Uma alegria haver línguas
que não entendo
delas foram varridas
as lembranças todas
nelas o sentido passa entre as palavras
como a luz entre as plantas
nelas é sempre a infância
balbucio, manhã, cachorros
nelas as núpcias de tudo
com tudo
se celebram
nelas tudo é ruído
doce, antigos barulhos
nelas não há
como na nossa
mortos por baixo
(ou antes há muitos
só não os nossos)
nelas as palavras de amor
ainda crepitam
como madeiras novas
ando nas ruas entre as pessoas
que cantam (parece-me que cantam)
nessa língua que não entendo
parece-me que expressam claramente
a vida e a morte própria
e dos outros
ou que apenas gorjeiam
sibilam, silvam
ando nas ruas e é como uma conferência
de pássaros, pianos roucos
ando nas ruas e é como se lesse
às pressas
cartas em chamas
ando nas ruas pensando como é possível
tantas pessoas falando nada
em voz alta
quando me dirigem por equívoco
a palavra sorrio como se pedisse desculpas
depois fico tentada a correr atrás daquela pessoa
e devolver-lhe a palavra que ela deixou
cair por descuido
Ana Martins Marques (Belo Horizonte, 07 de novembro de 1977) é uma poeta brasileira. Concluiu o mestrado em Literatura pela UFMG com uma dissertação sobre o romancista João Gilberto Noll. Trabalha como redatora e revisora na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Seu primeiro livro, A vida submarina (2009), reúne poemas vencedores do Prêmio cidade de Belo Horizonte nos anos de 2007 e 2008. Ganhou também o Prêmio Alphonsus de Guimaraens, pelo seu segundo livro, Da arte das armadilhas (2011).Sua poesia, segundo o crítico Murilo Marcondes, alia a elaboração formal a uma reflexão sobre a vida, promovendo um "estreitamento entre linguagem e experiência". daqui
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