sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Estiagem




Esta secura calada na garganta
não sei bem se veio do vento
ou das entranhas do inferno.

Este horizonte estreito
a estrangular distâncias e esperanças
não sei se é feito de sangue
ou de poeira vermelha.

(Oh! que desejo de uma carícia
de sombra fresca
de verdes ramos
e rochas húmidas)!

Será que perdi a voz
neste mar de sol
onde a paisagem é figura desfocada?

Se grito
o grito em mim persiste a esbracejar
porque não sai
do poço desta angústia amordaçada.

Aguinaldo Fonseca

  (1922-2014)

(Claridade, nº 8, 1958)

in: No Reino do Caliban, pg 166

****

 Emília Pinto
  1. Assim como a Mãe negra, também nós temos a tendência de olhar o céu tão azul para ver se ele nos aquieta... se enche o nosso coração de esperança...de muita serenidade. às vezes por mais azul que esteja só vemos nuvens escuras carregadas de cinzento, mas continuamos sempre à espera que uma estrelinha brilhe em " forma de
    carícia ", mas, a " secura calada na garganta" e horizonte estreito
    a estrangular distâncias e esperanças" continuam. Fome de pão...fome de afectos...fome de humanidade; muitos " gritos " por todo o lado num" poço de angústia amordaçada "
    E assim vai este poeta cantando as desventuras de um povo nos seus dias de " estiagem."
    Obrigada, Olinda por este momento de bela poesia. Um beijinho, amiga e, apesar de tanta chuva, desejo-te um bom fim de semana
    Emília
  2. A geografia do nordeste do Brasil, é tão semelhante a de Cabo Verde, e já cantada e decantada por vários poetas de cá e de lá... Que comumente me embrenho na paisagem dos dois países, como se estivesse em um.

    Sou uma apreciadora do movimento Claridade, o momento em que nasce uma poesia caboverdiana, onde a poética das Ilhas Crioulas, a diáspora, o milho, as montanhas, o lestada, o harmatão, a solidão, o universo, o Oceano Atlântico dão o movimento poético, a identidade poética dos Claridosos, dos pós-claridosos e dos contemporâneos, como Vera Duarte, Dina Salústio, Filinto Silva, José Luís Hopffer Almada, entre outros...

    Que alegria, que bela poesia, que lindo gesto o seu, Olinda!

    Obrigada, querida, um beijão!

    ;))

cabo-verdiano

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Mãe Negra




A mãe negra embala o filho
  
  Canta a remota canção
  Que seus avós já cantavam
  Em noites sem madrugada.

  Canta, canta para o céu
  Tão estrelado e festivo.

  É para o céu que ela canta,
  Que o céu
  Às vezes também é negro.

  No céu
  Tão estrelado e festivo
  Não há branco, não há preto,
  Não há vermelho e amarelo.
  -Todos são anjos e santos
  Guardados com mãos divinas.

  A mãe negra não tem casa
  Nem carinhos de ninguém...

  A mãe negra é triste, triste,
   E tem um filho nos braços...

  Mas olha o céu estrelado
  E de repente sorri.
  Parece-lhe que cada estrela
  É uma mão acenando
  Com simpatia e saudade...

   Aguinaldo Fonseca
      (1922-2014)

  (Linha do Horizonte, 1951)

in; No Reino do Caliban, pg 163


***

E a nossa querida Elvira recorda-nos aqui Prelúdio/MÃE-NEGRA, de Alda Lara, na maravilhosa voz de Paulo de Carvalho:





Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...

Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...

Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos 
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada...

Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...

Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...

Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada..

Lisboa, 1951 (Poemas, 1966)

Poema: retirado do comentário e de O Castendo

****Imagem: Pintura de Keith Mallet, norte-americano.
Estilo pictórico africano, moderno

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Voo desfeito no berço





Revolta


(Ao Evandro Matos)*

Revolta dentro do peito
 Por aquilo que não fiz
 E que eu devia ter feito.

Revolta dentro de mim
Por tropeçar em mim mesmo,
Por não saber onde estou...
Por caminhar tanto a esmo
Que trago os passos perdidos
Nos próprios passos que dou.

Revolta desde menino
Por tantas horas perdidas
A procurar o Destino
Nas sombras doutros destinos.

Revolta crua e sem fim...
Tantos pedaços de mim
Que destrocei sem saber!...
Revolta, sempre revolta,
Por um pedaço de céu
Que não me dão... e era meu...

Revolta, funda revolta,
Dentes rangendo na sombra.

No fundo de um corredor
Crescem gemidos de dor
Dos escravos meus avós...
Grilhetas prendendo os pés,
Prendendo também a voz...
E o sangue formou um rio
E o rio correu para o mar
E foi chorar, noite e dia,
Nas praias de todo o mundo.

Revolta dentro de nós,
Revolta arrastando os passos...
Vozes mancharam-me a voz,
Braços prenderam os braços...
Voo desfeito no berço...

Revolta crua e sem fim,
Revolta triste e infeliz,
Por trazer esta revolta
Fechada dentro de mim,
Num verso que nunca fiz.

Aguinaldo Fonseca
   (1922-2004)

(Linha do Horizonte, 1951)

In: No Reino de Caliban, pgs 160/161



* Sobre Evandro Matos: Esquina do Tempo


Imagem: 
Batik de Anselmo José Godinho
Guineense

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Nova Poesia




(Ao Amílcar Cabral)

Um dia, misteriosamente,
  A Poesia perdeu-se.
  E muita gente
  Andou por montes e vales
  Buscando-a raivosamente.

  Encostas inacessíveis
  Foram galgadas em vão.
  Gritos e mãos para os céus,
  Lágrimas, sangue e suor...
  E a própria vida
  Foi também oferecida...
  Mas a poesia estava
  Irremediavelmente perdida.

  Os homens gritaram raivas:
  -Não sabiam que fazer...

  Mas, de cada peito contrito
  De cada lágrima ou grito,
  De cada gesto de dor,
  De todo o sangue ou suor
  Discretamente nascia 
  Uma nova Poesia.

Aguinaldo Fonseca
  (1922-2014)

(Linha do Horizonte, 1951)

in: No Reino de Caliban, pgs 165/166


  
Imagem: Gakonga e Augusta Asberry

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Teu drama





O drama que roubou o brilho ao teu olhar,
  Que te pôs fundas rugas sobre o rosto
  E pintou-te de branco o cabelo,
  Ninguém o viu nem ouviu.

  Foi um drama distante,
  -Um drama longe do mundo.
  No fundo, bem no fundo de ti mesmo-
  Feito de ódios, de vinganças,
  De traições e injustiças,
  De incertezas, de ilusões e de esperanças perdidas.

  Tudo foi muito longe, mas à luz do dia,
  Quando se ouvia a algazarra viva das crianças,
  Com lojas e praças cheias de apressados compradores...
  Quando um frémito de vida
  Empurrava toda a gente.

  Foi um drama à luz do dia,
  Sem gritos, sem alarme,
  Sem notícia nos jornais.

  Ah! o teu drama foi um drama distante
  Que arrastaste durante anos
  Pelas ruas, pelas lojas,
  Pelas mesas dos cafés.

  Dentro de ti centenas de barcos afundaram-se
  Com o carregamento completo
  De todos os portos de escala
  Da tua preciosa vida.
  Pedaços de horas e dias,
  Farrapos de esperanças,
  Ficaram boiando, inúteis,
  À flor das águas salgadas da tua existência.

  Nem gritos de terror,
  Nem pedidos de socorro...
  Nem tábuas de salvação
  Ou a esperança de uma costa.

  Foi um drama distante e brutal,
  Enorme e incompreensível
  Como as coisas desconhecidas.

  Nem gritos de terror...
  Nem tábuas de salvação...
  Nem uma mão piedosa
  Para acender uma vela
  Na noite escura da tua agonia.

   Aguinaldo Fonseca
      (1922-2014)

(Linha do Horizonte, 1951) 

in: No Reino do Caliban, pgs:163/164

***

'Linha do Horizonte', é o único livro de poemas do autor, publicado em 1951.
Apesar da força da sua poesia, estranhamente, um longo silêncio, que perdurava até hoje, se abateu sobre Aguinaldo Fonseca, desaparecendo praticamente de circulação. Questionado por Laban (investigador da cultura lusófona) se deixara de acreditar no poder da poesia, ele respondeu: “para mim, poesia é vida” mas que já não sentia a necessidade de publicar. aqui
  
***

Pintura de Nelson Neves,
Cabo Verde  

domingo, 26 de janeiro de 2014

a ilha, o luar e a solidão





Sobre a cidade espantada de luar
Boia o cansaço dos homens sem futuro.

Da rua estreita
Onde as casas são escuras como túneis
Sobe uma voz marítima, familiar
Cantando uma canção de condenados.

O mar fica a dois passos.
Na areia cintilante
Palpita o coração dos pescadores.

Aquela moça franzina
Que se entregou ao mundo num ano de grande fome
Vai mansamente debruçar-se à beira-mar
Olhando as águas, olhando os mastros, olhando o céu...

A lua cresce
É cada vez maior...

A voz quente e marítima
Flutua
Insistente e rouca de álcool.

E o som
Dolente
Dum cansado violão
Tomba
Na noite longa
Dolorosamente.

Aguinaldo Fonseca

(1922-2014)



Do meu "No Reino de Caliban I", ed.1975, página 161, retirei este poema de Aguinaldo Brito Fonseca, poeta cabo-verdiano, falecido ante-ontem. E é donde também retiro alguns elementos bibliográgicos:
O seu nome despertou certa atenção quando, ainda sem livro publicado, lhe foi atribuído o prémio de poesia num concurso do Diário Popular. Está representado em: Antologia da poesia negra de expressão portuguesa, Paris, 1958; Estrada Larga, selecção de textos e poesia do suplemento "Cultura e Arte" de o Comercio do Porto, Porto, s/d (1962); amostra de poesia in Estudos Ultramarinos, nº 3, Lisboa, 1959; Modernos poetas cabo-verdianos, Praia, 1961; Poetas e contistas africanos, São Paulo, 1963; Modern Poetry From Africa, Penguim African Library, 3/6, 1963, 1963; Antologia da terra portuguesa - Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor, Lisboa, s/d (1963?); Literatura africana de expressão portuguesa, vol. 1,poesia, Argel, 1967; La poésie africaine d'expression portugaise, Paris, 1969; Poesia africana di revolta, Bari, Itália, 1969.
Publicou: Linha do horizonte, Casa dos estudantes do Império, Lisboa, 1951.

***

Tenho um motivo para fazer esta lista. É para que conste. Ele tem sido referido, juntamente com a notícia do seu falecimento, como 'o poeta esquecido'.

Assim, nos próximos dias trarei mais alguns poemas da sua autoria, os quais transcreverei a partir da obra acima citada.

Convido-vos a acompanharem-me nesta leitura.

Ver notícia

Abraço

Olinda


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O Xaile de Seda faz anos hoje

Pois é verdade, este Xaile faz hoje três aninhos. A querida Mariazita já aqui veio dar-me os parabéns, o que muito me emocionou.

Meus amigos, agradeço-vos a presença, os comentários e a vossa companhia no decurso destes três anos. 

Festejemos ouvindo este lindo fado, na voz de Lenita Gentil, com letra de Vasco Lima Couto e  música de Verónica.


Preciso de espaço
Para ser feliz

                                          

Preciso de espaço
Para ser feliz
Preciso de espaço
Para ser raiz

Ter a rede pronta
Para o mar de sempre
Ter aves e sonho
Quando a terra escuta
E falar de amor
Aos tambores da luta

Ter palavras certas no sol do caminho
E beber a rir o doirado vinho
Misturar a vida, misturar o vento
E nas madrugadas
Quando o povo abraço
Para estar contigo, preciso de espaço
Preciso de espaço
Para ser feliz
Preciso de espaço
Para ser raiz

Caminhar sem ódio
Falar sem mentira
Ter meus olhos longe
Na luz de uma estrela
E ser como um rio
Que se agita ao vê-la

Ter palavras certas no sol do caminho
E beber a rir o doirado vinho
Misturar a vida, misturar o vento
E nas madrugadas
Quando o povo abraço
Para estar contigo, preciso de espaço

Ter palavras certas no sol do caminho
E beber a rir o doirado vinho
Misturar a vida, misturar o vento
E nas madrugadas
Quando o povo abraço
Para estar contigo, preciso de espaço

***

Um poema maravilhoso que, aliado à música e à voz da intérprete, nos leva numa viagem encantada ao fundo de nós mesmos, à essência das nossas raízes.


Grande abraço.

Olinda


Letra e video:Internet     


 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

-Pedra rio vento casa// Pranto dia canto alento// Espaço raiz e água// Ó minha pátria e meu centro

Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor.
E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia. E a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética. Vemos que no teatro grego o tema da justiça é a própria respiração das palavras... 
* Sophia






Pátria

Por um país de pedra e vento duro 
Por um país de luz perfeita e clara 
Pelo negro da terra e pelo branco do muro 

Pelos rostos de silêncio e de paciência 
Que a miséria longamente desenhou 
Rente aos ossos com toda a exactidão 
Dum longo relatório irrecusável 

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento 

E pela limpidez das tão amadas 
Palavras sempre ditas com paixão 
Pela cor e pelo peso das palavras 
Pelo concreto silêncio limpo das palavras 
Donde se erguem as coisas nomeadas 
Pela nudez das palavras deslumbradas 

- Pedra  rio  vento  casa 
Pranto  dia  canto  alento 
Espaço  raiz  e água 
Ó minha pátria** e meu centro 

Me dói a lua me soluça o mar 
E o exílio se inscreve em pleno tempo 


In Livro VI-III-As Grades

Sophia de Mello Breyner Andresen
            (1919-2004)

****

Uma leitura de Grades - Helena Conceição Langrouva


...Grades, de Sophia de Mello Breyner Andresen, uma breve antologia publicada em 1971 (1) , numa fase de pleno esgotamento do povo Português, em Portugal e na guerra colonial de África. Sophia exprime, sobretudo, o tempo de opressão, agonia, morte, alienação, renúncia e exílio, as formas de injustiça, a marginalidade, a sua busca de Justiça e de Verdade. Alguns poemas exprimem também a tomada de consciência da crise da sociedade contemporânea em geral...ler mais   


*Citação-aqui
** Em 'Uma leitura de Grades-Helena Conceição Langrouva', este verso apresenta-se assim: Ó meu país e meu centro.

Ver Análise Obra Poética da autora
Imagem - Internet



sábado, 11 de janeiro de 2014

Navegavam sem o mapa que faziam

A única vez que uma viagem de avião me deu a sensação de navegação foi quando fui a Macau. No avião uma pessoa é empacotada de um lado para o outro. Mas nessa viagem muito comprida eu lembro-me de, depois de passarmos o deserto e vermos aqueles poços de petróleo a arder, descermos na Arábia com imenso calor,-especialmente para mim que vinha de Londres...-de repente ter a sensação de "navegação".
E escrevi as Navegações por causa disso e um pouco porque quando eu ia no avião e ouvi aquelas vozes celestiais que há nos aviões dizerem: "Estamos a sobrevoar a costa do Vietname". E eu fui para o andar de cima (o avião tinha dois andares), espreitei e estava uma manhã radiosa: era a entrada na Ásia! Um céu azul com umas nuvens que depois aparecem no poema como as "garças", eram nuvens esgarçadas. Via-se a costa do Vietname, uma costa de verdura espessa com uma longa praia a bordar a verdura, e depois no mar havia três ilhas de coral azul. O azul das ilhas, quase roxo, depois a laguna azul mais claro, depois o azul do mar e o azul do céu; tinha-se a impressão de que as ilhas eram os olhos azuis do mar. Era uma beleza inacreditável e eu pensei "O que terá sido chegar aqui desprevenido?"- quer dizer dobrar um cabo, e não se sabe se do outro lado está um abismo, um deserto ou uma ilha paradisíaca. *Sophia








                     VI

Navegavam sem o mapa que faziam
(Atrás deixando conluios e conversas)

Os homens sábios tinham concluído
Que só podia haver o já sabido:
Para a frente era só o inavegável
Sob o calor de um sol inabitável

Indecifrada escrita de outros astros
No silêncio das zonas nebulosas
Trémula a bússola tacteava espaços

Depois surgiram as costas luminosas
Silêncios e palmares frescor ardente
E o brilho do visível frente a frente

In: Navegações,1983

Sophia de Mello Breyner Andresen
           (1919-2004)

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*Sophia -Citação aqui
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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Não quero possuir ou dominar porque quero ser: esta é a necessidade






Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa. Dai-me a beleza intensa e nua do que é frugal. Quero comer devagar e gravemente como aquele que sabe o contorno carnudo e o peso grave das coisas.
 
Não quero possuir a terra mas ser um com ela. Não quero possuir nem dominar porque quero ser: esta é a necessidade.


Com veemência e fúria defendo a fidelidade ao estar terrestre. O mundo do ter perturba e paralisa e desvia em seus circuitos o estar, o viver, o ser. Dai-me a claridade daquilo que é exactamente o necessário. 


Dai-me a limpeza de que não haja lucro. Que a vida seja limpa de todo o luxo e de todo o lixo. Chegou o tempo da nova aliança com a vida. 

                                                                                                                                            Inédito sem data

A Casa

A casa que eu amei foi destroçada
A morte caminha no sossego do jardim
A vida sussurrada na folhagem
Subitamente quebrou-se não é minha

In Dual - 1972


Sophia de Mello Breyner Andresen
           (1919-2004)

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Recolha textos: aqui
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Imagem: Internet

sábado, 4 de janeiro de 2014

Quando à noite desfolho e trinco as rosas és tu a Primavera que eu esperava

Sabe, se quer que lhe diga, do eu que me lembro bem, e para mim o que é importante, é os sítios onde eu escrevi. Há um poema que diz «Quando à noite desfolho e trinco as rosas». Isto é absolutamente verdade: eu ia para o jardim da minha avó colher rosas, a minha avó já tinha morrido e era um jardim semi-abandonado, colhia camélias no Inverno e rosas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as... No fundo era a tentativa de captar alguma coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que floresce. * Sophia






AS ROSAS

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes
Todo o fulgor das tardes luminosas

O vento bailador das Primaveras
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas

Quando à noite desfolho e trinco as rosas

És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
És tu a Primavera que eu esperava


Sophia de Melo Breyner Andresen
          1919-2004

****

Precioso contributo da M.

Sophia de Mello Breyner era, de facto, uma mulher inspirada e inspiradora! E tinha um cenário inspirador também, penso que hoje esse jardim é o Jardim Botânico do Porto.

A Casa dos Andresen 

"...A verdura das árvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava...

Jardim Perdido
Sophia de Mello Breyner Andresen"

*****
Leiam, meus amigos, tudo sobre o Jardim Botânico do Porto, aqui

Muito Obrigada, M.

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*Sophia - Citação aqui
Ver Análise Obra Poética da autora
Imagem:internet

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Cidade dos outros




Uma terrível atroz imensa
Desonestidade
Cobre a cidade


Há um murmúrio de combinações
Uma telegrafia
Sem gestos sem sinais sem fios


O mal procura o mal e ambos se entendem
Compram e vendem


E com um sabor a coisa morta
A cidade dos outros
Bate à nossa porta


Sophia de Mello Breyner Andresen
          1919-2004


***

Comecei a escrever numa noite de Primavera, uma incrível noite de vento leste e Junho. Nela o fervor do universo transbordava e eu não podia reter, cercar, conter - nem podia conter-me em noite, fundir-me na noite (...) Sophia
Citação aqui

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Poema - Banco de Poesia Fernando Pessoa

Ver Análise Obra Poética da autora
Imagem: Sophia fotografada por Fernando Lemos,
anos 50.