a terra ainda fervia em lavas
e os homens ainda eram bestas ferozes
Quando te propus
a conquista do futuro
vazias eram as mãos
negras como breu o silêncio da resposta
Quando te propus
o acumular de forças
o sangue nómada e igual
coagulava em todos os cárceres
em toda a terra
e em todos os homens
Quando te propus
um amanhecer diferente, amor
a eternidade voraz das nossas dores
era igual a «Deus Pai todo poderoso
criador dos céus e da terra»
Quando te propus
olhos secos, pés na terra, e convicção firme
surdos eram os céus e a terra
receptivos as balas e punhais
as amaldiçoavam cada existência nossa
Quando te propus
abraçar a história, amor
tantas foram as esperanças comidas
insondável a fé forjada
no extenso breu de canto e morte
Foi assim que te propus
no circuito de lágrimas e fogo, Povo meu
o hastear eterno do nosso sangue
para um amanhecer diferente!
Helder Proença
(1956-2009)
Hélder Proença foi um escritor, professor e político da Guiné-Bissau, havendo lutado na guerra de independência do país, na década de 1970. Desde a adolescência que Proença escrevia poemas, àquele tempo sob a temática anti-colonialista, que resultou na publicação, em 1977, da primeira antologia poética guineense, sob sua coordenação, entre outros, e que também prefaciou, intitulada "Mantenhas Para Quem Luta!" - Mais... aqui
De uma forma ou de outra a História acaba sempre por nos apresentar a factura das nossas decisões, más práticas e incompetências. A nós ou a nossos filhos e netos, ou seja, aos vindouros. Trata-se aqui da tal História de que se não fala muito, porque incómoda. Assim a História da África Negra. Esquecer a Conferência de Berlim de 1884/1885, em que se procedeu à partilha de África pelas potências de então, parece remeter aos povos que depois ascenderam à independência a responsabilidade, na íntegra, de todos os seus insucessos sociais e políticos. O que não corresponderá à realidade.
Estou a pensar no caso da Guiné-Bissau. Ano após ano assistimos à tentativa falhada de que o regime político que lhe foi imposto dê resultado, a forma de auscultação popular exportada do chamado ocidente, como boa, dê frutos. E nós, na nossa alta consciência e detentores de todas as razões e lógicas encolhemos os ombros e damo-lo como caso perdido. Terra de vários povos, alguns separados arbitrariamente do seu torrão, de grande variedade étnico-cultural, difícil se torna a integração desses valores num objectivo comum.
E tomando como mote este poema de Hélder Proença, escrito num momento outro, diria que a Palavra não poderá ser adiada por mais tempo. Uma nova visão desse mundo com idiossincrasias próprias e que nos passa ao lado deveria ser abordada. Pelos próprios guineenses, naturalmente. E pela nossa predisposição de melhor entender essa realidade...
Continuando um pouco na senda do que expresso acima, apresento-vos um dos grandes pensadores africanos dos nossos dias:
Kuasi Wiredu que, em DEMOCRACIA E CONSENSO NA POLÍTICA TRADICIONAL AFRICANA: Um apelo para uma política apartidária - argumenta que o sistema político multipartidário frequentemente visto como o fundamento para a democracia, nem sempre conduz à unidade e à estabilidade. Em vez disso, a democracia de consenso é muito mais adequada ao contexto africano. Wiredu elabora a sua tese a partir do exemplo do sistema político tradicional dos Ashantis em Gana...*
=====
Poema: daqui
Veja posts, desta série, sobre:
Amílcar Cabral
Vasco Cabral
António Baticã Ferreira
Agnelo Regalla
.A Literatura Guineense: Contribuição para a identidade da Nação, de Joaquim Eduardo Bessa da Costa Leite (Tese de doutoramento, 2014 - Coimbra) - pg 10
*.Democracia e Consenso na Política Tradicional Africana - de Kuasi Wiredu
Quando te propus
olhos secos, pés na terra, e convicção firme
surdos eram os céus e a terra
receptivos as balas e punhais
as amaldiçoavam cada existência nossa
Quando te propus
abraçar a história, amor
tantas foram as esperanças comidas
insondável a fé forjada
no extenso breu de canto e morte
Foi assim que te propus
no circuito de lágrimas e fogo, Povo meu
o hastear eterno do nosso sangue
para um amanhecer diferente!
Helder Proença
(1956-2009)
Hélder Proença foi um escritor, professor e político da Guiné-Bissau, havendo lutado na guerra de independência do país, na década de 1970. Desde a adolescência que Proença escrevia poemas, àquele tempo sob a temática anti-colonialista, que resultou na publicação, em 1977, da primeira antologia poética guineense, sob sua coordenação, entre outros, e que também prefaciou, intitulada "Mantenhas Para Quem Luta!" - Mais... aqui
De uma forma ou de outra a História acaba sempre por nos apresentar a factura das nossas decisões, más práticas e incompetências. A nós ou a nossos filhos e netos, ou seja, aos vindouros. Trata-se aqui da tal História de que se não fala muito, porque incómoda. Assim a História da África Negra. Esquecer a Conferência de Berlim de 1884/1885, em que se procedeu à partilha de África pelas potências de então, parece remeter aos povos que depois ascenderam à independência a responsabilidade, na íntegra, de todos os seus insucessos sociais e políticos. O que não corresponderá à realidade.
Estou a pensar no caso da Guiné-Bissau. Ano após ano assistimos à tentativa falhada de que o regime político que lhe foi imposto dê resultado, a forma de auscultação popular exportada do chamado ocidente, como boa, dê frutos. E nós, na nossa alta consciência e detentores de todas as razões e lógicas encolhemos os ombros e damo-lo como caso perdido. Terra de vários povos, alguns separados arbitrariamente do seu torrão, de grande variedade étnico-cultural, difícil se torna a integração desses valores num objectivo comum.
E tomando como mote este poema de Hélder Proença, escrito num momento outro, diria que a Palavra não poderá ser adiada por mais tempo. Uma nova visão desse mundo com idiossincrasias próprias e que nos passa ao lado deveria ser abordada. Pelos próprios guineenses, naturalmente. E pela nossa predisposição de melhor entender essa realidade...
Kuasi Wiredu que, em DEMOCRACIA E CONSENSO NA POLÍTICA TRADICIONAL AFRICANA: Um apelo para uma política apartidária - argumenta que o sistema político multipartidário frequentemente visto como o fundamento para a democracia, nem sempre conduz à unidade e à estabilidade. Em vez disso, a democracia de consenso é muito mais adequada ao contexto africano. Wiredu elabora a sua tese a partir do exemplo do sistema político tradicional dos Ashantis em Gana...*
Posição que estudada e experimentada poderia conduzir a certezas ou formas de governo mais adaptadas ao meio e às diversas culturas. Quem sabe?
Diz-se que a democracia é um sistema com muitos defeitos mas melhor que todos os outros. De acordo. Isso, no nosso mundo que o foi buscar à antiga Grécia tendo sido adaptado e acrescentado e reinterpretado ao longo dos tempos...
Bom fim-de-semana, meus amigos.
Abraços.
Abraços.
=====
Poema: daqui
Veja posts, desta série, sobre:
Amílcar Cabral
Vasco Cabral
António Baticã Ferreira
Agnelo Regalla
.A Literatura Guineense: Contribuição para a identidade da Nação, de Joaquim Eduardo Bessa da Costa Leite (Tese de doutoramento, 2014 - Coimbra) - pg 10
*.Democracia e Consenso na Política Tradicional Africana - de Kuasi Wiredu
Um grande poema.
ResponderEliminarDe um grande poeta.
Obrigado pela partilha.
Querida amiga Olinda, um bom fim de semana. Em casa...
Beijo.
Bom dia de paz e saúde, querida amiga Olinda!
ResponderEliminarCom um belo poema e uma imagem linda, início meu dia bem ritmado.
Gosto da África, como já lhe disse.
Aquele livro que lhe espera a tempestade passar...
Guiné de Bissau me diz muito. Conheci muito de perto sua história, minha amiga, como se lá estivesse estado.
Tenha dias abençoados na proteção de todo o mal junto dos seus!
🙏🙏🙏
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem
Não conhecia o poeta.
ResponderEliminarSobre a Guiné-Bissau, tive até Dezembro uma professora que lá esteve durante três anos e que contava muita coisa. Também tenho alguns amigos naturais de lá com grande parte da família lá e alguns com o hábito de lá ir passar o Natal e a Páscoa.
Abraço e saúde.
Olá, boa tarde:- Um poema magistral. Dá gosto ler quem escreve de forma divina. Grato por tão sedutora partilha poética.
ResponderEliminar.
Saudações fraternas.
Estamos tão ligados a África! Costumo dizer, como o fado de Coimbra, que "chega a ter saudades dela quem nunca nela viveu". Só fui a alguns pontos, de passeio, e fica a vontade de mais. Pelo magnífico vídeo se constata: a música, a luz, a imensidão, as cores ... E, no entanto, é um continente devastado por políticas desastrosas. É deprimente ver tanta miséria!
ResponderEliminarO poema de Helder Proença é muito belo e forte. Transpira revolta e sede de mudança.
Que os tempos mudem e tragam o bem-estar para todos os seres humanos!
Um beijo, querida Olinda.
O Homem criou deuses e poetas para sua salvação
ResponderEliminarBj
dois textos memoráveis, que é um privilégio ler!
ResponderEliminaro poema é um verdadeiro roteiro de "emancipação",
que, de degrau em degrau, ou seja, de "proposta em proposta", evolui até ao apogeu se consumar, na bela estrofe final, e no vibrante "hastear do sangue" como Povo!
o texto da Olinda é de uma clareza exemplar e uma lucidez cristalina
que "desconstrói" a ideia dominante de que a "democracia" será sempre a mesma em todos os lugares e para sempre ("o fim da História").
felicito-a a todos os títulos
e permita-me que evoque a experiência cubana, que contra ventos e marés,
"teima" na construção da Democracia socialista.
abraço
Querida Olinda, mais uma vez, obrigada, por nos dá a conhecer o poeta, sua poesia e sua história.
ResponderEliminar"Não podemos adiar a palavra", nenhuma, especialmente a que fala de justça, solidariedade, amor e liberdade.
Um beijo, querida.
Cuida-te bem.
:)
Excelente post. A democracia não serve nem resulta, de facto, para todos os povos. Principalmente num território onde a diversidade e crenças entre os seu próprio povo é tão evidente. É que afinal não há só um povo, são povos. E numa realidade e história tão diferente da que foi vivida na Europa. Quando isso for aceite, alternativas surgirão e, espero, a paz será mais facilmente alcançada.
ResponderEliminarA Guiné Bissau é infelizmente um caso muito problemático, com tentativas falhadas de regime político e consequências gravíssimas para o povo…
ResponderEliminarO poema de Hélder Proença é magnífico. Que os poetas não calem a sua voz para que a esperança se instale nos nossos corações, para assistirmos a um amanhecer diferente em todos os cantos do mundo.
Um beijo, minha Amiga Olinda.
Ah! a Guiné que tanto sofre e chora
ResponderEliminarPela esperança que tarda em chegar.
Talvez um dia, não o de agora,
Ela se una no bem Governar.
Helder Proença e muitos outros, lutaram para estabelecer o sonho dos (muito) Povos da Guiné Bissau. Talvez essa seja a dificuldade na união de vontades.
Excelente!
Obrigado, Olinda.
Beijo
SOL
Gostei do do maravilhoso poema, como amei a canção do vídeo, e assim toda a prosa que remete à historiografia da luta pela emancipação do povo guineense. Isto porque me interesso muito pela problemática e temática das colonizações.
ResponderEliminarAbraço