Dizia Virgínia Woolf que é sempre indiscreto mencionar os nossos afectos. Pode ser indiscreto mas é, se calhar, inevitável. Como é bom descobrir uma poesia, um poeta, um texto pelos quais se sente admiração (genuína) e, ao mesmo tempo, afecto (irresistível)! A poesia (e nela incluo os belos poemas em prosa que são parte dela) de Eduardo Bettencourt Pinto, este livro, em particular - Um Dia Qualquer em Junho - é um motivo singular de admiração e afecto. Admira-se e gosta-se, isto é, sentimo-nos bem a admirar e admiramos aquilo de que gostamos. Convergências assim são mais raras do que se pensa.
Pego nestas palavras de Eugénio Lisboa, com as quais ele inicia o prefácio ao livro referido, e faço-as minhas ao mesmo tempo que o abro na página sessenta e um que contém este poema:
Fugit irreparabile tempus*
As tábuas das palavras, ei-las,
secas,
de tanto sol,
dos sibilantes espíritos do mar,
do voo raso de pombos bravos,
das mulheres bordando rosas de sal
enquanto escutam nas mãos
o germinar da terra, os filhos
duma aparição.
As cigarras acoitam aqui o canto, as noites
enluaradas.
Construo com elas a casa do sul,
a dor e o júbilo das monções, nomes de barro
resgatados ao martírio e ao êxodo do olhar,
a vasta ressonância dos apelos,
atravesso as dunas e as cidades,
os vidros embaciados dos sonhos,
este difícil ofício de ser homem
na grande e branca varanda de setembro,
o verão quase no fim.
*(Virgílio, Geórgicas)
Na irreversibilidade da passagem do tempo, ao longo dos tempos, a renovação das ideias tem sido uma constante, indo nós buscar, não poucas vezes, inspiração ao passado. E em todos os tempos, momentos houve em que o colapso desta capacidade do ser humano pareceu iminente. Como agora, em que nos enrodilhámos num círculo vicioso, a nível mundial, embasbacados atrás dum só objectivo: o materialismo aliado ao vazio de sentimentos e de valores. Um tempo perigoso em que o mais pequeno deslize, o detalhe dum ecce homo desfigurado galvaniza o mundo. Um tempo em que a banalização da guerra e notícias de vítimas inocentes perecendo irremediavelmente em ataques fratricidas entram na ordem do dia.
É tempo de consciencialização e de instrospecção. Reverdeçam palavras de amor e de fraternidade. Recordemos o nosso ofício de seres racionais, amoráveis e viajantes do espaço, refazendo o percurso da estrada de damasco, a outra, de há dois mil anos - instantes de luz e inspiração...
Olinda,
ResponderEliminarUm excelente post, que me tocou fundo.
Obrigado.
EliminarObrigada, AC.
Um bom fim de semana.
Abraços.
Olinda
Minha amiga Olinda, tardavas já.
ResponderEliminarAs cores das coisas alteram-se, consoante a distância a que as vemos. A distância altera-se, consoante o tempo que demora a percorrê-la.
"Tempus fugit" resta-nos encontrar a forma de o viver, sem que o queiramos aprisionar, moldar, fazer dele a causa da nossa existência.
Vivê-lo, da forma mais plena possível!
EliminarNão aprisioná-lo e procurar maneira de o viver o melhor possível e de forma plena. Gostei. Deste-me uma ideia a desenvolver num próximo post. Penso que não será difícil encontrar no nosso dia-a-dia motivos para considerarmos a vida uma dádiva.
Bom fim de semana, Bartolomeu.
Abraços.
Olinda
O materialismo aliado à ausência de valores acabará por mos tormar menos humanos, mas também terá su fim.
ResponderEliminarO que consegui ouvir da música me agrdou, pois chegou a meio e fechou.
Um abraço grande. amiga.
EliminarOlá,São
O que vale é que temos a capacidade extraordinária de rever os nossos actos e procurar melhorá-los, reavendo o que há de melhor em nós.
Um grande abraço
Olinda
Considero os poetas como um dos grandes formadores de opinião, sempre ousados, contundentes e românticos, nos remete ao fundo uma reflexão profunda.
ResponderEliminarAplausos.
Abraço
EliminarEstou de acordo consigo, Lu Cidreira. Conseguem abarcar toda a sociedade lançando ideias que, bem aproveitadas, poderão fazer a diferença. Por isso, mais do que nunca, precisamos deste manancial de ideias, chamando-se também ao debate os filósofos, um bocado esquecidos actualmente. Talvez se encontrem em círculos restritos mas é fundamental que se façam ouvir.
Bom fim de semana.
Abraço
olinda
amiga
ResponderEliminarfoi bom passar e ver casa nova
um beijinho grande
e vou voltar
beijos
EliminarOlá, Lili
Que saudades! A casa, o xaile, com um pouco de azul...
Beijinhos
Olinda
Bela introdução, para nos presenteares com um igualmente belo poema, e prossegues numa impecável reflexão, e nos dá como arremate essa música linda que eu gosto tanto!
ResponderEliminarBeijos, Olinda!
;)
EliminarQuerida amiga
Uma pequena viagem ao meu espaço interior, procurando compreender as diversas formas de encarar a vida e o que a enforma.
E é muito bom, para mim, fazeres parte deste grupo que me vai enriquecendo com as suas palavras.
Bjinhos
Olinda
O materialismo do nosso tempo parece-me, também, uma forma pueril de não sentir e, assim, não sofrer.
ResponderEliminarBeijinhos, boa quinta!
EliminarGata
Acho que tocaste num ponto fulcral. Muitas vezes escondemo-nos por trás de coisas materiais porque não conseguimos encontrar o caminho que nos leve a ultrapassar algumas encruzilhadas...
Bjs
Olinda
Excelente apontamento
ResponderEliminarcomo sempre
EliminarObrigada, Mar Arável.
Abraço.
Olinda
O Ecce homo restaurado... quem diria que, ao invés de troça, traria tanta comoção e compaixão?
ResponderEliminarBeijinhos,
Madalena
EliminarOlá, M.
Bem visto. É a nossa pluralidade a marcar presença.
Bj
Olinda