segunda-feira, 29 de julho de 2024

Amar-te é Vir de Longe

 


Amar-te é vir de longe,
descer o rio verde atrás de ti,
abrir os braços longos desde os sete
anos sob a latada ao pé do largo,
guardar o cheiro a figos vistos lá,
a olho nu, ao pé, ao pé de ti,
parar a beber água numa fonte,
um acaso perdido no caminho
onde os vimes me roçam a memória
e te anunciam mãos e te perfazem;
como se o sino à hora de tocar
já fosse o tempo todo badalado,
e a tua boca se abrisse atrás do tojo,
e abaixo dos calções as pernas nuas
se rasgassem só para o pequeno sangue,
tal o pequeno preço que me pedes.
Atrás da curva estavas, és, serias,
nos muros de granito, nas amoras.
Amar-te era lembrança e profecias,
uma porta já feita para abrir,
e encontrar o lar ou música lavada
onde, se nasces, vives, duras, moras
— meu nome exacto e pão
no chão das alegrias.

Pedro Tamen 
in 'Escrito de Memória'

Pedro Mário de Alles Tamen (Lisboa1 de dezembro de 1934 – Setúbal29 de julho de 2021) foi um poeta e tradutor literário português.

Tamen estreou-se com a obra poética Poema para Todos os Dias em 1956, seguidos por vários edições de poemas e livros. Tradutor de poesia e prosa, recebeu o Grande Prémio de Tradução em 1990. Poeta, recebeu vários prémios pela sua obra. Com Retábulo das Matérias (2001), publicou uma coleção dos seus poemas de 1956 a 2001.

Foi tradutor de várias obras literários de - entre outros - Gabriel Garcia Marquez, Reinaldo Arenas, Marcel Proust e Gustave Flaubert e foi condecorado com vários prémios literários. Ver mais: aqui



NOBLE - MEMORY



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Poema: Citador
Imagem: Pixabay

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Uma Gota de Luz





Na voragem do Tempo sem tempo
Aleatório jogo. Ou prenúncio.
Ou movimento incerto -
Ainda não ritmo.
Nem sequer verbo
Mas grito.

Ou apenas soma de acasos.
Ou íntima predestinação de partículas
Conforme suas mútuas
Simpatias. Ou cadinho
Das origens onde

Uma gota de luz tomba
Vertida do Inesperado
E todo o Universo
Se ilumina - matéria viva
Agora.

A poisar na vermelha flor
Que ora te digo. Númen
E nome. E verso
E reverso. E o mesmo sopro
Divino. E o mesmo
Barro.




O tempo é esta circunstância, diz o Poeta, (noutro passo). E, tal como refere Ortega y Gasset "eu sou eu e a minha circunstância", ele posiciona-se atento aos condicionalismos do seu tempo donde extrai o mel e o fel.
A hora é esta//Assim escassa//A morder a orla//Do sonho. 
Uma respiração em que se traduz e se envolve. 
Um desassossego pelo presente e pelo devir.
in:Posfácio 
pg 160





Ain't Got No, I Got Life
Nina Simone




Blogue do Autor:


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26/07

Meus amigos

A partir de hoje, vou estar ausente por 3 dias.

Abraços

Olinda






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Poema
In: Coreografia dos Sentidos
Como se fora invenção minha
Pg.50

Imagem: pixabay

sábado, 20 de julho de 2024

O Tempo dos Povos Africanos




 Elisa Larkin Nascimento, norte-americana, nesta obra denominada Suplemento didáctico, O Tempo dos Povos Africanos, realiza um trabalho gigantesco, reconstruindo a história autêntica de África, dos africanos e dos seus descendentes em todos os continentes numa linha do tempo que começa no próprio berço e vai até ao século XXI, com ramificações em todas as direcções para onde emigraram os primeiros africanos.

Com o método de divisão do tempo, tendo como base os 500 anos do achamento do Brasil, vai recuando de 500 em 500 anos até aos 5000 anos, para demonstrar a acção em todas as áreas dos povos africanos.

Considera falaciosa a divisão de ÁFRICA em África Negra e África Branca, e demonstra-o, como se Saara fosse um elemento intransponível, mormente num tempo em que esse espaço era verde:

(...) o fluxo de viajantes, migrantes e comerciantes atravessando o Saara criou um intercâmbio ativo e constante entre os povos ao norte e ao sul do deserto. Além disso, as populações negras da África subsaarana criaram civilizações e avanços científico-tecnológicos; grandes centros urbanos caracterizados pela erudição; e Estados e Impérios com sofisticada organização política como Mali, Songai, Gana, Quíloa, Zimbábue e tantos outros.

Sobre o facto de se dizer que África não tem História, referindo que não havia escrita, trata-se de  um preconceito que ajudou a reforçar essa tese equivocada: a própria definição de escrita. 

Os europeus usam o sistema fonológico alfabético, onde cada letra representa um som. O alfabeto árabe, que prevaleceu durante séculos na Europa, é fonológico silábico, cada letra representando uma sílaba. Mas há outros tipos de escrita, como o pictográfico e o ideográfico,(...) Na África, os pictogramas constituem uma rica e variada forma de expressão, registrando saudações, histórias, e advertências. O simbolismo religioso bwiti do Gabão, as paredes de casas pintadas na região ocidental dos Camarões, ou as seqüências de desenhos utilizados pelos sin’anga (médicos) de Malawi são alguns exemplos dessa forma de escrita que se encontra em toda a África.

Defendendo, como outros autores, como Basil Davidson*, que África é o Berço da Humanidade pelas pesquisas realizadas e descobertas até agora confirmadas, não deixa de referir um aspecto muito importante que é o DNA Mitocondrial, que nos coloca a todos na mesma senda matrilinear:

Baseando-se na análise desse DNA, pesquisadores da Universidade de Califórnia construíram uma árvore genealógica para o gênero humano. Identificaram a chamada Eva Mitocondrial, avó de todos nós: uma mulher que viveu na África há uns 200 mil anos. Não que ela fosse a única mulher então existente, mas sua linhagem sobreviveu e se multiplicou até os últimos tempos.

Fico por aqui em relação a este relato. Indico abaixo o link que dá acesso a esse Suplemento.


Mali


Fatoomata Diawara



Série África:


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O Tempo dos Povos Africanos - Elisa Larkin Nascimento

* Mãe Negra - Basil Davidson

sábado, 13 de julho de 2024

História da África Negra

 A África Negra compreende as regiões ao Sul do Saara pelo que passou a ser designada posteriormente por África Subsaariana. É constituída por 48 países cujas fronteiras resultaram da colonização.



 Como foi dito atrás, África é considerado ou era considerado um continente sem História. 

Em 1830, Hegel decretava que "A Africa não é uma parte histórica do mundo", e depois dele muitos foram os historiadores que, sacrificando mais ao preconceito do que à ciência, repetiram em vários tons a mesma ideia.

Coupland, no seu manual L'Histoire de l'Afrique Orientale, escrevia (em 1928,...): "Até D.Livingstone pode-se dizer que a África não tivera história. A maior parte dos seus habitantes tinham permanecido, durante tempos imemoriais, mergulhados na barbárie...."

Outra citação característica: "... apenas duas raças humanas que habitam a África desempenharam um papel digno de nota na história universal: em primeiro lugar e de maneira considerável, os Egípcios; depois, os povos do Norte de África".

Joseph Ki-Zerbo propõe-nos a descoberta de África, em dois volumes, desde a pré-história até à época mais recente, acompanhando a evolução do homem africano em todas as suas fases.

Este historiador nascido em Burkina Faso, antigo Alto Volta, utilizando os mais modernos instrumentos científicos leva a cabo um trabalho gigantesco, desfaz lendas e mitos que ao longo dos tempos esconderam África num véu da mais completa ignorância. 

Esplendor e decadência, surgimento e queda de reinos e impérios até à aparição dos europeus com as consequências que bem conhecemos. No século XIX assistimos à Partilha de África pelas potências então existentes e dá-se a ocupação efectiva dos territórios. 

A partir daí começa a colonização propriamente dita com a afirmação da administração colonial e a correspondente legislação.


Gambia


SONIA JOBARTEH



História da África Negra - Vol.I - pg 6

Num périplo que era uma peregrinação apaixonante e apaixonada, o autor recolheu a história em Tananarive, Zimbabwe, Dar es Salam, Zanzibar, Nairobi, Kampala, Cartum, Adis Abeba, Kinshasa, Brazzaville, Yaundé, Abomé, Lomé, Lagos, Ibadão, Kigali, Ife, Oyo, Acra, Kumassi, Niamey, Bamaco, Segu, Dacar, Conacri, Abidjão, Cairo, Paris, Bruxelas, Copenhaga, Londres, etc. Foram lidos para cima de mil volumes, sem contar artigos de revistas e de jornais. (...)


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Série África:



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Joseph Ki-Zerbo - História da África Negra, I e II volumes.
Citações acima: Vol. I, pgs. 10/11


segunda-feira, 8 de julho de 2024

ÁFRICA



Continente considerado sem História por alguns autores.

Cercados por florestas densas, savanas ricas em vida animal, litoral de um lado e montanhas e lagos de outro, os africanos viveram milénios isolados do resto do mundo. Isso não significa, porém, que não desenvolveram sociedades tão avançadas quanto a egípcia(nordeste de África) — no interior da África em 100 d.C., o ouro era fundido com um processo que só chegou à Europa no início da Idade Média.

O método consiste em aquecer uma mistura de ouro, areia e vidro e então fazer a separação do metal precioso das demais substâncias. "Esses reinos medievais, numa confluência de rotas comerciais no Saara, eram sofisticados no uso de materiais disponíveis. Sua técnica de filtrar matérias-primas através de vidro fundido não havia sido vista antes. É única no registo arqueológico", contou o membro da pesquisa Marc Walton, ao 

A região era dividida em reinos e impérios. 

Na África Ocidental, havia o Império de Gana ou Império do Uagadu (localizado entre o deserto do Saara e os rios Níger e Senegal) que dominou a África ocidental durante a Idade Média. Era baseado no comércio do ouro.Nos anos 900 atingiu o máximo da sua glória. Entrou em declínio em 1240; 
E o império do Mali, que durou do século XIII ao XVIII e tinha como força o comércio de sal, ouro, especiarias e couro.

Na África Oriental, Império Etíopetambém conhecido como Abissínia, foi um império que ocupou os actuais territórios da Etiópia e da Eritreia, existindo, aproximadamente de 1270 até 1974, quando a monarquia foi deposta por um golpe de estado. Foi na sua época o mais antigo estado do mundo, e o único a resistir com sucesso à Partilha de África pelas potências coloniais do século XIX.

No sul da África, o Reino do Congo compreendia o que hoje é Angola, Congo e Gabão. Foi independente até o século XVIII, quando se tornou vassalo de Portugal. 

Havia ainda o Sultanato de Kilwa, território na costa do sudoeste africano habitado por bantos que foram conquistados por muçulmanos, e os reinos zulu, onde hoje estão África do Sul, Lesoto, Suazilândia, Zimbábue e Moçambique. Os zulus foram os primeiros a perceber o perigo da colonização branca e tentaram resistir, mas foram derrotados.

Além dos reinos mais conhecidos, havia uma série de outros reinos e cidades-estado altamente organizados. Eles contavam com sistemas de conselhos de anciões (ou anciãos ou anciães) e de administração para controlar as tribos, que tinham áreas de influência e as disputavam.

É daí que vem o argumento de quem tenta defender os europeus do processo de escravatura: “os próprios africanos escravizavam uns aos outros, que eram os inimigos de outras tribos”, dizem. Embora isso de facto ocorresse entre as tribos que guerreavam, os inimigos capturados tinham direitos sociais e não sofriam a agressão observada durante a escravatura praticada pelos europeus.

A maioria dos grupos africanos acreditava em um deus único, criador, maior e distante do homem. Em cada etnia, esse deus recebia um nome diferente: os Ashanti o chamavam de Onyankopoa; os Ewe, de Mawu; e os Iorubá, de Olorum.

Havia também culto às forças da natureza, que ganhavam personalidades humanas (orixás), por exemplo Ogum (do ferro, guerra, fogo) e Iemanjá (mãe de muitos orixás, orixá feminino dos lagos, mares e fertilidade).



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Nota:

No passado dia 25 de Maio foi assinalado o Dia de África.
Durante este mês de Julho trarei alguns apontamentos
sobre este Continente.


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Bibliografia para esta matéria:

.Fage, J.D. - História da África
Edições 70, Lda - 1997
.Ki-Zerbo, Joseph - História da África Negra I e II
Publicações Europa-América, 2ª Ed. 1990
.Larkin Nascimento, Elisa - O tempo dos povos africanos

sexta-feira, 5 de julho de 2024

A Última Lua de Homem Grande

 Onde é que eu estou?,

pergunta à Lua.

O simples pronunciar já lhe dói impiedosamente. Está coberto de uma coagulação arrefecida e pastosa, sente uma pérola de suor a escorrer-lhe sob a gola direita, e seu fígado late como um vulcãozinho de estimação. A custo golfa um soluço de dor, tosse partindo todas as costelas, tendões e músculos, e resmunga com dificuldade:

_Deram-me um tiro

Pg 181





Ele, Amílcar, Homem Grande, como lhe chamavam, sabe que depois da sua morte persistiria a pergunta sem resposta cabal:

Quem matou Amílcar Cabral?

E Mãe Iva, no funeral, apenas o espírito. Não o corpo.
Pariu um filho para servir o mundo.

Líder do Partido denominado PAIGC, para a independência da Guiné e Cabo Verde não chegou a tomar o gosto a essa liberdade. Depois da sua morte a Guiné declarou unilateralmente a independência e Cabo Verde ascendeu a ela depois da Revolução de Abril de 1974, mais precisamente no dia 5 de Julho de 1975. Portanto, há 49 anos e lá festeja-se esta data.

Político, agrónomo, teórico marxista, chamado de "fazedor de utopias", mas também poeta.

Eis um dos seus poemas:


Quem é que não se lembra
Daquele grito que parecia trovão?!
– É que ontem
Soltei meu grito de revolta.
Meu grito de revolta ecoou pelos vales mais 
longínquos da Terra,
Atravessou os mares e os oceanos,
Transpôs os Himalaias de todo o Mundo,
Não respeitou fronteiras
E fez vibrar meu peito…

Meu grito de revolta fez vibrar os peitos de 
todos os Homens,
Confraternizou todos os Homens
E transformou a Vida…

… Ah! O meu grito de revolta que percorreu 
o Mundo,
Que não transpôs o Mundo,
O Mundo que sou eu!

Ah! O meu grito de revolta que feneceu 
lá longe,
Muito longe,
Na minha garganta!

Na garganta de todos os Homens





Cabo Verde - Mornas

Cerca de 19 minutos de música belíssima. 
Compositor: o grande B.Léza, Francisco Xavier da Cruz.

***

NOTA:

No dia 25 de Maio passado comemorou-se o Dia de África.
Durante o mês de Julho trarei alguns temas relacionados com 
o continente africano, como referi ainda no mês de Maio,
antes de ir de férias.

Abraços
Olinda

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"A última Lua de Homem Grande"
de Mário Lúcio Sousa.

Poema - “Emergência da poesia em Amílcar Cabral” (30 poemas)..
 [recolhidos e organizados por Oswaldo Osório]. Colecção Dragoeiro. 
Praia: Edição Grafedito, 1983. daqui