doutores, papas, padres, escrivães da fazenda, e toda a cambada de grandes! Bendito ele fosse!
Aquilino Gomes Ribeiro, (1885 -1963) -
É considerado como um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. Iniciou a sua obra em 1907 com o folhetim A Filha do Jardineiro e depois 1913 com os contos de Jardim das Tormentas e com o romance A Via Sinuosa, 1918, e mantém a qualidade literária na maioria dos seus textos, publicados com regularidade e êxito junto do público e da crítica.
Em 1960 é proposto para o Prémio Nobel da Literatura por Francisco Vieira de Almeida, proposta subscrita por José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Abel Manta, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira, entre muitos outros.
Em 1982, a 14 de Abril, é agraciado a título póstumo com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade.
Me gusto conocer al autor. Te mando un beso.
ResponderEliminarHomenagem que elogio
ResponderEliminar.
Feliz domingo
.
Pensamentos e devaneios poéticos
.
Aquilino, um grande da nossa Literatura.
ResponderEliminarAbraço
Enorme Aquilino Ribeiro, lê-lo e estudá-lo, é mantê-lo vivo, viajar pelo que tão bem soube eternizar.
ResponderEliminarExcelente publicação e bons links a explorar.
Um bom domingo, grato pela partilha deixo meu kandando.
Que boa sugestão encontro por aqui! (Como sempre!)
ResponderEliminarNão sabia desta exposição e sou grata pela referência.
Muito obrigada, também pelas palavras no meu blogue.
Beijinho
Agora olhei melhor a barra lateral...e não resisti à recordação da minha amiga Ana Hatherly, especialista em soror Juana Inés de la Cruz :)
ResponderEliminarMuito contente por teres reparado, querida Ana.
EliminarInfelizmente, não consegui inserir o texto em formato
de poema como está no original.
Grata.
Beijinhos
Olinda
Vale a pena vir aqui. Boa publicação.
ResponderEliminarUm abraço.
Olá, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarUm texto que nunca tinha lido e logo no início, gostei da "tristura das igrejas"...
Parei a refletir:
Era um tom triste mesmo muitas devoções antigamente.
Por outro lado, hoje em dia, um verdadeiro carnaval se vê em algumas delas..
Sou pelo meio termo no quesito devoção.
Muito obrigada por nos enriquecer na Literatura que partilha em seu blog.
Tenha dias novos abençoados!
Beijinhos
Olá, caríssima Olinda 🌻
ResponderEliminarParabéns pelo post tão rico.Dias de luz e um abraço de fé 🙏
Tenho que voltar a ler Aquilino Ribeiro.
ResponderEliminarA sua obra é notável.
Boa semana, cara amiga Olinda.
Um grande abraço.
Aquilino Ribeiro. Li todos os livros que me foi possível ler. Um escritor fantástico, singular, atento ao país onde vivia. Gosto que desta homenagem, minha querida Amiga Olinda.
ResponderEliminarTudo de bom.
Um beijo.
Amiga Olinda,
ResponderEliminar“Aquilino Ribeiro” merece sempre destaque, pois, foi um fecundos autor aí da tua pátria.
O autor também se destaca no ®DOUG BLOG, com frases memoráveis.
https://frases-dougblog.blogspot.com/2013/09/frases-doug-blog_470.html
Uma maneira de escrita que muito me agradou ler.
Abraços e boa semana!!!
O escritor não me é estranho,mas não lembro de o ter lido.
ResponderEliminarObrigada Olinda por traze-lo nessa lembrança e homengaem tão distinta.
Um abraço
_ e que a semana continue produtiva com tão bonitas publicações.
Faço vénia perante Aquilino, fecundo e pródigo talento das letras, burilador de palavras e poeta da prosa.
ResponderEliminarVerdadeiro mestre de língua, o prémio Nobel teria sido a cereja no topo da sua vasta obra.
Divulgá-lo é honrar a língua portuguesa.
Abraço de amizade, Olinda.
Juvenal Nunes
Linda homenagem a um grande e fantástico escritor, Li vários livros dele.
ResponderEliminarBeijinhos
Olá, amiga Olinda, agradeço a partilha dessa ótima postagem, que me deu a oportunidade de conhecer um pouco da obra de Aquilino Ribeiro, literato que somente agora tive a oportunidade de saber um pouco dele e da sua obra.
ResponderEliminarUma ótima semana, minha amiga.
Um abraço, paz e saúde.
Obrigada por partilhar. Boa semana!
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Bellísimo artículo recordándonos aquella persona, circunstancias, y época.
ResponderEliminarAquilino Ribeiro, fecundo e notável na sua Obra. Aqui, nos é presenteado numa pequena parcela de texto de maravilha.
ResponderEliminarBem haja, Olinda, divulgadora de bom pão para a Alma.
Beijo
SOL da Esteva